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Jorge Nunes

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V Congresso Regional. Para quê e como?

No dia 28 de outubro de 2023, a casa de Trás-os-Montes e Alto Douro deu em Mogadouro o primeiro passo para a eventual realização do V Congresso Transmontano, com a ideia de debater a regionalização. Uma preocupação inicial é a da representatividade para a realização de um congresso que se deve agregar de forma representativa toda a região, sabendo-se que a união faz a força! Temos de compreender qual a razão de ser da realização de um congresso regional, clarificar o caminho a percorrer e como fazê-lo. A concretização de um congresso regional é complexa e exigente, caso se pretenda transformá-lo num momento de união, de atores regionais dos setores de atividade mais representativos, e mobilizar a região para novos desafios. Sempre foi difícil a realização dos congressos regionais, por razões de conjuntura socio-política, económica, pessoais ou políticas. Vejamos o que aconteceu nos anteriores congressos e façamos um esforço de aprendizagem para superar dificuldades de cooperação, num momento em que a antiga Província de Trás-os-Montes e Alto Douro se encontra mais desgregada. O I Congresso Transmontano realizou-se de 7 a 16 de setembro de 1920, sob a responsabilidade do Clube Transmontano. A primeira iniciativa para realização do I Congresso Transmontano, ocorreu no ano de 1916, pelo Dr. Nuno Simões, na altura um jovem de 22 anos e governador civil de Vila Real. Dificuldades relacionadas com a falta de adesão, escassez de recursos e à entrada de Portugal na I Grande Guerra, levaram ao adiamento do Congresso. O ambiente deste congresso foi marcado pelo fervor regionalista. Na imprensa encontramos títulos como “Transmontanos, todos de pé e por Trás-os-Montes!”, ou “o congresso transmontano foi um verdadeiro trabalho de civilização e progresso … Quando há que tratar e estudar no interesse de todos! Precisamos de procurar na vida regional uma correção aos desmandos do organismo central.” O II Congresso, realizou-se 21 anos depois, do I Congresso, após duas tentativas falhadas no meio de lutas partidárias, a que se referiu Carlos Sá Alves, nos seguintes termos “Será desta vez? (…) não pode haver dúvidas que desta vez é. E se é, também nós seremos, porque somos bons portugueses e bons transmontanos.” A terceira tentativa de realização do II Congresso, ocorreu a 6 de fevereiro de 1941, em Lisboa, na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, em reunião presidida pelo bragançano Domingos Ferreira Deusdado, Ferreira Deusdado presidiu ao Congresso, afirmando que deveria ser de todos os transmontanos e que tinha como objetivo “… estudar em várias teses as necessidades vitais e urgentes da província para que os seus governadores consigam do poder central a sua imediata realização, aproveitando os trabalhos já apresentados no I Congresso.” Numa das sessões de propaganda do congresso realizada no Porto, o freixenista, Adriano Rodrigues, catedrático da FEUP, foi vice-reitor e reitor da Universidade do Porto, referiu “… é preciso cuidar das províncias, animar a vida municipal e regional, descentralizar a administração, criar responsabilidades e orgulhos, estimular iniciativas fecundas, não confiando a Lisboa a resolução de tudo.” A realização do III Congresso foi antecedida de sete tentativas. A primeira ocor- reu no ano de 1981, por iniciativa da CTMAD de Lisboa, reuniu em Carrazeda de Ansiães os governadores civis de Bragança, Vila Real e Guarda, a Comissão de Coordenação Regional, as Comissões Regionais de Turismo e outras entidades. A sétima tentativa decorreu em 2000, previa a realização do Congresso em Mirandela, e também fracassou, foram duas décadas, em que o esforço da cidadania foi contaminado pela ambição pessoal e pela interferência político partidária. No ano de 2002, sob a liderança política, administrativa e financeira da Associação de Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro (AMTAD), decorreu o III Congresso, realizado de 26 a 28 de setembro de 2002, passados 61 anos sobre a realização do II. A Assembleia Intermunicipal votou por unanimidade todas as orientações necessárias à realização do Congresso, que decorreu na cidade de Bragança, local escolhido mediante concurso aberto a todos os 36 municípios asso- ciados. “Rumo à Modernidade” foi o lema do Congresso. Referi, na sessão de abertura, “… trata-se de um congresso vol- tado para o futuro, e não de um congresso voltado para o passado (…) um congresso de afirmação da cidadania dos transmontanos, a luta pela afirmação e modernidade da região, assente numa estratégia de desenvolvimento sustentado e na convergência de boas vontades pessoais