Uma vida desinspirada

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A falta de inspiração é algo que me tem acontecido. Devo confessar que tenho dado por mim, não raras vezes, a ponderar seriamente em abandonar a escrita. Por consequência, teria que abandonar o trabalho, as redes sociais, a vida social e, enfim, num resumo, tornar-me eremita. Mais ou menos por esta ordem. Enquanto escrevo estas que podem ser as minhas últimas linhas de sempre (não há muita rede nas cavernas), ouço Jeff Buckley. Pode não ser uma banda sonora alegre. Mas é boa. O que me parecem atributos a ter em conta por quem está neste barco - triste, porém, nunca descuidando a qualidade. A falta de inspiração tem reflexos claros no resto da existência - tudo sabe a pouco, parece que falta sempre alguma coisa; o tempo passa com um vagar irritante. É mais difícil estar vivo, de forma produtiva, quando não vislumbramos um rasgo de novidade no horizonte. Ainda não estou mesmo decidida. Esta poderá não ser a minha despedida. Tirem essa cara de lamentação, vá! Sempre imaginei a minha retirada para os Himalaias mais teatral, sabem? Não assim, uma coisa meio apagada e sem glamour. Acho que tudo o que queria dizer, em boa verdade, é que é OK termos dias sem arco-íris e purpurinas. Sem fogo-de-artifício. Um dia em que, anormalmente, não tivemos que salvar o mundo, e pudemos ficar no sofá, a preguiçar. Os dias só mais ou menos farão, com certeza, dar valor aos óptimos. Mas... Creio que é suposto valorizar os chamados dias normais. Se calhar, analisando de forma mais profunda, é mais ajuizado valorizar todos os dias - maus, normais ou óptimos. Porque é sinal que tivemos direito a mais um dia. E quem tem mais dias, estatisticamente, vive mais. Pode não parecer grande coisa, quando não vemos um grande propósito. Mas, a acumulação de dias dá-nos a dádiva do futuro. E pode vir a ser maravilhoso. Espio pelo canto do olho a mala já começada para rumar às montanhas. Será que as grutas modernas têm aquecimento central? É melhor levar uma mantinha. Já não me parece tão boa ideia como no início destas linhas...Lá é longe. Tem neve. É grande. Tudo alto. Nem conheço lá ninguém! Haverá bonitas cavidades rochosas disponíveis para alugar antes em Montesinho? E se optar por uma ilha tropical? Poderei conviver melhor com os mosquitos do que com certas pessoas? Bem...É melhor uma pesquisa mais aprofundada antes de decisões tão radicais. A vida é, afinal de contas, uma questão de perspetiva. Pode ser que amanhã me sinta mais inspirada. Aliás, já me sinto mais inspirada, na verdade. É que, assim, sem dar por conta, estamos no fim desta crónica. Até uma próxima, caros leitores. Vou ali tirar a manta da mala de viagem.

Tânia Rei