Poder Local - a lei da selva

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O papel do Poder Local na democracia portuguesa, sobretudo no que às freguesias diz respeito, é simbólico, para não dizer de papel de embrulho, ainda que a Constituição da República lhe confira importância fundamental na governação do país, articuladamente com o Poder Central, (que compreende, como é sabido, o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais) e o Poder Regional, que apenas se encontra estabelecido nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, já que o Portugal continental, lamentavelmente, continua não regionalizado.
Melhor dizendo: Portugal é na verdade governado como se estivesse divido em três regiões, considerando que o Continente, depois das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, é tratado erradamente como uma terceira região, una, homogénea e autónoma relativamente à União Europeia.
Isto explica a diminuta importância que as Câmaras Municipais provincianas e as Freguesias rurais merecem dos órgãos do Poder Central em geral e do Governo em particular o que, como é óbvio, mais afunda as escandalosas assimetrias regionais que estigmatizam o país, sendo que a maior de todas se consubstancia na macrocefalia de Lisboa.
Basta olhar para as competências das freguesias, seja qual for a sua população, como sejam o Equipamento rural e urbano, o Abastecimento público, a Educação, a Cultura, tempos livres e desporto, os Cuidados primários de saúde, a Ação social, a Proteção civil, o Ambiente e salubridade e o Desenvolvimento e o Ordenamento urbano e rural para concluirmos que o Poder Local vegeta num mundo de fantasia e penúria.
O panorama não é mais prestigiante para os Municípios provincianos que estão praticamente confinadas ao trato de parques, jardins, feiras e romarias, com total omissão das suas atribuições fundamentais como sejam o Ordenamento do território, a Energia, os Transportes e as comunicações, a Saúde, a Proteção civil, a Polícia municipal, a Promoção do desenvolvimento e a Cooperação externa, áreas em que o Governo central põe e dispõe a seu bel-prazer, sendo em Lisboa, capital do império fracassado, que tudo se decide ou se adia.
Neste quadro ganha especial gravidade o despovoamento de vastas regiões do interior, a principal causa, ainda que não a única, da manifesta inutilidade das Freguesias que são, por regra, canibalizadas pelas Câmaras Municipais, que por sua vez são canibalizadas pelos partidos instalados em Lisboa, que procuram conquistar autarquias como se de troféus de caça se trate, lançando mão de todas as armas e argumentos, tendo em vista a tomada do poder central e alimentar as clientelas com benesses e mordomias. É a lei da selva no Poder Local!
Só haverá vantagens, portanto, em estabelecer constitucionalmente que apenas movimentos de cidadãos independentes e partidos locais podem concorrer em eleições autárquicas para governar democraticamente as autarquias.
Na versão actual o Poder Local não passa de um enfeite democrático de duvidoso efeito, já que o próprio acto eleitoral autárquico, que se requer autêntico e dirigido aos assuntos locais, é sistematicamente adulterado e anulado em proveito dos interesses partidários centrais.
Os nossos doutos governantes não se demovem com verdades e crises sistémicas, porém. Tratam as autarquias provincianas como inúteis, subservientes ou mesmo escusadas e como se as populações remanescentes estivessem a mais, melhor servindo os seus propósitos nas metrópoles litorais.
Há mesmo muitos que gostariam de responder às necessidades locais com meia dúzia de serviços, públicos e privados, contratados em Lisboa, ainda que, politicamente correctos, afirmem o contrário.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Henrique Pedro