Estranha arte, a Política!

PUB.

Qua, 03/05/2006 - 15:40


Parece ser voz corrente a ideia de que, no peculiar mundo da política, a palavra, a promessa, verbalizada ou escrita, dada pela maioria de quem, nos diferentes níveis do poder, a corporiza, vale zero.

Contudo, ainda que este facto seja mais ou menos evidente, nunca consegui perceber a máxima “o que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira”, atribuída apenas aos dirigentes desportivos, ligados ao futebol, quando o comportamento resultante desta inconstância de carácter encaixa melhor na arte que tem por objectivo administrar a Polis, ou seja, nos políticos.
Se bem que à politica lhe sejam reservados, entre outros, os epítetos de “Nobre Arte” e “Artes dos Consensos”, tenho, no entanto, como milhares de portugueses, a noção de que só em teoria tais referências atributivas podem fazer sentido, se por política entendermos o conjunto de princípios por que se têm orientado as acções governativas dos partidos no poder, após o 25 de Abril de 1974.
Num olhar atento e descomprometido, eu, como um dos muitos elementos da “sociedade civil”, tendo por modelo este nosso país com trinta e dois anos de democracia, defino por política a arte do jogo baixo, a arte através da qual muitos medíocres são catapultados para lugares de reconhecida relevância social e, sobretudo, a arte da incoerência e da hipocrisia.
Querendo, pois, prestar um bom serviço à verdade, não temos qualquer dificuldade em enumerar um bom punhado de episódios que, pela inércia e incoerência de certos políticas, têm contribuído para que esta depauperada região se destaque, pela negativa, do todo nacional.
Quem não se lembra, por exemplo, de, em 1993, Bragança ter sido “tomada de assalto”, com o propósito de se acabar com o troço ferroviário que ligava Bragança a Mirandela?! Na ocasião, o partido que estava no Governo foi veemente criticado pela medida tomada, fundamentalmente pelo seu principal opositor. Quando, decorridos quase três anos, o partido que estava na oposição passou a ter responsabilidades governativas, nós, Bragançanos, na nossa ingénua boçalidade, acreditámos que a referida linha iria ser reactivada. Pura ilusão!
Em relação à “universidade de Bragança”, pretensão, se não estou em erro, que tem mais de dez anos, e que se mantém ainda firme, verifica-se a mesma coisa. Com as sucessivas alternâncias governativas, este “projecto” tem servido como uma das principais bandeiras dos partidos da oposição – refiro-me, como é evidente, aos “alternadeiros”. Mas, retomada a cadeira do poder, os nossos ilustres conterrâneos, que, até aqui, faziam da “Universidade” a sua luta pessoal, deixaram, como que por artes mágicas, de acreditar na causa que os movia.
Ainda no âmbito mais geral, podemos recordar os casos paradigmáticos das Propinas e das Taxas Moderadoras. Umas e outras medidas são, independentemente de discordar ou não delas, a cabal demonstração de que o seu carácter irreversível e definitivo só ganhou força devido à hipócrita conivência de muitos políticos.
Sem querer pôr em causa a seriedade de quem quer que seja, a única explicação para estas atitudes pouco enobrecidas é a de que a maioria dos políticos age não por motu próprio, mas porque, apostando numa carreira aliciante e apetecível, é obrigada a submeter-se à voz do dono, numa relação totémica.
Contudo, ainda que as coisas sejam postas nestes termos, não é crível, na minha opinião, que o ideal dos parlamentares que nos representam desde a Magna Assembleia, e que ao longo destes anos todos têm defendido as cores dos partidos do poder, quer os que têm tido uma acção mais interventiva, mais indiscreta, quer os que se limitam, num gesto de assentimento com os chefes máximos, apenas a levantar o dedo, não seja o supremo interesse da região por que deram a cara. Porque só a obediência cega pode explicar, por exemplo, a indiferença de alguns ilustres desta terra face às mais do que necessárias obras de ampliação do hospital de Bragança, bem como à retirada da maternidade da capital de distrito, entre outras. É que não é fácil, para quem tem ambições na vida, perspectivar-se o “fim da linha”.
Estranho na nossa política é, também, a forma como se entende o conceito de “pacto de honra” em relação aos compromissos assumidos. No ano de 2002, quando o país começava a dar sinais preocupantes de crise económica, meia dúzia de megalómanos irresponsáveis decidiu assumir a candidatura à organização do Euro 2004. Para mal dos nossos pecados, fomos contemplados com a organização de um evento à escala planetária. Enquanto os mais lúcidos achavam que era um absurdo assumir tamanha responsabilidade, porque a realização do mesmo implicava, com a construção de novos estádios, um esforço financeiro não comportável para um país que se encontrava de “tanga”, outros, os que dele tiraram dividendos, tanto políticos como materiais, argumentaram que seria o melhor lenitivo para o ego do Portuga, e que a desistência – hipótese por alguns colocada – não fazia sentido, porque estava em causa a “imagem” do país, aos olhos de todo o mundo. Na altura, o Governo que durante esta fase de “discussão” entrou em funções, e de acordo com o que está estabelecido em protocolo para estas situações, numa espécie de acordo de cavalheiros, assumiu o compromisso que havia sido chancelado pelo substituído. Conclusão: por culpa das “aparências”, do “ficar mal”, da falsa imagem e da mania das grandezas, estamos, neste momento, não de tanga, mas numa de situação de nudez social.
Hipócrita e estranhamente, não só estes rituais de continuidade não são extensíveis a este nosso recanto – muitos projectos têm sido sucessivamente adiados nesta região –, como ainda nos retiram os poucos Serviços que temos, os quais se revelam de extrema importância.