“O nosso fim é a vossa fome.”

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“O nosso fim é a vossa fome” foi o slogan mais ba- dalado nas recentes mani- festações de agricultores, quer nos locais de protesto, quer nas redes sociais. Slogan que também li na versão “o nosso fim será a vossa fome” que me pareceu mais ajustada porquanto elimina, à partida, eventuais equívocos de significância entre fim, finalidade, propósito, com os inconvenientes que daí adviriam, ainda que seja por demais óbvio que propósito dos agricultores não será, em nenhuma circunstância, matar os consu- midores à fome. Em qualquer caso assim é, ou seria: se os agricultores hipoteticamente deixarem de produzir o mais certo será os consumidores não terem que comer. Ainda que se os agricultores continuarem a produzir com abundância, mas os produtos agrícolas essenciais forem vendidos a preços proibitivos tudo vai dar ao mesmo: miséria para os produtores originais e fome para os consumidores finais. Justíssimo será, portanto, que os agricultores possam trabalhar e viver com dignidade, sentindo o seu esforço justamente reconhecido e recompensado, e não serem tratados como verdadeiros párias da sociedade, como tem acontecido em muito casos, enquanto as empresas que processam e comercializam os produtos agrícolas lhes levam couro e cabelo. Lamentavelmente, porém, por muito que isto custe, este é mais um dos muitos domínios em que o governo de António Costa, que surrealisticamente se reclama de socialista, se estatelou e fracassou. Ainda que, de momento, outras matérias haja eventualmente mais perigosas e preocupantes, como será o caso da revolta das forças de segurança, porquanto elas são um esteio importante da paz social, da segurança pública e da própria democracia, que estão seriamente ameaçadas. Fracasso que no caso agrícola vertente é reconhecido, publicamente, por personalidades diversas, com destaque para Eurico Brilhante Dias, o influente ex-líder parlamentar do PS e cabeça de lista pelo distrito de Leiria às eleições do próximo mês, que criticou directamente a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, a quem acusou de ter cometido um “erro técnico” ao sancionar os cortes no setor, que levaram aos protestos registados por todo o país. É a velha astúcia de inventar bodes expiatórios para salvar a face da divindade. Fracasso que é igualmente assumido, formalmente, pelo novo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, ainda que de forma indirecta, quando, ao prometer eliminar todas as portagens nas antigas autoestradas sem custos para o utilizador, no interior do país e no Algarve diz, literalmente: “Nós fizemos uma maldade a grande parte do território. Não tínhamos esse direito. Temos que repor a justiça e o respeito por quem vive e trabalha no interior do país”. Ora, é sabido que os agricultores vivem e trabalham maioritariamente no interior, com todos os custos que isso acarreta. Certo é que os agricultores portugueses, à semelhança dos seus congéneres do centro da Europa, têm plena ra- zão quando protestam con- tra políticas que, como os próprios argumentam, não os protege da concorrência externa desleal, não lhes as- segura custos de produção agrícola compatíveis com receitas de venda justas e motivantes e esmaga toda a sua actividade com burocra- cias excessivas. Acresce que os agricultores algarvios em especial, para lá de tudo que atrás foi citado, vivem, presentemente, o drama da escassez de recursos hídricos que, entre outros prejuízos, ameaça os laranjais de seca. Drama que não se deverá apenas a medidas políticas pontuais, mas a erros e omissões estratégicas do governo central, para lá incapacidade sistémica e do desleixo tradicional do poder local. Igual drama poderá vir a afectar a agricultura transmontana com igual gravidade, quando menos se espera, com os olivais e outras culturas a serem mortificadas pela deficiente gestão dos recursos hídricos, pelo que urge tomar, desde já, as medidas adequadas que tardam, sendo que autarcas e deputados têm aqui um papel importantíssimo. Havemos de concluir, portanto, que o slogan “O nosso fim será a vossa fome” tem pleno sentido e razão de ser quando utilizado pelos agricultores. “O nosso fim é a vossa fome” melhor serve como legenda do governo que durante todo o seu dilatado exercício foi alegremente condenando os agricultores e milhares de outros cidadãos, à fome, à sede, à emi- gração e à doença. Esperemos que o fim deste nefasto exercício governativo abra portas à salvação da democracia e ao tão ansiado progresso nacional.

Henrique Pedro