A FLOR E O VENTO

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“Não interessa quão cruéis, indecentes e maus podeis ser, de cada vez que respirais, fazeis feliz uma flor” esta frase é do humorista canadiano Mort Sahl citado por Richard Charles Lewontin no seu livro “Biologia como ideologia”. Nessa obra, Lewontin, demonstra claramente que a noção, tantas vezes proclamada e defendida de que lá fora existe um mundo fixo e constante que os seres humanos perturbam, modificam e destroem é perfeitamente errada e não tem qualquer adesão ou suporte na realidade. Toda a ação é modificadora e é impossível viver sem modificar. Cada ser vivo é um destruidor do seu próprio ambiente pois o seu metabolismo traduz-se em retirar dele o que para si (e para os da sua espécie) é bom e introduzir-lhe tudo o que é mau. Felizmente o mal de uns é o bem de outros como Mort Sahl sintetiza na frase atrás reproduzida. Acresce que os seres vivos têm a capacidade de se adaptarem e conseguem modificar as suas próprias características para sobreviverem num meio ambiente em mudança, como Darwin demonstrou.
Acontece que é o mesmo Darwin que evidenciou três aspetos que relevam para o assunto em questão. O primeiro é que o processo evolutivo, sendo efetivamente adaptativo é, igualmente gradativo e o seu período mede-se em milénios, não em décadas. O segundo é que toda a adaptação tem limites e o legado que temos foi feito com muitíssimas baixas em combate, infelizmente irrecuperáveis. O terceiro garante que sendo a origem da vida uma única, a condição humana é o ponto cimeiro do caminho comum não sendo adquirido, bem pelo contrário, o direito de dispor de outra qualquer espécie a seu bel-prazer.
Concluindo, viver é modificar. Toda a modificação, em boa verdade tem aspetos que podem ser considerados positivos e outros negativos, sendo que a valoração de cada um deles depende muito do contexto e do avaliador.

A Câmara Municipal deve prosseguir, sem desfalecimentos o que entende ser o benefício comum e, como tal, orientar-se pelo que supostamente é a vontade da maioria dos seus munícipes. A Assembleia Municipal (AMTM) deve ser o espelho da sociedade civil, uma janela aberta sobre a realidade concelhia. Na AMTM deve ser a vontade maioritária a prevalecer mas deve igualmente haver lugar e cabimento para as vozes, interesses, questões e anseios que sendo minoritários tenham relevo e como tal merecimento para serem consideradas e plasmadas nas suas decisões.

Inconformada com a decisão de reprovar o pedido de licenciamento do Parque Eólico de Torre de Moncorvo (PETM) a Câmara Municipal aprovou por unanimidade uma moção de protesto. Esta mesma moção foi aprovada sem votos contra na Assembleia Municipal, embora não tenha reunido igual unanimidade. Precisamente para evidenciar a existência, na sociedade moncorvense, de vozes que consideram relevantes os impactos negativos que todos os pareceres evidenciaram. Mesmo os que aprovaram o projeto.

De entre os riscos potenciais há um que apesar de não aparecer em nenhum documento oficial deve ser levado muito a sério: a notícia de que na Califórnia terá havido fortes indícios que a exploração da energia eólica afetou negativamente a polinização e floração das amendoeiras. Talvez sejam apenas suspeições infundadas como alguns garantem ou pelo contrário sérias e válidas, como afirmam outros. Cabe aos que perseguem e servem o interesse público indagar, pesquisar e informar. Cabe ao promotor promover a informação e esclarecimento.

Por José Mário Leite