e institucionais” Amadeu Ferreira na comunicação com o título “Quem Somos”, disse, “Um congresso para que? Para dizer que existimos, certamente, mas sobretudo para dizer que não nos resignamos (…) e este congresso deve ser um grito e não um muro de lamentações.” (…) É altura de o Estado cumprir com Trás-os-Montes e Alto Douro e saldar a sua dívida. Estamos a falar de direitos, não estamos a falar de esmolas. E os direitos exigem-se, não se pedem.” O extrato destas duas intervenções pode muito bem sintetizar a orientação do Congresso. O IV Congresso Transmontano decorreu nos dias 25 a 27 de maio de 2018, no pavilhão do Conhecimento em Lisboa, sob o lema “Agir no presente, alcançar o futuro”. Foi organizado pela Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, sem nenhuma entida- de da região ligada à organização. Foi também o primeiro que decorreu fora da região, com a justificação de se tratar de terreno neutro sob o ponto de vista político, quebrando a regra dos anteriores: o de ser feito na região e todos foram realizados no mês de setembro. Foi presidido pelo presidente da CTMAD, Dr. Hirondino Isaías. V Congresso, para quê e como? a reflexão necessária, para o que faço duas considerações prévias, uma sugestão e um apelo, no sentido de serem feitos aperfeiçoamentos à iniciativa da Casa de Trás-os-Montes, no sentido de a iniciativa não fracassar, ou ter pouco interesse para a região. A primeira, é a de destacar a enorme evolução da região ao longo de um século, em particular após o 25 de Abril de 1974. Hoje dispomos de uma moderna rede de estradas; um bom sistema de saúde pú- blica; instituições de ensino superior, centros de investigação e de tecnologia que são uma âncora do desenvolvimento; uma rede social com respostas em todas as valências; melhores serviços; uma boa rede de equipamentos culturais. Ativos poderosos na luta por um futuro melhor. A segunda, é a de que, apesar do muito que foi conquistado, nos confrontamos com novas grandes fragilidades e desafios, destaco três: i) Abalo demográfico, em que, desde a década de sessenta se regista a perda de cerca de 50% da população, com impacto na força de trabalho, na produtividade, na criação de riqueza e na desigualdade intergeracional; ii) O Centralismo que enfraquece a qualidade das lideranças regionais, nas instituições públicas, nas empresas, no movimento associativo. Acentua assimetrias, o abandono do território, o despovoamento, e o empobrecimento do Interior, que tem perdido representação e voz, no governo, no parlamento e nos partidos, sendo urgente reconquistar o poder da palavra; iii) A crise climática que nos confronta com a urgência da transição para a economia verde e do conhecimento, na qual devemos ganhar maior atratividade e competitividade. É necessário acelerar em particular no investimento industrial e agrícola, para a economia do futuro, de mãos dadas com centros de conhecimento, de inovação e de tecnologia, mais avançados e alinhados no combate às alterações climáticas. Neste contexto, a sugestão é a de que, o V Congresso, possa ter como foco: “Desafios e soluções contra o despovoamento e as alterações climáticas”. O foco da regionalização, no presente não une a região, ainda que o tema deve ser debatido. Nesta nova perspetiva podem caber temas que agreguem todos os atores regionais, como: Reversão do abalo demográfico em TM; Agricultura do futuro e os recursos hídricos na região; Centros de conhecimento e de Tecnologia; Desafios para a descarbonização da economia e a industrialização; A criação da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro e investimentos territoriais integrados; Regiões Administrativas. Portugal é no conjunto dos países da OCDE, um dos mais centralistas, o que tem menor despesa pública e menor emprego a nível subnacional. O apelo é de união, à volta de uma iniciativa na qual a região se reveja na preparação, organização, realização e conclusões do Congresso, envolvendo todos os eleitos em particular os presidentes de Câmara Municipal que devem ter uma iniciativa pró-ativa, envolvendo o sistema de ensino e de saúde, a rede social, o setor associativo e empresarial, o setor agrícola e florestal, imprensa e cidadãos, juntos numa Comissão Promotora, que tomará as principais orientações, sendo a execução assegurada por uma Comissão Executiva, seguindo o que foi a solução de organização do III Congresso. São grandes os desafios, muita a esperança. Caminhamos em frente, no caminho traçado por gerações que nele inscreveram as suas pegadas, aperfeiçoando-o no seu traçado e construção, rumo a um futuro mais seguro e melhor para as gerações vindouras. É oportuno citar um antigo pro- vérbio “Se queres ir depressa vai sozinho, se queres ir longe vai com companhia”.

