Troca de helicóptero não passa de “um conluio” entre INEM e empresa que assegura serviço

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Ter, 30/01/2024 - 10:31


AVINCIS recebe quase o dobro pelo serviço, mas reduziu a permanência das aeronaves. INEM não responde se entregou estudo a tempo de abrir concurso. Negócio “põe em causa socorro de populações”

Está longe de ser transparente todo o processo que levou à troca do helicóptero do INEM, sediado em Macedo de Cavaleiros, para outro de maiores dimensões e que o impede de aterrar nos heliportos dos hospitais de Bragança e de Mirandela. Depois de Berta Nunes ter dito ao Jornal Nordeste que "esta situação também resultou de conflitos laborais dentro da própria empresa que levaram a que se tivesse tomado estas medidas até o concurso estar terminado", o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC) veio desmentir a deputada do Partido Socialista. Numa carta aberta enviada a Berta Nunes, o SPAC afirmou que "não existe qualquer litígio laboral que condicione a normal operação dos helicópteros". Esta situação remonta ao ano de 2023, quando os pilotos dos helicópteros AW109, tipo de aeronave que estava em Macedo de Cavaleiros, exigiram que a empresa AVINCIS, que detém o serviço, cumprisse "o pagamento obrigatório até 3 de Agosto de 2023 de direitos laborais que já têm a receber há 10 anos" e que respeitasse "o máximo limite de horas anuais", explícito no decreto-lei da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC). Em Dezembro do ano passado, estes pilotos já tinham atingido o número de horas máximas, por ano, permitido por lei. Mas em Janeiro, o problema resolveu-se, uma vez que o número de horas passou a ser zero.

Assim sendo, qual foi a justificação para a troca de helicópteros? Porque a empresa AVINCIS está a operar apenas com dois helicópteros em permanência?

No final do ano passado terminava a concessão do concurso público que atribuía à AVINCIS a realização de serviços de socorro de emergência médica. Era do conhecimento do Governo e do INEM que o concurso estava a terminar e que era necessário abrir novo concurso, com vários meses de antecedência, para que a concessão fosse novamente atribuída, o que não aconteceu. Contactámos o INEM que nos esclareceu que a preparação do concurso foi "complexo e moroso" e que "em Março de 2023" decidiu fazer uma "consulta preliminar ao mercado" para perceber quais os eventuais interessados no concurso. Depois de ter feito esse estudo, concluiu que havia "a necessidade de aumentar o valor do serviço em cerca de 60%", em relação concurso 2018-2023, devido "ao aumento dos custos". Assim sendo, os "7,5 milhões de euros" que estavam a ser pagos anualmente à empresa AVINCIS teriam de passar a ser "12 milhões de euros". No entanto, passaram-se meses e só a 25 de Outubro é que a publicação da Resolução de Conselho de Ministros determinou o avanço do concurso público.

Porque é que só meses depois foi aberto o concurso?

Perguntámos ao INEM se enviou a tempo o estudo feito ao Governo, para que o concurso fosse aberto dentro do prazo, impedindo desta forma a realização de um ajuste directo. A questão foi colocada duas vezes e não obtivemos qualquer resposta. Tratando-se de um concurso que precisa de meses para se realizar, era impossível que em Janeiro deste ano fosse conhecido o resultado. Assim sendo, o Governo avançou para um ajuste directo, de seis meses, com a empresa AVINCIS, até que seja conhecido o resultado do concurso. Além de ter sido aberto tardiamente, também o serviço que está a ser prestado não corresponde à exigência do Governo. Na Resolução do Conselho de Ministros, de 25 de Outubro, pode ler-se que se pretende que Portugal "disponha em permanência de um dispositivo de quatro helicópteros dedicado em exclusivo à emergência médica". Ou seja, que se continue a dar cumprimento ao caderno de encargos anterior, com quatro aeronaves 24 horas por dia, sediadas em Macedo de Cavaleiros, Viseu, Évora e Loulé.

Perante tal exigência, porque as aeronaves de Viseu e Évora passaram a operar apenas 12 horas por dia?

Desta forma já está a ser violada a exigência do Governo. Além disso, como foi referido anteriormente, o valor a ser pago por ano foi actualizado, o que significa que a AVINCIS recebeu 6 milhões de euros para prestar este serviço durante seis meses, quando antes recebia cerca de 3,8 milhões de euros.

Se até está a receber mais, porque reduziu à carga horária das aeronaves?

