A Bala de Prata

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Nos saudosos anos setenta havia em Bragança um funcionário camarário, encarregado da limpeza urbana, que cuidava do Jardim António José de Almeida, onde tinha um abrigo onde recolhia os seus instrumentos de trabalho e onde, igualmente, guardava uma grande caixa de madeira que, com frequência, trazia para um patamar intermédio das escadas por onde se acedia ao espaço ajardinado a partir da rua da República. Suponho que esses momentos lúdicos acontecessem nos seus tempos livres mas, na altura, não me ocorria que isso pudesse ter alguma relevância e depois de tanto tempo já não consigo lembrar-me. O sr. Francisco, de alcunha o Nairéco, segundo o Estácio Araújo que é a melhor e mais credível fonte desses tempos brigantinos, era famoso pela fabulosa coleção de livrinhos de bolso de cowboys, da coleção “Seis Balas” que se compravam por cinco coroas no quiosque junto à escadas do antigo liceu e que, uma vez lido, se podia trocar por outro do enorme espólio guardado, religiosamente, na tal caixa de madeira, com fechos metálicos. Muitas vezes era troca por troca, mas nem sempre. Havia alguns que, para lhes aceder era necessário entregar dois e às vezes três. Eram títulos míticos e muito disputados. Não consigo, a esta distância, recordá-los com precisão, lembrando-me que, mais raro e valioso que o “Duelo ao pôr do sol” era o inatingível “A Bala de Prata”. Saltava-lhe das mãos, mal se predispunha a fazer uma troca.

– Quero esse! – diziam-lhe, com frequência!

– Este? Nem que me desses três em troca! – respondia a rir-se!

– Este é o Bala de Prata!

Para os que desconhecem a mitologia daquele tempo (desconheço se continua a ser assim), a bala de prata é um projétil mítico que, quando devidamente disparada mata monstros, bruxas, lobisomens e outros adversários muito poderosos. Não li o livrinho nem conheci ninguém que, para além do Nairéco lhe tivesse acedido. Um deles terá afirmado que já lera o “seis balas de prata” mas o sr. Francisco desvalorizou logo. Tal como o livro, a bala de prata, ali romanceada, era única.

– E se falha à primeira? – questionou-o um colega meu que também andava no S. João de Brito.

– Pois! – afirmou perentória e misteriosamente o funcionário público.

– Só se lhe prender um baraço para depois a poder trazer de volta – caçoou.

Recebeu como resposta uma sonora e escarnecedora gargalhada.

Recordo este episódio, com meio-século de vida, observando a forma como alguns políticos da nossa praça resolvem “responder” a diversas, variadas e relevantes críticas, perguntas e sugestões que lhes vão chegando por cidadãos interessados e empenhados na administração da coisa comum. À falta de arsenal adequado colocam no tambor do revólver o que julgam ser uma bala de prata com a esperança que com a sua utilização possam atingir “mortalmente” o(s) opositor(es) e assim se furtarem de vez às explicações, justificações pedidas e devidas.

O problema é que, apesar de guardada por tempo razoável, à espera da melhor oportunidade, uma vez disparada, o alvo foi completamente errado e o efeito foi nulo. Em vez de procurarem outros apetrechos de defesa e/ou de ataque, devem ter optado pela disparatada “solução” do meu colega, provavelmente ataram um cordel na mesma para a recuperarem, uma vez usada, porque continuam a metê-la na câmara e a pressionar o gatilho. E pedem aos correligionários mais subservientes que façam exatamente o mesmo, sem se aperceberem do ridículo de continuarem a usar um projétil já gasto e, por isso mesmo, absolutamente inofensivo.

Esta insistência, persistência, e obsessão chega a ser penosa. O que pode justificar tal teimosia e obstinação? Desespero perante a proximidade das eleições?

É confrangedor.

Ao náufrago, qualquer pedra lhe parece uma boia.

José Mário Leite