A engenharia e a decisão política nas autarquias

A engenharia desde sempre deu um importante contributo para a modernização do país, destaco o trabalho nas autarquias onde, nas últimas décadas foram inscritas marcas bem visíveis de progresso, de atratividade e de modernidade em todo o território nacional. A presente reflexão sobre a relação entre a intervenção técnica e a decisão política nas autarquias, baseia-se em dois princípios, o da existência de uma relação forte de confiança no conhecimento, e o da prevalência da decisão política democrática. Reflexão orientada para os desafios da formação avançada de capacitação e liderança técnica, com o propósito de apoiar melhores decisões políticas, no sentido do engrandecimento e desenvolvimento das autarquias e suas comunidades. Faço uma introdução aos novos desafios que exigem maior formação individual e o reforço da capacitação institucional, e concluo com uma proposta de valorização da engenharia municipal, para uma melhor gestão técnica e política das autarquias. Desde sempre, a engenharia respondeu aos desafios de desenvolvimento da humanidade, como profissão transversal que é, inovando e construindo obras monumentais, projetadas pela engenharia militar e civil, sempre com olhar no futuro, testemunho do conhecimento, da arte e capacidade de realização humana, no impulso de progresso dos povos. Perto de nós, na ponte romana de Alcântara, sobre o rio Tejo, foi escrito na pedra, “a ponte durará para todos os séculos do mundo”. Portugal foi no século XV e XVI, um exemplo de capacidade de inovação e de conhecimento, o que lhe deu vantagem na indústria naval, no armamento e na cartografia, e assim, alargar horizontes territoriais e comerciais, dominar as rotas marítimas do comércio entre a Europa e o Oriente, marcando a história como país pioneiro da globalização Grandes inovadores, cientistas e construtores têm através da engenharia apoiado o progresso da Humanidade, sendo notáveis as realizações da engenharia na conceção e construção das cidades, das infraestruturas de comunicação, dos sistemas de apoio à produção agricultura e industrial, acrescentando no presente, o desenvolvimento da biotecnologia, da nanotecnologia, da inteligência artificial, e da conquista espacial. Os desafios da Engenharia do futuro são muitos, refiro três: i) a manutenção e reabilitação das construções existentes para garantir a sua segurança e funcionamento; ii) a criação de condições sociais, económicas e infraestruturais para acolher o crescimento exponencial da população a nível planetário; iii) a transformação do modo de vida e das atividades económicas, no sentido de reverter as alterações climáticas. A engenharia lida cada dia com áreas de conhecimento mais avançado, aplicando-o de forma intensa na exploração de recursos naturais, na conceção, construção e operação de utilidades ao serviço do bem-estar da humanidade, fá-lo a um ritmo cada dia mais acelerado. A grande interrogação é a de saber se o faz no caminho certo, o da harmonização do crescimento da humanidade e das suas necessidades, com a garantia de preservação da biodiversidade e sustentabilidade futura da vida na Terra. A engenharia portuguesa estará, como sempre, na primeira linha dos desafios das autarquias e do país, neste sentido é necessário e inteligente, que na decisão política, se valorize e aproveite o potencial de conhecimento e de saber fazer da engenharia portuguesa, tão reconhecida e valorizada, em partícula nos países mais desenvolvidos. O profissional de engenharia, obriga-se a princípios éticos exigentes, sabe que a mão de quem pensa, deve apertar a mão de quem faz, para que a experiência do saber, e o saber de expe- riência circule nos dois sen- tidos, num processo aberto, em que o pensamento, a descoberta, a execução e o escrutínio de quem utiliza, se articulam no caminho de desenvolvimento que serve o bem comum e a boa utilização dos recursos públicos, princípios que muito bem se aplicam à engenharia municipal. O engenheiro sabe, que o diploma académico da mais sólida e abrangente formação, não é mais do que uma autorização para com êxito profissional iniciar a carreira, que não dispensa que se continue a estudar, para enfrentar os desafios correntes e sobretudo para compreender e enfrentar os desafios das grandes tendências globais que geram