Hepatites Víricas: Um Problema de Saúde Mundial

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As hepatites víricas resultam da inflamação do fígado causada por vírus, patologias comuns, que podem ser prevenidas e curadas.

O que é Hepatite?
A expressão Hepatite é utilizada para definir uma inflamação do fígado, que pode ter várias causas, incluindo infeção por vírus ou bactérias, consumo de produtos tóxicos (álcool ou medicamentos), doenças auto-imunes (que resultam de uma perturbação do sistema imunitário em que o organismo desenvolve auto-anticorpos que atacam as células do fígado), doenças genéticas, entre outras. 

Existem vários tipos de hepatites víricas?
Sim. Os principais vírus causadores de hepatite são designados por letras do alfabeto (A, B, C, D e E) e têm em comum a capacidade de infetar as células do fígado (hepatócitos). Divergem no meio de transmissão e nas consequências clínicas da infeção.
As mais comuns em Portugal são as hepatites causadas pelos vírus B e C. A hepatite aguda A é atualmente rara no nosso país, devido à melhoria das condições higienossanitárias. A hepatite por vírus D é praticamente inexistente e a hepatite por vírus E tem um predomínio significativo nos países do sudeste asiático. Contudo os fenómenos migratórios da população podem fazer alterar estes dados.

Qual a diferença entre hepatites agudas e crónicas?
As hepatites víricas podem ser agudas ou crónicas. Quando, após 6 meses, o vírus ainda é detetável no sangue e não se verifica a presença de anticorpos protetores, a hepatite passa a ser considerada uma doença crónica e provocar dano progressivo no fígado, podendo dar origem a complicações (cirrose, cancro do fígado, morte…). No entanto, se detetadas a tempo, as hepatites crónicas podem ser controladas e até mesmo curadas.
As hepatites por vírus A e E são exclusivamente agudas. Nas hepatites por vírus B e D, em cerca de 70 a 80%, a infeção resolve-se espontaneamente. A hepatite D só se manifesta em conjunto com a hepatite B. No caso do vírus C, apenas em cerca de 25 a 30% dos casos há uma resolução espontânea da infeção e, por isso, a grande maioria dos doentes evolui para uma situação de hepatite crónica.

Como se transmitem?
O modo de transmissão das hepatites víricas pode dividir-se em 2 grupos:
> Hepatite A e E com transmissão fecal-oral, ou seja, através da ingestão de água e alimentos contaminados por pessoas infetadas ou, diretamente de uma pessoa para a outra. A sua transmissão relaciona-se com as condições de saneamento básico, higiene pessoal e com a qualidade da água e dos alimentos.
> Hepatite B, C e D com diversos mecanismos de transmissão. Podem ser transmitidas por via sexual, por via sanguínea (antigamente através de transfusões de sangue, quando ainda não se fazia  rastreio), através da partilha de material infetado (agulhas, seringas, material para colocação de piercings ou realização de tatuagens, entre outros, desde que tenham sangue). Outra via de transmissão é a vertical, ou seja de mãe para filho, durante o parto (rara na hepatite C). É importante desmistificar o facto de estes vírus se transmitirem através do suor ou saliva se a barreira cutânea, ou seja, a pele estiver íntegra (sem feridas). Portanto, não se transmitem através de um aperto de mão ou beijos.
Em alguns casos, apesar de tudo, não se consegue identificar a via de transmissão.

Que sintomas podem provocar?
Muitas não apresentam qualquer sintoma específico. Por vezes podem manifestar-se com queixas inespecíficas, de mal-estar generalizado, semelhantes a uma gripe. Noutras situações podem provocar icterícia (ficar amarelo na parte branca dos olhos e na pele), colúria (urina de cor escura, tipo “vinho do Porto”), falta de apetite, náuseas e vómitos e cansaço excessivo.

Como se detetam?
O diagnóstico é fácil de fazer, com base em análises de sangue.
Tendo em conta que as hepatites víricas podem apresentar-se com sintomas não específicos ou resolver espontaneamente, sem nenhum tratamento dirigido, por vezes o diagnóstico é feito acidentalmente, em análises de rotina, muitos anos depois de ter ocorrido a infeção.   

Têm cura?
As hepatites virais agudas não têm um tratamento específico e, na maior parte dos casos, resolvem espontaneamente ao fim de alguns dias.
As hepatites A e E são geralmente limitadas no tempo e necessitam apenas de tratamento sintomático (repouso, dieta restritiva).
No caso da Hepatite B há vários tratamentos disponíveis, por via oral, com poucos efeitos laterais, que controlam a doença e evitam a sua progressão para estadios mais avançados, embora raramente proporcionem a cura definitiva, pelo que a toma de medicamentos é geralmente para toda a vida.
No caso da Hepatite C a situação é bastante diferente e sofreu uma autêntica revolução nos últimos anos, existindo atualmente tratamentos, realizados exclusivamente por via oral e com muito menos efeitos secundários, que permitem a cura em mais de 95% dos casos. A duração do tratamento pode ser mais ou menos longa, dependendo do tipo de vírus C (o chamado genótipo do VHC) e do estadio de fibrose do fígado (se já apresenta cirrose ou não).
Tanto na Hepatite B como na Hepatite C, nem todos os doentes têm indicação para realizar tratamento, sendo esta decisão tomada caso a caso, em consultas especializadas.
As hepatites B e C podem evoluir para cirrose. Nestes casos, mesmo após o tratamento ou cura (atualmente, no caso da hepatite C), a cirrose permanece, e por esse motivo, é obrigatório vigiar o aparecimento de cancro do fígado, muito mais frequente nestes doentes.
Concluindo, um seguimento adequado pode evitar a evolução da doença e as suas complicações.

Como se podem prevenir?
É importante ter presente, que esta, como qualquer outra doença não escolhe idade, sexo, raça ou condição sócio-económica.
No caso das hepatites A e E existem algumas medidas de prevenção, especialmente importantes para quem viaja para destinos em que os cuidados de saúde são mais precários, tendo em conta a sua via de transmissão:
• Lavar bem os alimentos;
• Preferir alimentos embalados ou cozinhados a altas temperaturas;
• Consumir água engarrafada (atenção aos cubos de gelo nas bebidas!);
• Evitar o contacto direto com as sanitas e lavar sempre bem as mãos;
• Ponderar a vacinação contra a hepatite A (conforme aconselhamento médico).

No caso das hepatites B, C e D:
• Evitar a partilha de objetos pessoais, tais como escovas de dentes, brincos e corta unhas;
• Nunca partilhar agulhas ou seringas;
• Assegurar a esterilização prévia de objetos cortantes (navalha do barbeiro, agulha usada para fazer um piercing ou tatuagem);
• Usar preservativo, particularmente se mantém múltiplos parceiros sexuais. Este é o único método eficaz para evitar a transmissão do VHB, VHC e VHE, mas também de doenças sexualmente transmissíveis como o VIH, sífilis, gonorreia, entre outras doenças sexualmente transmissíveis (DST).
No caso da hepatite B existe uma vacina que faz parte do Programa Nacional de Vacinação (PNV) há já alguns anos e as crianças portuguesas estão imunizadas. No caso dos adultos considerados “de risco” (profissionais de saúde ou outros profissionais que, por outros motivos estejam mais expostos) podem e devem recorrer à vacinação – consulte o seu médico!

Ana Rita Alves Lopes (Interna de Formação Específica de Medicina Interna)
Carla Pinto (Interna de Formação Específica de Medicina Interna)
Cristiana Batouxas (Assistente Hospitalar de Medicina Interna)
Consulta de Hepatologia | Serviço de Medicina Interna | ULS Nordeste