Segundo o INEM, receberam duas propostas para o ajuste directo, da AVINCIS e de outra operadora, que nunca revelaram o nome, mas que só estava disponível para operar a partir de Julho deste ano, o que automaticamente fez o INEM descartar esta empresa. Assim, restou apenas a AVINCIS que, de acordo com o INEM, "referiu que pelo valor autorizado não conseguiria assegurar, no imediato e para o período previsível máximo de seis meses, a escala de pilotos para operar os quatro helicópteros 24 horas por dia". O INEM explicou que a única solução passaria por aceitar a proposta da empresa, de modo a "acautelar o interesse público". De acordo com a justificação apresentada, a alegada falta de pilotos terá levado a AVINCIS a reduzir as horas dos helicópteros de Viseu e Évora e a trocar os helicópteros de Macedo de Cavaleiros e Loulé, de aeronaves AW109 para aeronaves AW139, com mais peso e autonomia. No entanto, o sindicato nega que haja falta de pilotos. Tiago Faria Lopes afirma mesmo que a empresa só trocou as aeronaves, porque os pilotos dos heli AW109, que eram os que operavam antes, exigiram que fosse cumprida a lei. "Os pilotos têm um ordenado base baixo e ganham ao dia de trabalho. Estamos no mês de Janeiro de 2024 e pilotos do 109, que era o helicóptero que operava em Macedo de Cavaleiros, neste mês têm 6 dias de trabalho. Portanto, não há falta de pilotos, há sim uma má- -fé da empresa e um conluio com INEM", disse. O comandante não tem dúvidas de que se trata de um esquema entre a AVINCIS e o INEM. "O INEM entregou a 18 de Dezembro a proposta e a AVINCIS tinha de responder a 19 de Dezembro, prazo limite. Não há nenhuma empresa que responda a um projecto desta magnitude num dia. Isto leva-nos a crer que o INEM e a AVINCIS já tinham tudo combinado", afirmou. Tiago Faria Lopes vincou ainda que se está a "brincar com a segurança da população" e com "o erário público". O Jornal Nordeste contactou ainda Berta Nunes depois de ter recebido a carta aberta do SPAC. A deputada reconheceu que o problema com as horas dos pilotos já não se colocava e que, desta forma, os pilotos já estariam disponíveis para voar. Confrontada com o aumento do valor que está a ser pago à AVINCIS, Berta Nunes defendeu que a "inflação é de facto a justificação para que os preços aumentem em vários serviços". Adiantou ainda que o contrato do ajuste directo "está para visto do tribunal de contas" e que não lhe parece haver "nenhum problema de ilegalidade".

Mas a troca dos helis põe em causa o socorro à população?

O helicóptero sediado em Macedo de Cavaleiros era uma aeronave AW109, com autonomia para "300 Km". Ao ser trocado para uma aeronave AW139, a autonomia aumenta para "400 Km". A justificação para a troca é que como o helicóptero do INEM sediado em Viseu agora só opera 12 horas, durante o dia, o helicóptero de Macedo de Cavaleiros terá de prestar assistência durante a noite, o que significa que precisa de uma aeronave com mais autonomia. Esta situação até trouxe constrangimentos à região, porque os heliportos dos hospitais de Bragança e Mirandela não têm certificação para receber aeronaves de maiores dimensões. Teve de ser cedido o campo de futebol do Instituto Politécnico de Bragança para que o helicóptero pudesse aterrar. No entanto, Tiago Faria Lopes disse que esta autonomia não é benéfica como se pensa, até porque aumenta em "50 minutos" o socorro do doente, salientando que o que se está a fazer é "tapar o sol com a peneira". O comandante explicou que se houver uma emergência durante a noite, os helicópteros a operar são os de Macedo e Loulé, mas só é eficiente se transportar o doente numa hora, o que não acontece em distâncias longas. "Os médicos têm uma hora entre o socorro da vítima até entrarem no bloco operatório. Quando é ultrapassada essa hora já não vale a pena. Por exemplo, se houver um acidente em Abrantes à noite, o helicóptero que lá vai é o de Loulé. Demora uma hora e meia a lá chegar e já não serve. Assim vale mais ir lá uma VMER, que é o que o INEM vai dizer. Mas a VMER serve para minimizar o dano no local, enquanto o helicóptero chega, não serve para transportar o doente o mais rápido possível para o hospital", vincou. Desta forma, Tiago Faria Lopes não tem dúvidas de que a troca das aeronaves só dão uma falsa sensação de segurança. "É inadmissível que se esteja a pôr em risco o socorro da população, em detrimento de negócios pouco claros. E a cereja no topo do bolo é culpar os pilotos de helicópteros", frisou. Contactámos a AVINCIS para perceber porque não está a cumprir a Resolução do Conselho de Ministros, em que exige quatro aeronaves em permanência 24 horas por dia, se o valor pago é até superior. Questionamos ainda porque não teve em consideração que os heliportos dos hospitais de Bragança e Mirandela não estão certificados para receber estas aeronaves. E como reage ao facto de o sindicato negar a falta de pilotos e afirmar haver um complô entre a AVINCIS e o INEM. Até ao fecho da edição do jornal não obtivemos qualquer resposta.

Jornalista: 
Ângela Pais