DA CATALUNHA A CARVIÇAIS PASSANDO POR CASCAIS

PUB.

Mais ou menos à mesma hora que em Barcelona no Parlamento Autónomo Catalão era proclamada unilateralmente a independência, na cidadela de Cascais, Teresa Patrício Gouveia questionava Rien Van Gendt sobre a legitimidade de se poder adaptar a vontade póstuma e fundadora, à realidade atual, necessariamente diferente, diversa e, seguramente, mais complexa que quando foi postulada. O consultor holandês afirmou claramente que não só era legítima como, provavelmente, seria necessária e conveniente, a incorporação do conhecimento atual para maximizar a relevância do legado. Estava certo que o próprio fundador seria o primeiro a promover uma tal reflexão. Contudo seria sempre necessário balizar as possíveis alteraçãos e adequações pelo estatuído no testamento fundacional.

O processo de independência é complexo, apaixonante e contraditório. Há seguramente razões, sobejamente conhecidas, de um e outro lado que suportam e justificam as tomadas de decisão. Compete aos interessados valorizarem as que mais lhe tocam. Há contudo duas, cujo relevo não pode ser ignorado e ambas estão do lado autonómico. A primeira tem a ver com a inviolabilidade do direito que todos os povos têm de poderem manifestar a sua opinião e vontade, de forma livre, genuína e sem que nada nem ninguém os impeça, seja de que forma for, muito menos recorrendo à violência institucional. A segunda tem a ver com ilegitimidade do argumento histórico. Legalidade e legitimidade não são a mesma coisa mesmo que andem, felizmente, muitas vezes de mão-dada. A norma constitucional impõe uma legalidade que só é legítima enquanto o texto fundamental representar, agora e não quando foi escrito, aprovado ou referendado, a expressão do povo que o sustenta e justifica. O facto de a Constituição ter sido aprovada maioritariamente, em referendo na Catalunha não pode impedir os justos anseios de gerações que entretanto surgiram e se afrmaram. Interpretar um texto datado, seja testamentário, fundamental ou instituidor, no tempo atual, sem ter em consideração as alterações que o tempo carreou é semelhante a citar uma frase polémica retirando-a do contexto.

Por igual razão de raciocínio se desvanece a “certeza” que querem fazer vingar os que garantem que o Abade Tavares ao referir explicitamente a vila de Torre de Moncorvo como o local onde pretendia que fosse instalado o Museu que guardasse e expusesse o seu rico legado. É necessário recuar oitenta anos para entender a forma como o clérigo via o mundo, o seu mundo e o interpretava. Fazer um Museu em Moncorvo era, para o investigador, colocar uma lança em África. De tal forma complicado e difícil que ele mesmo verificou da impossibilidade da sua concretização durante a sua vida. Fazê-lo em Carviçais era pura ficção. Impensável!
Não é assim agora. Pelo contrário. O Museu do Abade Tavares tem uma localização lógica e natural na Terra do Ferro e essa é uma e única: a aldeia de Carviçais. Refleti muito, recentemente sobre qual seria a genuína vontade de prior sobre o verdadeiro chão que deveria receber a sua riquíssima coleção. As poucas dúvidas que me restavam desapareceram quando, recentemente, “tropecei” num texto de Carlos d’Abreu sobre o processo de concurso para pároco de Carviçais. Apesar da sua origem, não me restam quaisquer dúvidas, nem restarão a quem quer que olhe para esta problemática da forma correta, que o padre José Augusto Tavares é um cidadão moncorvense de Carviçais. Nenhum local melhor que a sua aldeia de adoção para preservar a sua memória e reconhecer o seu mérito, talento e trabalho. Mesmo que os seus documentos contenham, em forma de letra, a expressão explícita à vila, sede do concelho.

 

José Mário Leite