Um rio é um ser vivo, da nascente até à foz… e como tal deve ser tratado! Parte 2

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(Continuação da edição anterior) [Recapitulando: Por tudo isto, concentremo-nos nos troços que ainda não foram completamente “privatizados” …] No vale do Sabor, que inclui os vales do Maçãs e do Angueira, na parte a montante da influência do regolfo da barragem e daquela monstruosa massa de água, nos termos de Mogadouro, Macedo de Cavaleiros e Bragança, persistem alguns si- nais e vestígios do ”último rio selvagem da europa”, ainda se observando a típica vege- tação da ancestral galeria ripícola e, entre muitos outros interessantes exemplares da flora destes sítios, o alecrim bravio e o emblemático buxo, cuja madeira, com caraterísticas muito especiais, sempre serviu para os cabos das navalhas “palaçoulas” e para as graciosas esculturas artesanais típicas das terras do Planalto… Inúmeras espécies da útil avifauna insetívora e outras, anfíbios, répteis, pequenos e grandes mamíferos encontram aqui, por enquanto, o seu habitat, usando as águas do rio que, nestes lugares, não são obstáculo e permitem a comunicabilidade aos organismos animais e vegetais fluindo na paisagem, considerada não no sentido estético mas tida como fração do território constituída por diversos ecossistemas que interagem e se repetem de forma sistemática, contribuindo para a diversidade biológica que sustenta a vida humana! Na sub-bacia do Tua, porém, lamentavelmente, as concessões/represas instaladas no Tuela (Barragens e Centrais Hidroelétricas de Torga e de Nunes, Vinhais) e no Rabaçal (Barragem e Central Hidroelétrica de Bouçoães-Sonim, Valpaços), configuram uma forma de gestão privada dos caudais destes cursos de água, ou seja, há retenção dos fluxos conforme as necessidades para garantir produção de energia elétrica, deixando, por vezes, algumas populações sobretudo rurais, com sérios problemas de abastecimento de água para consumo humano. Também, com estas estruturas, foi quebrada a conectividade, o continuum fluvial, impedindo, ou limitando, a migração e as dinâmicas reprodutivas de algumas espécies da fauna piscícola. E, por outro lado, estes habitats estão sempre gravemente ameaçados pelo excesso de nutrientes derivados das atividades agrícolas e pecuárias, que são arrastados juntamente com descargas de efluentes domésticos, estes em épocas de menores caudais e quando o número de habitantes nas aldeias aumenta significativamente durante o verão… De igual modo são extremamente prejudiciais ao bom estado dos cursos de água as más práticas agrícolas de mobilizações de solos, excessivas, incessantes e, quase sempre, desnecessárias. Por isso, sempre que há precipitação um pouco mais agressiva e persistente, causa as enxurradas que levam quantidades imensas de húmus e solos férteis, assoreando inevitavelmente os leitos dos rios e ribeiros e deixam os solos agrícolas esqueléticos, arrastam destruição de muros e plantações, invadem a via pública entupindo os sistemas de drenagem das águas pluviais e é então que surgem os serviços de proteção civil e bombeiros, com recursos humanos e materiais do erário público, a valerem à desobstrução de vias e afins… [Não parece justo que se usem dinheiros públicos para resolver proble- mas causados por práticas erradas e pela incúria de al- guns, mas este é um assunto a tratar noutro momento …] Pois bem, traçado o pa- norama geral do estado das “coisas”, no que à interven- ção humana diz respeito, ao longo dos últimos tempos, sobre estes “seres vivos” e elementos fundamentais do nosso Património Natural, por vezes na mais completa ignorância quanto às téc- nicas de gestão racional e sustentada de águas interiores, outras com permissão, aprovação e até apoio dos poderes políticos locais e das organizações e serviços públicos que tutelam estas matérias, continuaremos, oportunamente, falando da situação particular da albu- feira, ou “espelho d’água” que foi criado aos pés duma bonita cidade do Nordeste Transmontano.

Agostinho Beça