DOS DRONES, DOS BASBAQUES E DO FUTURO

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Um dia destes fui surpreendido com uma notícia em que o repórter, de queixo no ar e boca escancarada de espanto, deu a boa nova:
A Santa Casa da Misericórdia de já não sei onde, recorrendo às salvíficas novas tecnologias, mandou construir um drone para levar o almoço ao único morador que ainda habita uma dessas perdidas aldeias do Portugal profundo, evitando assim a grande maçada de enviar todos os dias alguém num jipe com a comidinha.
Não informou o dito repórter quanto custou a engenhosa caranguejola, mas a avaliar pelo preço que anda associado às novas tecnologias, a verba não teria sido de menosprezar. No entanto, o que mais me espantou, foi o aplauso acrítico, amorfo e provinciano, de gente que tem o dever de informar, olhando os factos de todos os ângulos possíveis, bem como a passividade de todos quantos escutaram tão grande maravilha. Ou será que já não há cidadãos em Portugal?
Tão triste e chocado me deixou a notícia que só agora consigo reagir e escrever estas linhas sem sentido.
Se é verdade que o homem é um animal social, e quando abandonado numa ilha, ou se torna um deus ou uma besta, no dizer do velho Aristóteles, não nos resta senão ver por antecipação o filme.
Os irmãos da Santa Casa de não sei onde, deram um duro golpe no solitário cidadão, retirando-lhe o único momento do dia em que podia ver e falar com gente. E com que ansiedade esperaria por esses breves momentos dos seus longos dias!
Consumada a obra, agora o que se segue? O caminho não poderá ser outro que o da bestialização, da morte de solidão e de tristeza, como os psicólogos já mostraram à saciedade.
    Vá irmãos da Santa Casa de não sei onde, não hesitem, levem até às últimas consequências a vossa inspirada congeminação: mandem instalar uma câmara no dito drone para registar passo a passo o fim a que condenaram o infeliz cidadão! E já agora, para rentabilizar o investimento, ponham à venda as imagens desse fascinante reality show que as televisões depressa vo-las comprarão.
Não sei o que será o futuro, mas se o futuro é como o desse infeliz, não o quero. E para poder escapar legalmente a uma morte como essa, vil e inumana, caríssimos parlamentares, por favor  apressem-se a legalizar em Portugal a eutanásia.
Sobre a inqualificável façanha Não vos consigo dizer mais nada. No entanto, deixem-me perguntar ainda a quem de direito, se com essas verbas não teria sido possível construir nessa aldeia uma instância de férias, uma  casa para famílias de refugiados, um hotel da juventude, uma empresa de apicultura, ou uma outra qualquer atividade económica que vá no sentido do repovoamento do Portugal rural que tão urgente se afigura ?

Francisco Alves