“Quem és tu, ó Mascarado?“

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Todos passamos tempos estranhos com isto das máscaras. Da novidade, veio a adaptação inevitável. Do desespero por encontrar qualquer uma, nem que fosse para trabalhos de serralharia e, de preferência, mantendo os dois rins, passando pelas de pano “que sempre seriam melhor do que nada”, aos especialistas em TNT (que antes era só AC/DC), às cirúrgicas e Ffp2 (isso soa nome de avião), até aos tutoriais para um simpático home made com resguardos de ensinar os cães a não fazer xixi pelos cantos da casa e meia dúzia de agrafos, qual MacGyver pandémico. Depois de tudo mais ou menos normalizado, começamos a ter as nossas preferências. As que encaixam melhor no nariz para não embaciar os óculos, as que não nos fazem sentir elfos, as que se mantêm efectivamente no sítio e, por fim, as que ficam melhor com a roupa que temos vestida. E passaram a fazer mesmo parte da indumentária, a ponto de nos sentirmos esquisitos sem ela. Como o slogan do Pessoa para a Coca-Cola. “Primeiro estranha-se... “. No início, pensava que o uso de máscaras nos dava um certo anonimato. “Ai, isto agora com as máscaras”, que, além de nos ensurdecer, nos poderia tornar também menos reconhecíveis. Isto a juntar a uns óculos escuros e a uma gabardina, poderíamos ser verdadeiros 007, agentes secretos prontos a não fazer nunca mais conversa de ocasião. Sonho pessoal. “Vi-te no outro dia”. “A sério? Isto agora com as máscaras... “. Remate perfeito. Acontece que agora já todos nos reconhecemos com máscara. E o mais certo é mesmo ter conhecido pessoas no entretanto (parece um paradoxo) que nunca vimos sem a dita. Por isso o mais difícil era mesmo reconhecer sem a máscara. Fizeram um estudo, se calhar também se cruzaram com ele, em que se chegou à conclusão que ficamos mais atraentes com máscara. Isto porque o cérebro preenche o que não se vê com características que agradam. No caso mais extremo, uma mulher foi considerada 70% mais bonita pelos participantes com máscara do que sem. Dá que pensar. Àquele flirt gostoso com alguém de máscara, quantas vezes se seguiu a conversa “agora vamos ver no - inserir nome da rede social - para ver o resto da cara”. Só para ter a certeza. Se pensarmos em exemplos semelhantes famosos, como o Clark Kent, o Zoro ou a Hannah Montana, chegaremos à conclusão que os pequenos pormenores talvez façam mesmo a diferença. E ficaremos confusos com assaltantes que usam meias de vidro cabeça abaixo ou passa-montanhas. Sem necessidade alguma, afinal. Ou isso ou a população tem só, no geral, um défice grave de atenção. O meu exemplo preferido é o Mascarado, do desenho animado Navegantes da Lua. Uns fantásticos óculos brancos design olho de gato, que não são para qualquer um. Além do toque fashion, ocultavam a identidade na perfeição. Não impediu que a Bunny se apaixonasse perdidamente pelo suposto estranho. Só que na verdade conhecia-o e nem se davam assim tão bem. Enfim, quem nunca? Lá mais para a frente, os óculos deixam de ter lentes que parecem espelhadas, passam a ser meias transparentes ou até inexistentes. Há alturas em que se fica na dúvida se é só uma máscara kinky, e afinal nem são óculos nenhuns. O que não muda nada em efeitos práticos. Bom, e sem outros pormenores a que se agarrar, há que fazer a conversa de ocasião possível: “Qual é o teu hobby, Mascarado? Diz-me. Tu gostas de...feijoada, por exemplo?” Em boa verdade, as Navegantes da Lua não usam máscara, só aquelas farpelas reduzidas e lycradas, com saias plissadas. E nem por isso são identificadas. Então se calhar vou aceitar que as máscaras não são o Manto da Invisibilidade, que pode antes ser obtido com um cocktail de adereços. Sejam quais forem os argumentos, neste novo mundo, que fica dentro do nosso planeta, na impossibilidade de castigar em nome da Lua e salvarmos o universo, presente e futuro, continuamos a ser, pelo menos, heróis à escala local se continuarmos a cumprir as regras. É só mais um bocadinho. Citando o Luna, “coitadinhos”. Mas lá terá que ser.

Tânia Rei