Ainda há caça?

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Perante esta pergunta, a mim dirigida através do espaço cibernético, por um jovem que suponho ser brigantino de nascença mas, certamente, desligado das vivências das comunidades rurais, poderia muito simplesmente responder: Sim, ainda há “caça” nos nossos campos transmontanos!

Porém, parece-me oportuno apresentar uma resposta mais “compostinha”, mais completa e elaborada, quiçá mais académica! E devo também perguntar: A que caça se refere?

Procurando esclarecer, tanto o jovem que me questionou como os leitores porventura também afastados destas “coisas da caça e do campo”, cumpre referir que há “caça maior” e “caça menor”, “caça de pena” e “caça de pelo”, “caça sedentária” e “caça migradora” e, dos diferentes animais que é permitido caçar, uns são aves e outros são mamíferos…! E por aí adiante... E agora? A quais se referia, caro jovem conterrâneo?

Além do mais, para cada grupo de espécies, em respeito pela respetiva bioecologia e etologia, há “períodos”, “processos” e “meios” de caça perfeitamente definidos em diplomas legais e ainda há a ética que deve nortear a atuação de todo o caçador que se preze…! Aliás, a caça é das atividades lúdicas mais regulamentadas, tanto no nosso país como em todo o espaço europeu, onde há cerca de sete milhões de caçadores.

Por outro lado, as dinâmicas populacionais das espécies cinegéticas têm variações interanuais e entre diferentes zonas, há fortes relações intra e interespecíficas… E, caso não saiba, devo também esclarecer que os animais, no ambiente natural, não são todos “muito amigos” entre si, antes pelo contrário, uns são alimento de outros…

A alegada escassez de peças de caça menor no nosso território não corresponde à verdade, a meu ver, até porque continuo a ser um “caçador de perdizes e codornizes satisfeito”! Contudo, a verificar-se pontualmente, não se deve especialmente ou exclusivamente à captura resultante da prática da caça, mas sim a um conjunto de fatores limitantes que, por vezes, se conjugam e levam à perda de qualidade do habitat para determinados grupos de animais, favorecendo outros… Curioso, não?! Refiro-me concretamente ao caso, sobejamente conhecido, da redução da atividade agrícola e abandono do sistema tradicional de sequeiro cereal-pousio, que trouxe como consequência a diminuição das condições favoráveis à proliferação da caça menor (perdizes, codornizes, rolas, lebres e coelhos), em favor do aumento da presença de caça maior (javalis e corços).

Por fim, caro jovem conterrâneo, permita-me que lhe deixe apenas mais duas ideias, de caráter algo pessoal, sobre tudo isto: fiz-me caçador por paixão pelo campo, pela terra, pela vida animal, pelos costumes ancestrais e pela cultura identitária de quem vive no mundo rural; e fiz-me estudioso destas matérias – conservação da natureza e gestão cinegética – por igual paixão, que também passa por melhor entender a complexidade de funcionamento dos ecossistemas e da bioecologia da nossa riquíssima fauna e flora natural e bravia…

 

Agostinho Beça