“Se alguém tiver a ilusão de voltar a ter um meio rural extremamente povoado, não vai ter porque não faz sentido”

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Ter, 07/02/2023 - 10:29


Fernando Pereira é professor de Gerontologia no Instituto Politécnico de Bragança e investigador nas áreas do desenvolvimento rural, envelhecimento, uso do conhecimento e inovação. Já desenvolveu um projecto que defende o envelhecimento em casa, desde que as pessoas tenham condições para isso e é ainda autor do livro “Teoria e Prática da Gerontologia: um guia para cuidadores de idosos”, lançado em 2012. Numa entrevista ao Jornal Nordeste falou da desertificação demográfica, da reestruturação das estruturas de acolhimento e de políticas de natalidade

Os censos seniores 2022 deram conta que no distrito há mais de 3400 idosos isolados e em situação de vulnerabilidade, tendo- -se verificado um aumento face a 2021. Isto prova aquilo que já se sabia em termos de desertificação e isolamento na região?

Sim, já não é surpresa. Basta observar o que se vai passando com os censos, em que nomeadamente Trás-os- -Montes perde mais ou menos 1% ao ano. Nas cidades não é tanto assim, porque há fuga dos meios rurais para a cidade e perde porque as pessoas saem e as pessoas estão cada vez mais envelhecidas e não há rejuvenescimento da população. Tenho até livros publicados sobre isso, explicando que há factores que actuam em conjunto e que fazem com que isso aconteça, o envelhecimento demográfico sem rejuvenescimento, é o estado quase de desertificação em que o meio rural se encontra, não há condições de sustentabilidade para quem tenha uma vida activa, tirando algumas excepções como o turismo. Além disso, como os idosos ficaram no meio rural e os filhos partiram para outros destinos, não têm ninguém que cuide deles. Enquanto as aldeias tinham 300 ou 400 pessoas, os vizinhos sempre iam ajudando, sempre havia um familiar perto, o problema é que desde há muito tempo que as aldeias têm apenas dezenas de pessoas, todas muito idosos, todas já a precisarem de cuidados. Só há uma solução, nesse caso, as pessoas terem que recorrer à institucionalização.

Já desenvolveu um projecto que defende que as pessoas que tenham condições devem envelhecer em casa. O que é que pode realmente ser feito para que isso aconteça?

O projecto chamava-se “Fique em casa e seja feliz” e visava encontrar mecanismos que pudessem fazer com que as pessoas ficassem em casa, envelhecendo, mas ficando em casa com conforto e segurança. Para isso são precisos serviços de proximidade. Os sistemas baseados na entreajuda das pessoas só são sustentáveis se houver um número mínimo de pessoas, quando esse número mínimo não é atingido, não dá para se ajudar uns aos outros. Um outro factor que também é importante, e que às vezes é esquecido, é ao nível dos cuidados gerontológicos, que são cada vez mais sofisticados, mas isso exige locais sofisticados, profissionais altamente treinados e obviamente que não é possível disponibilizar esses serviços todos em todas as aldeias de Trás-os-Montes. Se há um local, um serviço, uma entidade que pode prestar um cuidado mais adequado à necessidade da pessoa, a solução possível que se impõe é conduzir as pessoas para as instituições. O que poderia desdramatizar isto tudo era se tivéssemos instituições com outro tipo de condições. Por exemplo, vimos com a pandemia a problemática que aconteceu com os idosos que estavam institucionalizados. Até fiz um estudo com outros colegas sobre o efeito da pandemia nos lares de idosos e a situação de Portugal nem foi a pior, ou seja, há países mais ricos que enfrentaram os mesmos problemas, a tipologia de instituições que temos nos dias de hoje, com as actividades massificadas, com os idosos concentrados, não responde de forma eficaz a um problema do género da pandemia. Era preciso pensar as instituições de outra forma, de menor escala, permitindo um sistema mais flexível entre a permanência dos idosos que possam sair, dar-lhes mais independência.

Uma vez que contacta de perto com esta realidade, o que pode ser feito para combater esta solidão dos idosos? Actividades que possam ser levadas às aldeias para as dinamizar podem fazer diferença?

Gostava de dar uma resposta optimista, mas a seriedade intelectual e científica leva- -me a dizer que não, esse problema não é resolvido com medidas avulso e com medidas de baixo impacto. Há factores muito fortes que fazem com que essa situação seja gradual, vá acontecendo e não houve nenhuma inversão de factores que possa abrir uma janela de optimismo para as coisas se modificarem.

O que pode ser feito para inverter a situação?

Primeiro, o nível de vida geral das pessoas tem que dar um salto em frente, decisivo, e as coisas não têm tomado esse caminho. É preciso uma política demográfica que leve as pessoas a terem filhos. Eu tive recentemente em dois países, na Holanda e na Noruega, e quando chego ao nosso país é deprimente, porque vim de dois países onde existe muito mais juventude na rua. Nós não estamos a fazer rigorosamente nada para inverter a situação demográfica, pelo contrário, às vezes até só fazemos disparates. Já ouvi muitas vezes o disparate de que de um ano para o outro nasceram mais mil bebés em Portugal e as pessoas vêem isso como um sinal positivo, mas em termos demográficos é ridículo, não é nada, seria preciso a taxa de natalidade disparar verdadeiramente para daqui a 10 ou 15 anos, que é a próxima geração, começarmos a ver o efeito.

Mas que medidas podem ser tomadas?

Têm de ser tomadas medidas de protecção à família muito mais eficazes e definitivamente o nível de riqueza das famílias tem que subir, o nosso país tem que ser capaz de produzir mais riqueza e de a distribuir melhor, só assim é possível pensar em constituir família e em inverter a situação demográfica. Nós até temos legislação muito eficaz, mas a verdade é que se alguém aparece grávida no emprego é uma chatice muito grande ou se alguém, numa entrevista de emprego, diz que pensa ter filhos possivelmente vai para o fundo da lista. Outra coisa, que até pode ser polémica, mas há muito tempo que eu penso isto, a verdade é que há aldeias que nunca deviam ter existido, porque não têm condições, os recursos naturais que sustentavam a população eram escaços e essas aldeias só tinham gente porque as pessoas viviam extremamente mal. Se alguém tiver a ilusão de voltar a ter um meio rural extremamente povoado, como há 50 ou 60 anos, não vai ter porque não faz sentido. Faz sentido arranjar uma melhor disposição dos recursos no espaço. Por exemplo, não faz sentido ter todos os serviços em todas as aldeias, mas podemos ter, como em alguns países, serviços de complexidade crescente situados em núcleos cada vez maiores, fazendo com que os serviços estejam mais próximos dos cidadãos. Se me perguntar se isso é fácil de fazer, eu digo que não. Se me perguntar se eu vejo os políticos, as forças vivas com capacidade e conhecimento para o fazer, podem acusar-me de arrogância de académico, mas não vejo um golpe de asa para se conseguir inverter esta situação. Portanto, possivelmente continuará a acontecer aquilo que tem acontecido nas últimas duas dezenas de anos, que é estas regiões continuarem a definhar.

Jornalista: 
Ângela Pais