Museu da língua

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O concurso, para a escolha do projecto para o Museu da Língua Portuguesa, foi um processo atribulado por violações formais do regulamento do concurso. A iniciativa, que eu pensava abandonada pela controvérsia que despoletou, está reafirmada nos seus propósitos como é manifesto pelo anúncio da entrega da execução da obra à Empresa “Evolucion Portugal ACE”. Discordando em absoluto, não com a iniciativa mas com a sua materialização, fui consultar o projecto disponível na “internet” pois tinha curiosidade em saber como se compatibilizaria uma estrutura feita de desenvolvimentos verticais individualizados com a necessidade expositiva. Seria um novo Guggenheim de NY (em desenvolvimento vertical) ou seria uma peça clássica feita do somatório de desenvolvimentos horizontais? Fiquei a saber que é um clássico feito de desenvolvimentos horizontais e que o projectista para o conseguir teve de reduzir a zero todo o espaço compreendido entre os dois planos que contêm os eixos dos cilindros que compõem cada conjunto de 7. Quer dizer: de toda a estrutura agora existente ficam só as meias canas exteriores que assim delimitam o espaço onde o projectista idealizou o museu. Não entendo que se queira aproveitar o que não tem qualquer aproveitamento para o fim a que se quer destinar quando havia outras funções que aproveitariam toda a estrutura na sua plenitude. (Não percebo porque foi abandonada a ideia da residencial estudantil nos silos. Dada a localização e a lacuna existente na oferta da habitação além do total aproveitamento da estrutura, tudo levava a pensar que seria esse o desfecho. Enganei-me.) Mais valia fazer sem ter de partir. Vai ser uma obra cara no desfazer. Mas porquê destruir uma estrutura imponente, (o que fica é irrelevante) porquê este pseudo aproveitamento? Dei voltas à cabeça e só me restaram duas razões plausíveis (por ironia, claro): uma seria por analogia estética. As meias canas dos cilindros fazem lembrar as lombadas de livros numa prateleira; a outra seria uma analogia funcional. Aquilo que durante tanto tempo foi fiel depositário de alimento para o corpo, cumprirá com facilidade a função de fiel depositário de alimento para o espírito. Além disso os 250 milhões de falantes de Português exigem para o Museu da sua língua uma dignidade pouco compatível com a recuperação dos “salvados” de um celeiro. Deveria ser uma obra de raiz, que não impusesse constrangimentos ao projectista, onde este pudesse dar largas à sua criatividade, inovação e, quiçá, a alguma rebeldia conceptual. Que fosse obra única. Se, como dizia Goethe, a “arquitectura é a música petrificada” o Museu da nossa língua deveria ser a petrificação da musicalidade dos nossos fonemas. Tanto quanto sei o museu da língua é um museu virtual. Isto é: as peças do seu acervo são digitais não têm existência física. Claro que sendo assim o seu conteúdo em breve passará para a internet e poderemos ver em casa aquilo que veríamos no museu. A consequência é imediata: a parte mais apelativa do museu estaria na casa que alberga o museu em detrimento do seu conteúdo. Mas isso exige uma obra marcante, emblemática, uma obra icónica que fizesse de Bragança a Taprobana do Português. Infelizmente, vejo isso algo distante.

Manuel Vaz Pires