Regresso ao Paraíso

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O meu querido amigo Francisco Gomes telefonou-me na semana passada. Queria saber novas da minha pessoa. O Francisco (somos Homónimos) nasceu no Castro nas redondezas de Vinhais, em 1967 apresentou-se a fim de cumprir o serviço militar obrigatório, entre receber fardas e botas iniciámos bela amizade, já lá vão 53 anos, fomo-nos vendo esparsamente, mais amiúde enquanto desempenhou com devoção e elegância o cargo de gerente do BPI em Vinhais, sempre que visitava a aldeia dos prodígios – Lagarelhos – ia trocar abraços, rirmos acerca das pérfidas bilhardices do alferes Prata e/ou trocar um cheque por dinheiro certo sem necessidade de cobertor ou cobertura. O Francisco a quem chamo Xico ou Chico, depois de lhe ter relatado em cursivas palavras sem zagalotes do chorrilho vocabular vinhaense, a violência insolente do viver enclausurado, receoso e confinado ao abrigo caseiro ele disse-me andar feliz e contente a calcorrear os caminhos e a observar os campos da aldeia e suas cercanias onde herdei uma touça após a morte da minha avó. Não sendo invejoso de nada, nem de ninguém, no corrimento da nossa conversa invejei-o por que muitas vezes não se lembrar de colocar a máscara, de respirar os ares puros vindo da serra da Coroa e montes anexos como se estivesse no jardim das delícias sulfurosas da poesia do Regresso ao Paraíso do poeta Teixeira de Pascoaes ou a colocar as asas de Como ser Anjo do escritor Vassilies Vassilikus, a fim de esvoaçar qual Ícaro sem correr o risco de afogamento nas límpidas águas dos rios que persistem em serem fontes de aprazimento naquelas paragens. Se, me é permitido escrevo: porra e três quinze, Xico és o itinerante das cortinhas e lameiros, como eu fui dos livros mágicos de assombrações talvez ainda passíveis de ver, sentir, cheirar nas Pendelinhas de Lagarelhos, Castro, Soutelo e Sobreiró. Um exercício só para quem consegue escalonar o Mafarrico a imitar as mouras encantadas ensonadas nas fontes e poças, pôr o Trasgo trapaceiro no bornal do João Soldado que nele malhou como quem malha centeio verde, responder com um corte de mangas ao Demo de Aquilino Ribeiro, de acorrentar o Porco-Sujo acorrentado ante S. Bartolomeu, enxotar o Demónio invocando a oração o Diabo sem cabeça apareça, apareça e exorciza para as profundas infernais o desobediente e pior de todos, Lucífer, o das trevas. O estimado Francisco acendeu a centelha da recôndita vontade de lavar os olhos não no reino maravilhoso de Torga, sim no rincão grávido de hierofanias e alegorias onde fui feliz debaixo de relâmpagos e trovões, de zurvadas verdejantes, de meios-dias de esconjuro sob tórrido sol a levar Carracó a resguardar a caixa das sardinhas na sombra dos cabanais. O Carracó é ao lado outras figuras picarescas da iconografia da antiga Póvoa Rica. As referidas figuras émulas do Malhadinhas justificavam (justificam) livro galhardo e eclatante. Se um dia surgir fico feliz, até lá vou porfiar no sentido de tal como o gavião perscrutar o paraíso que o Francisco desfruta amenamente, tal qual, o articulista Barrondas da Serra fruiu nas faldas da Coroa ou não fosse ele digno coroado. Nem que seja só por um dia irei ao Paraíso após subir a Escada de Jacob!

Armando Fernandes