O Corso Orçamental

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Na década de noventa, do século passado, quando convivia de perto com vários autarcas, um deles, candidato a novo mandato explicou-me o fundamento dos milhões de contos de reis que apresentava no seu programa para que não pudesse ser desmentido pelos seus opositores, coisa que temia. “Reuni todos os projetos que estando já aprovados ou, pelo menos candidatados e somei o valor total, global, independentemente dos anos em que se vão realizar. São projetos de futuro. É verdade que os eleitores vão induzir que serão realizados no próximo ano, ou, os mais cautelosos, no próximo mandato. Mas, isso não está explícito no que digo... embora a forma como o anuncio possa, efetivamente, induzir que assim seja entendido”. Não há memória que tenha sido contraditado. Outra via, menos avisada e muito menos inteligente, foi adotada por um autarca, em exercício. Em vez de falar de futuro resolveu glorificar o passado e apresentou na página do município o que ele chama de “investimento” o que, sendo verdadeiro, seria mais convincente e de maior impacto. O problema é que os milhões publicitados não aderem facilmente à enorme carência de realização nessa área... o que, obviamente, convida a visitar os dados oficiais contabilísticos certificados. A primeira nota que surge de imediato é a ausência de Contabilidade Analítica, apesar de ser obrigatória desde há muitos anos. Esta situação ilegal ou resulta da incompetência do autarca (que há vários anos que promete implementá-la no ano seguinte) ou, pior que isso, tem medo do que ela possa revelar e evita-a para poder mascarar a sua auto-elogiada gestão municipal. De qualquer forma, analisando a mais recente prestação de contas publicada verifica-se que o que é chamado de investimento resulta do somatório das verbas das despesas de capital que não são, nem de perto, nem de longe, a mesma coisa, como facilmente se pode verificar. Logo no resumo aparece uma verba significativa, quase vinte por cento, dizem respeito a amortização de empréstimos. Ora esta não representa, seguramente, qualquer investimento! Se a essa verba forem somados os montantes que se transferem para outras entidades, em rubricas de capital, mas que se destinam a despesas correntes, como a recolha e tratamento de resíduos, entre outros e, igualmente, o incompreensível, pelo astronómico valor total atingido, item de “outros”, exagerado em qualquer divisão da contabilidade geral, inaceitável na classificação de capital, o valor real do investimento efetivo desce para menos de metade do anunciado e, pasme-se, fica mais consentâneo com a perceção que se tem da atividade municipal. Dir-se-á que estas artimanhas são habituais e não são novas. É verdade que a habilidade de mascarar os números e alterar a realidade ajudou muitos autarcas a ganhar eleições, mas também houve quem as tivesse ganho sem romper com a verdade e a transparência. Mesmo que assim não fosse seria sempre boa altura para arrepiar caminho e nada como denunciar as dissimulações, começando, obviamente, pelas mais toscas e pouco inteligentes.

José Mário Leite