Arrogância (grave e pouco inteligente)

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A história é simples e descreve-se em poucas palavras. Começou alguns dias antes da chegada da pandemia e terminou em plena fase de confinamento. Não tendo importância bastante para se impor a outros assuntos que, entretanto, foram surgindo, contém em si matéria suficientemente grave para impedir o seu esquecimento. Havia, desde há mais de uma dezena de anos, uma regra do conhecimento de todos e nunca quebrada e que determinava que todas as edições literárias produzidas por munícipes de determinado concelho, tinham direito a apoio municipal. Naturalmente, o editor abordou o Presidente da Câmara solicitando a normal contribuição municipal para a divulgação de várias obras que preenchiam os requisitos. O autarca concordou, de imediato, com todas as propostas com exceção do livro escrito por um determinado autor. Ao saber do sucedido, o visado dirigiu-se por e-mail ao autarca pedindo explicações. Este mandou um responsável da autarquia responder que os apoios culturais estavam cancelados por causa da pandemia, entretanto instalada. Há, pelo menos, três aspetos e relevar desta situação. 1 – Como a recusa foi feita com base no nome do autor e não em qualquer análise da sua obra (ainda não tinha sido lançada, nessa altura) o gesto configura manifesta censura baseada em suposto delito de opinião. Queria, provavelmente, “prejudicar” o escritor, mas a penalização afeta sobretudo o editor, pequeno empresário do mesmo concelho. Peca, sobretudo, por falta de inteligência. Qualquer pessoa com dois dedos de testa facilmente concluiria que esta era uma oportunidade única de colocar nos ombros uma capa de democrata, mesmo não o sendo (até porque a promessa poderia ser deferida para a altura que mais lhe conviesse). Desperdiçar essa possibilidade revela, sobretudo, pouca esperteza mas, infelizmente, há pessoas para quem, qualquer avaliação positiva, mesmo que modesta, arrisca-se sempre a ser exagerado. 2 – Decidindo furtar-se a dar, na primeira pessoa, uma justificação, qualquer que ela fosse, sobre uma decisão pessoal a discricionária, mostra, não só o incómodo que a situação lhe causou mas, mais do que isso, evidencia a cobardia de quem não é capaz de assumir os próprios atos, escondendo-se atrás de quem não se pode deixar de obedecer às “ordens superiores”. Episódios passados denunciam não ser este um episódio fortuito. É bom não esquecer que o que foi questionado por e-mail não foi a recusa da concessão de apoio mas quais as razões para a exclusão com base apenas no nome do escritor. 3 – Mas, o pior de todo este episódio reside na exibição, sem pudor, nem recato, da determinação, por parte de quem ocupa um lugar de eleição democrática, de usar, a seu bel prazer, os recursos públicos que jurou gerir responsavelmente e com equidade. Se mesmo sabendo que o episódio dificilmente deixaria de vir a público (admitir o contrário seria diminuir-lhe a capacidade intelectual a um nível inimaginável), não se coíbe de assumir, que usará ou deixará de usar os fundos municipais em função dos seus humores pessoais e das suas considerações subjetivas e distorcidas é de uma gravidade enorme. Em qualquer altura. Muito mais no dealbar do ano de eleições!

José Mário Leite