A lei do pimba

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Boa tarde minha gente. Espero que este Verão esteja a ser como manda a lei. Por falar em Verão, hoje vou destrinçar o pimba. Destrinçar como se fosse com uma daquelas tesouras de cortar frangos assados. Comecemos pela terminologia. Música ligeira ou música pimba. Bem, pimba soa mais popular e para o efeito é o que se quer. Além disso ligeira é uma palavra muito anos 80, 90 no máximo. Pimba só se usa para este fim, por isso fiquemos com o pimba até porque este tipo de música não costuma de ser de meias palavras ou ter medo delas. Primeiro, este não é um fenómeno tão recente nem nasce com as festas e o dinheiro dos emigrantes. Até porque antes disso sempre houve festas nas aldeias. Não tinham nada a ver com as de agora, bem-entendido, mas festa é festa. E como dantes não havia tanto entretém talvez até tivessem mais espírito. O tira-teimas fica ao critério de quem viveu umas e outras. Nesses tempos já havia conjuntos, feitos de música e instrumentos a sério, como o ‘Maria Albertina’ ou o ‘António Mafra’, por exemplo. E já nesse tempo as canções eram polvilhadas a trocadilhos apimentados. Atentem na discografia do ‘Conjunto António Mafra’. Aquelas letras antes do 25 de Abril, sim senhor, é do Quim Barreiros lhes tirar o chapéu. Sérgio Godinho ou Sitiados musicaram muita coisa deles. O João Aguardela dizia, inclusive, que era uma das suas bandas favoritas. ‘Maria Albertina’ era uma cena mais Jorge Ferreira: ai, o emigrante, Nossa Senhora, minha mãe, meu pai, não saía muito daí. O que só mostra que já nessa época havia diferentes abordagens. Bem, o que é que mudou então? O que mudou foi o mundo. A sociedade, os tempos, um milhão de coisas. Veio a democracia, a Europa, as auto-estradas e com isso a facilidade de fazer as coisas, o electrónico, a linguagem desimpedida, dinheiro, a indústria das festas populares, os meios de comunicação, o bom, o mau e todos em geral. No meio deste barulho, outra questão, uma das maiores falácias do pimba é dizer que os artistas não sabem nada de música. Não é verdade, os nossos maiores artistas do género são grandes músicos e compositores e têm por norma uma grande e reconhecida cultura musical. É claro que há muitos que não percebem nem querem perceber nada do assunto, sinal de que há mercado para todos, mas este é um aspecto em que sem dúvida pagam os justos e os pescadores. Depois há a apresentação, a imagem. No que diz respeito ao guarda-roupa uma mulher bonita facilmente vira pirosa em cima de um palco, embora não deixe de ser uma mulher bonita nem deixe de estar pirosa. Mulher bonita mas pirosa é uma dicotomia muito música pimba. Já o homem tem orgulho em ostentar o modo pimba como escolhe a indumentária. Aqui creio que não há dicotomia nenhuma. Faz parte, o guarda-roupa leva o artista pimba para outra dimensão. Uma dimensão única e inigualável onde o expoente máximo da expressão artística pode ser apreciado itinerantemente nas t-shirts do José Malhoa. Deveria haver uns óscares do pimba: e o melhor guarda-roupa vai para… Depois temos o modelo de jogo. As comissões de festas podem escolher, consoante o pressuposto que têm, se querem jogar em 4-3-3 ofensivo em regime de pensão completa com artista acompanhado de bailarinas em rotatividade, banda larga e pirotecnia e ou se querem jogar apenas com um ponta de lança perdido no meio da defesa contrária, sem eira nem banda e com a música ultracongelada que é só pôr no micro-ondas e servir. Segue-se a comunicação com o público. O tempo dos palcos em atrelados de tractores acabou. Por isso agora é difícil levar os artistas a beber copos depois da actuação e fazer uns ‘after parties’ daqueles que iam directamente para os anais da história da humanidade rural. Com o século 21 e a facilidade de deslocação o artista tem três espectáculos na mesma noite por isso tem de sair daqui a correr para Penalva do Castelo e ainda vai acabar a noite a Alijó. Esteve aqui uma hora a tocar sem emoção nenhuma, mas não é que seja má pessoa ou se esteja a borrifar para si e para a sua aldeia. É só excesso de trabalho. Se quiser ter alguma interacção com ele, o mais fácil é apanhá-lo amanhã de manhã no Você na TV. Depois há os que montam e desmontam os palcos, músicos, bailarinas, gajos do som, etc., todos os que fazem a máquina funcionar. Muitas mais características haverá a destrinçar mas termino com a do perfil do público. O público é bastante heterogéneo na medida em que consiste em quase toda a gente à face de Portugal e das comunidades portuguesas. Há os que sim senhor, já não compram as cassetes nas estações de serviço mas continuam a levar os seus artistas muito a peito e a ligar para a Romântica FM ou para a Rádio Lusitânia de Lausanne a pedir “aquela” para dedicar à cunhada porque apesar de ser Setembro, Agosto está quase aí à porta. E depois há o lado oposto, os que dizem, não a minha cena é o indie, por exemplo adorei ver aqueles australianos, os “The BigPiss” no Primavera Sound, mas na verdade já estiveram em mais concertos da Banda Lusa e do Nel Monteiro do que das outras todas juntas. Acontece a todos. A lei da natureza é implacável e a lei do pimba é a lei do pimba. Até breve, um abraço ou um beijinho.

 

Manuel João Pires