PUB.

Livro-Trânsito

PUB.

Qua, 27/04/2005 - 17:08


Os livros são como o bom senso. Quem pouco se serve deles não lhes sente a falta.

E esse pressuposto lança uma luz esclarecedora sobre o uso exponencial de um aparelhómetro chamado telemóvel. O que abala o tal argumento – supostamente resistente – de que “não se compra livros porque são muito caros”. Lá ser, serão (alguns, pelo menos), mas o cidadão a quem as contas para pagar ao fim do mês dão conta do juízo nem por isso parece muito afoito para reduzir o número de telemóveis do seu agregado familiar, nem para cortar ao requinte tecnológico do último modelo adquirido, cujo grau de sofisticação fica frequentemente aquém do uso que dele é feito.
É certo que, à primeira vista, um livro terá dificuldade em competir com as valências de um telemóvel, mas é sabido que as primeiras impressões não são necessariamente as mais consistentes. Pelo que há critérios que se contradizem e argumentos que se anulam.
Ocorre-me esta reflexão num momento conjuntural do tipo “2 em 1”, numa circunstância assente algures entre a leitura de uma reportagem publicada no Jornal Nordeste (n.º 459) - assinada por Patrícia Posse, com o título alarmista de “Bragança sem livrarias” - e o Dia Mundial do Livro que se comemorou em 23 de Abril.
Se as “efemérides” têm a vantagem de lembrar (e é triste pensar que é preciso fazê-lo) ou chamar a atenção para qualquer valor ou referência; elas podem, por outro lado, carregar o defeito colado a qualquer foguetório estridente. Após o qual – e aliviadas as consciências – se retoma o ramerrão do marasmo, ou indiferença, ou alheamento, ou desinteresse, ou condescendência que estão geralmente na origem das situações que levam à institucionalização do “Dia de”. Por isso, quero desde já esclarecer que não sou a pessoa indicada para fazer a apologia estonteadamente indefectível do Dia Mundial do Livro. Porque leio todos os dias. Porque gosto muito de ler. Porque trago sempre um livro comigo. Porque gosto de livros. Porque gosto de dar livros. Porque gosto que me ofereçam livros. Porque não gosto de que não me queiram oferecer livros por pensarem que “já tenho muitos” (porque isso é não compreender o que é gostar de ler). Porque gosto de comprar livros.
E daqui não posso deixar de escorregar para a questão das livrarias de Bragança que, segundo o artigo que referi, lutam “por uma questão de sobrevivência”, já que “não há um único estabelecimento que se dedique à venda exclusiva de livros”. Ora, parece-me que essa situação não é, por si só, um anátema que deva ser lançado sobre esses estabelecimentos comerciais, ao ponto de se considerar que em Bragança não existem livrarias. Não tem por que ser visto como desprestigiante que uma livraria ofereça serviços de papelaria ou vice-versa. Porque, para além do factor da rentabilização dos estabelecimentos que a venda de material escolar, ou outro, sempre implica, há a questão da comodidade disponibilizada ao cliente que pode, no mesmo espaço, adquirir bens distintos.
Quanto à circunstância de – como é referido na reportagem – as dificuldades se prenderem “com a falta de clientes e o facto de não haver dinheiro, de um modo geral, por causa da crise”, parece-me ser essa uma tão falsa como velha questão. Ninguém que goste de ler e tenha por hábito fazê-lo deixa de comprar livros por causa do défice orçamental. Por outro lado, não é uma situação de desafogo económico que vai transmitir a alguém, que nunca aprendeu a gostar de ler, o encantamento dos livros. O que há é um sistema feito de prioridades e cada qual tem as suas.
Quanto aos “fracos hábitos de leitura”, em Bragança, denunciados, segundo a reportagem, por funcionários de algumas livrarias, não tenho dados que me permitam fazer grandes comentários. Mas acredito que um bom vendedor de livros deve ser alguém que não só estabeleça empatia com o cliente como deva sentir-se à vontade entre as obras de que dispõe, criando – junto do eventual comprador – atracção e interesse por elas. Sendo, naturalmente, capaz de aconselhar e sugerir. É que vender um livro não é exactamente igual a entregar ao comprador um tinteiro para a impressora do computador. E se o cliente pergunta ao livreiro se tem A Grécia Revisitada, por exemplo, e este lhe responde que “o que temos está tudo aí” , pouco ficará por esclarecer. E o cliente, sem livro e já sem paciência, sairá apressadamente, certo de que se enganou na loja e que, para o efeito poderia estar numa grande superfície.
Justamente, se a perspectiva de uma vendedora de uma livraria brigantina é pouco animadora, ao afirmar que “o hipermercado é o maior concorrente, porque oferece melhores preços e porque as pessoas aproveitam para comprar livros, ao mesmo tempo que fazem outras compras”, parece-me que não há razões pelas quais as livrarias não possam competir com as grandes superfícies, como quaisquer outras lojas cujos produtos se vendam também nos hipermercados. É que apesar das vantagens óbvias das grandes superfícies – os livros são de fácil acesso porque estão escarrapachados nas prateleiras – as livrarias têm a enorme possibilidade de fidelizar público. Pelo atendimento particularizado e atento; pela redução no preço dos livros aos clientes habituais e aos que possam vir a sê-lo; pela disponibilidade de fazer encomendas; pelo serviço rápido e eficiente; e pela capacidade de compreender os desejos de um público variado cujo grau de exigência irá aumentando, ao ponto de não se satisfazer com as obras generalistas e best sellers que pululam nas grandes superfícies.
É que as livrarias podem ser muito mais do que alternativas aos hipermercados. Devem ser a primeira escolha.