Miguel Torga no coração

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Ter, 05/07/2005 - 16:51


Licenciado em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, José Carrapatoso é o rosto da Escola Secundária Miguel Torga, em Bragança, uma das poucas escolas portuguesas que monta computadores para consumo próprio.

Jornal Nordeste (JN) – Que recordações guarda de Trás-os-Montes na altura da sua infância?
José Carrapatoso (JC) – Cresci numa aldeia do concelho de Mirandela, que é Alvites. É uma terra maravilhosa, da qual guardo as melhores recordações. Era um mundo de certezas absolutas e sem stress, onde os dilemas da vida moderna ainda não tinham chegado.
Depois, com 10 anos, fui estudar para um colégio particular de Jesuítas, entre Famalicão e Santo Tirso. Foi uma mudança terrível. Saí duma aldeia onde conhecia tudo e todos os cantinhos e fui para um colégio com 600 alunos, onde tudo me parecia impessoal. Estive lá 5 anos e depois vim para Mirandela, onde fiz os últimos dois anos do Liceu.

JN – E depois seguiu para o Porto…
JC – Antes disso ainda comecei a fazer o Propedêutico, do qual fui cobaia, mas era tudo ensinado através de televisão e disse ao mau pai que não ia conseguir fazer aquilo assim. Ele disse-me que fizesse o que entendesse e decidi ir até Lisboa à descoberta. Lá encontrei um velho amigo, que é o Dr. Duarte Oliveira (na altura estudante de Direito e hoje advogado em Bragança) que me ajudou a encontrar escola para fazer o Propedêutico.
Depois é que fui para o Porto, à procura do meu clube do coração e para estar mais ligado às minhas raízes. Ali cheirava-me mais a Trás-os-Montes. Antes de vir para Bragança ainda estive na Escola de Carvalhais, uma escola muito interessante que hoje desapareceu, fruto da falta de alunos, infelizmente.
Depois, como a minha mulher é de Bragança, vim para cá e comecei na então designada Escola nº 3, em 1989, que na altura estava a dar os primeiros passos.

JN – Como é que uma pessoa que dizia que não queria ser professor enveredou pelo ensino?
JC – De facto eu dizia que, se um dia me visse professor, era porque tinha enlouquecido. O que me atraía, de facto, era a profissão de médico, por influência do meu pai. Mas, no momento crucial - e isto também serve de alerta aos alunos – fui-me um bocado abaixo nos exames e não tive média para entrar em Medicina. Fui, então, para Biologia, a pensar em mudar para Medicina logo no ano seguinte. Só que no final do primeiro ano pus de parte essa ideia, porque sentia que tinha encontrado o meu caminho no curso de Biologia.

JN – O que representa para si a Escola Miguel Torga
JC – Olho a Escola Miguel Torga como uma parte de mim. Ela começou a funcionar em 1987 e, em 1989, eu já estava lá. São quase 20 anos. Costumo dizer que entrei na Escola Miguel Torga sem uma branca e vou sair de lá sem uma preta (risos), o que numa pessoa como eu, que usa barbas, ainda se nota mais.
Esta escola é o meu mundo, porque foi ali que, juntamente com um vasto conjunto de colegas, conseguimos pôr em prática um projecto, muito antes de se falar em Projecto Educativo e Lei de Autonomia, que acabou por não se concretizar.
A escola começou com alunos de outras escolas e teve de foçar para se impor junto dos irmãos mais velhos e conseguir um lugar próprio na cidade de Bragança.
Foi por isso que decidimos trilhar um caminho diferente, levando a cabo acções para aumentar a auto-estima de toda a comunidade escolar e para ajudar os alunos com mais dificuldades monetárias a ultrapassar os seus problemas.
Na altura em que o ministro da Educação era Roberto Carneiro decidimos aproveitar o projecto “Escola Cultural” que, além de contemplar um plano curricular capaz de garantir uma instrução de qualidade e preparação para a vida, previa uma série de actividades de complemento curricular capazes de preparar os alunos como homens e mulheres.

JN – Esse projecto deu frutos?
JC – Penso que sim. Hoje, a Escola Miguel Torga é uma escola simpática, com uma maneira de ser muito própria, que acolhe bem e onde o aluno, professor e pais sentem que são bem vindos. Ao ensino eficaz propomos uma série de actividades aos alunos, desde projectos desportivos e culturais, que os fazem crescer como homens e mulheres.

JN – Um desses projectos são os computadores de marca Torga. Fale-nos dele.
JC – O projecto de informática tem a mesma lógica dos outros. As Novas Tecnologias da Informação são facilmente assimiladas pelos jovens e sabíamos, de antemão, que actividades nesta área iam contar com a adesão dos alunos.
Na Escola Miguel Torga há jovens que vão terminar o 9º ano e começar a trabalhar, muitas vezes em profissões duras. Foi por isso que quisemos proporcionar-lhes a oportunidade de explorarem as suas capacidade ao nível informático antes de ingressarem no mercado de trabalho.
Mas, para isso precisávamos de dinheiro. Foi então que nos lembramos de desafiar o Prof. Mariano Gago, hoje ministro da Ciência e Ensino Superior e na altura ministro da Ciência e Tecnologia, para que se dispusesse a lançar um projecto de futuro na Escola Miguel Torga. Tudo para provar que os alunos duma escola do interior podiam ir tão longe com os do litoral, desde que se lhe dessem condições.
Mas, para conseguir o financiamento era preciso apresentar algo de inovador e foi então que nos lembramos de propor a montagem de computadores na própria escola.
O ministro aceitou e disse-nos para avançar. Mais tarde veio a Bragança para comemorar a Semana da Ciência e Tecnologia e visitou a nossa escola, onde viu os computadores Torga que estávamos a montar para apetrechar as salas e laboratórios da escola.
O projecto valeu-nos um convite para participar no programa Prós e Contras, da RTP, e penso que ganhamos alguma projecção com isso. Bragança apareceu na televisão por bons motivos e não pelas casas de alterne ou com a imagem pitoresca do burro e do agricultor idoso agarrado à enxada.

Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda