Um filho, uma árvore

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Eu sei, falta o livro – mas livros nascem todos os dias. Árvores, com que se respira melhor, são queimadas; os filhos, adiados. Se a Índia já iguala a China em população, e vai ultrapassá-la, a Europa perde crianças. Com fraca demografia, virão tragédias, até ao dia em que ninguém receberá uma pensão de velhice. Quanto aos incêndios – já não sintoma, mas provas dos maus tratos climáticos –, urgia uma Semana da Árvore, em que cada um de nós lançasse raízes para a eternidade. De outro modo, é a nossa vida que definha. Estão à espera, imagino, de Eça de Queirós, que, no capítulo IX de A Cidade e as Serras (1901), encena um diálogo entre Jacinto e José Fernandes. Diz aquele: «– É curioso… Nunca plantei uma árvore!» Este: «– Pois é um dos três grandes actos, sem os quais, segundo diz não sei que Filósofo, nunca se foi um verdadeiro homem… Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro. Tens de te apressar, para ser um homem.» Para ser um homem exige-se bem mais. Mas enfim… Julgam alguns que é uma fórmula popular, incrustada nos séculos, como se ao povo interessasse a entidade ‘livro’. Não: popularizou- -se. O livro importa muito ao século XIX, com a explosão da bibliofilia e da Imprensa periódica, quando jornais, revistas, almanaques, etc., começam também a seduzir, a democratizar-se, a entrar em casas mesmo de analfabetos. O acrescento de ‘livro’, quase sempre em terceiro lugar, é, pois, uma construção intelectual, até diletante, como diletantes são as personagens queirosianas: convocam, a torto e a direito, nomes ilustres de várias latitudes, sem os aprofundar, ou ficam-se no vago de um ‘filósofo’… Acontece que Eça se estreou como cônsul em Havana, entre Dezembro de 1872 e Março de 1874, aí onde deve ter lido o multifacetado cubano José Martí (1853-1895), para quem, na vida de cada um, há três coisas a fazer: «tener un hijo, plantar un árbol y escribir un libro», ou «plantar un árbol, tener un hijo y escribir un libro”. Segundo os transcritores, filho, árvore e livro permutam na frase, mas qual a fonte, para entendermos a sintaxe originária? E porque não um precedente em Maomé ou no Talmud? Busquei crónicas e ficções de Eça, sem lobrigar o nome de Martí, nem sequer na correspondência, com bons índices onomásticos. Nem colabora Mário Duarte, no seu Eça de Queiroz, Cônsul ao Serviço da Pátria e da Humanidade (1973), depois de lá ter sido cônsul, na década de 40. Isso não impede algum estudo com os dois nomes no título, qual a dissertação de Miguel Montes de Oca na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Univ. Nova de Lisboa: Eça de Queiroz y José Martí: lo que cuentan las cartas (2013). Trouxe Eça de Havana aquela trilogia para o seu diálogo? Este caso assemelha-se à declaração atribuída a Flaubert, que ninguém encontra nas suas obras: «Madame Bovary, c’est moi.» Outros, entretanto, defendem não três, mas quatro coisas a fazer obrigatoriamente na vida. Hemingway acrescentou «fight a bull» – mas também não se diz onde. Lição: um filho, se possível; árvores, forçosamente; livros, se necessário. O touro invista para lá.

Ernesto Rodrigues