As vacas e o Reitor

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O reitor da Universidade de Coimbra do alto do seu pedestal decretou: a carne de vaca é banida das cantinas da vetusta Universidade. Magister dixit. Só que, ao longo dos séculos a Universidade coimbrã foi governada por muitos Mestres, uns insensatos, outros prudentes, uns sábios, outros apatetados, uns avessos ao folclore populista, outros contaminados pela ânsia de serem falados, mesmo duramente criticados (o que vou fazer) porque seguem o lema: precisamos que falem de nós.

O reitor Sr. Falcão até agora só conhecido na cidade dos seus pares está feliz e contente, colocou as vacas no índex a pretexto de falsos pressupostos, o influente jornal espanhol El País, na sua edição de 9 de Setembro titulava: – Las vacas no tienen la culpa del câmbio climático –, explicando de seguida quais são os culpados e modos de combater a erosão do planeta. Só o ataque ao desperdício alimentar reduz em nove por cento as emissões de gases nocivos para a atmosfera, acrescentemos a indústria, os transportes rodoviários, os aéreos e marítimos, chegamos à conclusão de que as vaquinhas são muito menos culpadas do que os inimigos da carne lhe atribuem. O proto-fascismo alimentar está a surfar a onda do fundamentalismo ambiental e não se augura nada de bom para todos quantos sabem o significado de – tudo o que é demais é moléstia, porque no – meio está a virtude – apesar de todos os falcões deste Mundo.

A atitude proibicionista do prelado (podem usar este título) da Lusa-Atenas é má em geral e perigosa em particular no reino transmontano. Porquê? Porque economicamente as vacas de raça mirandesa, barrosã e martelenga perdem ingente valor, centenas de produtores sofrem pesado prejuízo, o seu gesto pode ser aproveitado por outros adeptos dos coletes amarelos em condições de o imitarem lembrando o tão bem retratado num escrito de Bertold Brecht: primeiro beltrano, a seguir cicrano, ontem fulano, hoje sou eu o sacrificado… – e por aí fora.

Se existisse vontade e firmeza os produtores de leite, queijo, manteiga, natas, iogurtes, gelados, confeitos, pastéis, fármacos, derivados do leite recusarem-se a fornecer a Universidade de Coimbra, era uma forma dos fanáticos mal informados perceberem o alcance dos sinistros interditos existentes no universo da alimentação. Chegam e sobram os de natureza religiosa, estamos no século XXI, o da ciência pacífica ao serviço das populações, especialmente das famintas e não dos investigadores presos a agendas cujos pontos nos são completamente alheios.

Não é altura de lembrar o tremendo significado afectivo do gado vacum nas comunidades nordestinas, é momento de reflectirmos acerca do novo paradigma nutricionista em evolução, de pensarmos no modelo de preservação da nossa herança cultural estabelecendo a fronteira entre a voluptuosa virtude de «chicho» no dia da matança, e a nefasta matança de animais potenciando o excesso gorduroso fautor de todo o género de doenças. A propósito: no fim de cada dia de aulas não sobra comida no Politécnico e outras Escolas?

O ridículo édito de cátedra conimbricence (eu sei que a grafia está errada aos olhos dos zarolhos) presta-se a inúmeras jocosidades na esteira do Anatómico Jocoso, o respeito pela Instituição onde obtive o diploma de Bibliotecário-Arquivista impede-me de o enunciar. Limito-me a lembrar, a vaquinha que conjuntamente com o burro usaram o bafo para aquecerem Jesus, o Menino-Deus deitado nas palhinhas numa gruta em Belém. Séculos mais tarde os dominicanos exclamavam: esta é que é a companhia de Jesus!

Armando Fernandes