Outras realidades

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Vivemos constantemente ao som da música que nos querem dar, seja nas televisões ou em outras plataformas de informação. Chegamos a ser bombardeados diariamente com o desenrolar de uma só notícia, que sendo primordial, abafa inquestionavelmente todas as que deveriam ser veiculadas de igual forma e não são. É facto assumido. Desabafamos frequentemente que as notícias são sempre as mesmas ou que só dão notícias tristes e muito negativas e que as coisas boas ninguém as chama a terreiro. Também é verdade, mas porque será? O que interessa é informar e de preferência o que mais pode chamar a atenção das pessoas. O tema quanto mais horrível, mais sugestionável e mais impressiona os ouvintes ou leitores. Curioso é uma notícia boa não interessar tanto à opinião pública. Mas mesmo dentro das notícias más, há as que são menos más e por isso passam para um segundo plano ou porque não interessa que se saiba ou porque iam desviar a atenção das que são efetivamente chamativas e vendem. No fundo o que interessa é vender. Triste, é que se tenha de vender o que é mau. E há quem compre, aliás compramos todos. Há quase nove meses que não se fala senão na guerra da Ucrânia e nas patifarias que Putin tem feito a que ele chama danos colaterais da guerra. Hipócrita. Não que os ucranianos também não façam das suas, mas têm de se defender. Enquanto a guerra durar, as outras notícias passam para segundo plano, a não ser que entretanto surjam outras dignas de primeira página. Pois foi isso que aconteceu com o Mundial de Futebol. Todo o mundo foi chamado a participar e o coração das seleções bateu mais forte. Deixou de haver guerra? Não. Mas passou para um plano inferior embora continuem a ser divulgadas as peripécias diárias que por lá se vivem. Portugal viveu numa ansiedade terrível até ao dia da estreia. Elogiou-se a seleção e o plantel e aventou-se a hipótese de sonhar, não se sabe bem o quê, se em passar à próxima fase, se chegar aos quartos ou até à final. O que interessa é sonhar. E enquanto sonhamos, o mundo avança em toda a sua plenitude. E as outras seleções igualmente. Durante a espera verificaram-se algumas surpresas neste campeonato. Seleções aparentemente fracas, ganharam às mais fortes e todos abriram a boca de espanto. A Laranja Mecânica empatou com a do Equador, a Argentina perdeu com a Arábia Saudita e até a seleção do Irão de Carlos Queirós ganhou à do País de Gales. Portugal, confiante e com todo o apoio possível, entrou em campo com a confiança de que o Gana era fácil e que ganhar era verdadeiramente o que interessava. Se olharmos para os últimos campeonatos, nunca entrámos a ganhar e andamos sempre a contar com os erros dos outros, ou seja, andámos sempre com as calças na mão. Desta vez a confiança era maior, mas nem por isso jogaram melhor. Tiveram sorte e não se diga o contrário. O penálti de Ronaldo foi forçado, mas ajudou a subir um pouco a confiança que estava a ficar em baixo. Enfim, o segundo golo veio melhorar tudo e o terceiro era quase a certeza de que tudo estava resolvido. Mentira. O descuido de Diogo Costa ia custando caro à seleção. Terminámos aflitos. De um momento ao outro tudo ia mudando, e a realidade do jogo ia sendo completamente diferente e lá íamos nós para o rol dos aflitos novamente. De tudo o que se falou e disse sobre a nossa seleção e o plantel extraordinário que temos, ia engasgando as gargantas nacionais e causando ataques cardíacos a muita gente. Até ao fim, ainda temos um longo caminho a percorrer. Acreditemos na seleção, mas deixemos de elogiar muito os craques pois eles falham como todos os outros. Ronaldo não falhou. Mas atentemos na hipótese de isso ter acontecido. Todo o mundo o trucidava e o treinador do Manchester bateria palmas de contente e diria que tinha toda a razão. Claro. Enganou-se, felizmente. Pois e cá estamos nós a tentar esquecer as outras notícias que poderiam ser mais importantes. Nada disso. A discussão e votação do Orçamento de Estado passou para segundo plano, até porque a maioria sempre o aprovaria, e as propostas dos outros partidos só algumas foram aprovadas porque nada traziam de alteração às previsões do Governo. Era mais um jeito do que outra coisa. Coisas vulgares, diriam uns, moedas de troca diriam outros. Enfim. À opinião pública pouco interessava porque já se sabia o resultado. Era uma notícia menor. E a guerra da Ucrânia? Bom, essa não acabou nem Putin deixou de bombardear e matar as pessoas onde as bombas caíam. Se a Rússia estivesse no campeonato do Mundo, talvez a história se escrevesse de outra for- ma, mas não está, tal como a Ucrânia. É pena, porque se assim fosse, haveria certamente outro tipo de notícias e de realidades.

Luís Ferreira