Não! Este ano não vou

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As festas têm, psicologicamente e sociologicamente, uma importância que habitualmente não lhes damos. Talvez por pudor, uma vez que as festas estão associadas ao lazer, ao ócio, à cigarra quando no discurso politicamente correto os elogios vão todos para a formiga. Mas é nessa quebra de rotina que retemperamos forças para mais umas jornadas de quotidiano. Usamos as festas como bálsamo para as agruras da vida quando, porventura, quem as inventou não foram aqueles que as vivem mas sim aqueles que as promovem com olhar de longo alcance. “Dai-lhe pão e circo” não foi a fórmula que Júlio César defendia para trazer as suas hostes controladas? E a introdução da música nas cadeias de produção, como mostra Chaplin nos “Tempos Modernos”, visava o bem-estar dos trabalhadores ou o aumento da produção? De qualquer forma, seja qual for a génese das festas, gosto imenso delas e sou um seu defensor incondicional. E não se pense que tenho especiais requisitos para romeiro, antes pelo contrário: não sou nem gaiteiro nem bailarino, sou parco nos contactos, sou contido nos afectos, não sou exuberante nos actos, sou individualista e pouco sociável. Com este perfil só me resta, de facto, a contemplação mas não me queixo porque nesse exercício gosto imenso do que vejo: aquela horda de gente literalmente varrida por uma onda de optimismo e confiança; aquela multidão que parece empunhar invisíveis bandeiras brancas de paz, de tréguas com todos e com eles próprios; aquele bando de gente que aceita, de bom grado, o repto de Luis Goes “é preciso acreditar que um sorriso de quem passa é um bem para se guardar”. E o que mais não se poderia dizer! Se é verdade que a beleza das coisas está nos olhos de quem as mira agradeço essa magia às festas que me faz vê-las assim.
É também assim a festa do “Avante”. “O vinho, o riso, a poesia… e uma mão ladina sobre a carne morna”. Tem além disso actividades diversíssimas onde qualquer um encontra a sua zona de refúgio. Pode ver-se um torneio de futsal, de basket ou de xadrez, ir à feira do livro ou do disco, assistir ao lançamento de um livro ou a um debate sobre cinema, enfim um inumerável rol de iniciativas onde não podia faltar a mostra do espectro gastronómico nacional exibido pelos seus mais lídimos representantes: os que têm a mesma naturalidade do petisco. Pode comer-se uns chocos em Setúbal, umas enguias em Aveiro, umas tripas no Porto ou um rancho em Bragança. É, assim, o “Avante” uma espécie de “Portugal dos Pequeninos” da geografia humana.
Não sei se vai haver Avante este ano. Se houver, estou certo que a organização tudo fará para obviar todos os males decorrentes do estado pandémico. Tudo que estiver ao seu alcance. Mas temo que haja pormenores que não estejam ao seu alcance. A assistência dos concertos Rock é incontrolável. Tal como o pessoal que vai e vem nas camionetas, come do farnel, que vai para o parque de campismo e que portanto é muito difícil de controlar.
Mas mesmo que não houvesse estes óbices só o facto de Portugal não ter tido festas, o que deixou muita gente triste e desiludida, deveria, por uma questão solidária, ter pesado na atitude do PCP de forma a levá-lo a prometer uma festa de “arromba”… para o ano que vem.
Não! Este ano não vou.

 

Manuel Vaz Pires