mudanças na sociedade, a que são chamados a responder, como: os desafios das alterações climáticas e os fenómenos climáticos extremos; a globalização; o forte crescimento e urbanização da população à escala mundial, que exige mais recursos como: água, alimentos, energia, matérias primas raras; mais espaço urbano; mais mobilidade; mais saúde; mais educação, etc. A emergência climática e a crise ecológica em que a humanidade se encontra, coloca-nos o grande desafio da transição para uma economia verde, descarbonizada, o que exige avanço exponencial da inovação e da tecnologia, num ciclo intenso de mudança, na indústria, nas atividades humanas em geral, no mercado de trabalho e nas profissões. A engenharia, da mais avançada na investigação e inovação tecnológica, até à mais operacional, é protagonista ativa na primeira linha desta mudança, na defesa da qualidade de vida e bem-estar para todos os povos, lutando contra a fome, pela paz e pe- los direitos humanos, pela primazia da educação, pela sustentabilidade na defesa dos ecossistemas e das múltiplas formas de vida no planeta. Temos pela frente uma corrida de fundo, enfren- tando problemas globais que afetam a Casa Comum: o aumento da temperatura global; catástrofes meteorológicas e climáticas devastadoras, como secas extremas e inundações, que provocam prejuízos enormes em infraestruturas, em construções humanas diversas, degradam amplas parcelas dos territórios, provocam migrações climáticas, tão expressivas como as provocadas pelas guerras, provocam a pobreza e a insegurança dos povos. Obrigamo-nos a construir uma outra realidade, de sustentabilidade da vida no planeta, de esperança, entendida como o sonho do homem acordado, que cria, investe, executa, usufrui e harmoniza a sua interação com a natureza. A engenharia está nesta corrida, é a primeira das profissões com responsabilidades nas soluções para uma mudança positiva. Quem toma decisões políticas, e tem cons- ciência destes desafios, não deixa de valorizar o conhecimento e capacidade de resolução da engenharia. O país está comprometido com esta mudança, para isso necessita de melhor administração pública, de melhores políticas, de mais conhecimento, mais inovação e tecnologia, o que coloca em destaque a engenharia nas suas múltiplas áreas de formação. Não é irrelevante, pelo contrário, o desafio de alinhar os investimentos com os objetivos inscritos no Pacto Ecológico Europeu, que visa a mudança de modelo económico e alcançar a neutralidade carbónica até 2050, investimentos que abrangem o clima, o ambiente, a digitalização, a energia, os transportes, a indústria, a agricultura, o financiamento sustentável. Compromisso que exige, densificar a visão de futuro, nas regiões e no país, isso faz-se com estudo, reflexão, conhecimento, processo em que a política por si só não é suficiente, como o estudo técnico não domina variáveis essenciais, de responsabilidade política, emanadas através das instituições do Estado, das quais deveremos legitimamente esperar, boas decisões políticas e eficaz uso dos recursos, ao serviço do bem comum, e de um modo geral, tal exige o apoio de fundamentadas propostas técnicas e administrativas. As boas decisões políticas, se apoiadas em fundamentadas propostas técnicas e administrativas, fomentam a qualidade e o bom governo das instituições, públicas ou privadas, o que é essencial para o desenvolvimento das sociedades. As Instituições bem geridas servem o bem comum, promovem o progresso da sociedade, otimizam recursos de forma inteligente, sustentável e inclusiva, dignificam a função de governo e promovem a confiança dos cidadãos. Instituições menos bem geridas, funcionando sem rumo, desbaratam recursos, hipotecam o futuro, quebram o esforço e o entusiasmo dos seus colaboradores e a confiança da comunidade. Dispor de um mapa indicando o rumo para a instituição, é melhor do que não dispor de mapa nenhum, e caminhar à deriva, princípio que serve tanto para a área política como para a área técnica, em particular no contexto de decisões estruturantes. Cada autarquia, deve ter a sua própria visão de pensamento global e ação local, assente numa razão de ser própria, identitária e cultural, que assegure, nas diferenças de orientação dos ciclos políticos democráticos, de escolhas e de prioridades, de planeamento e de ação, no que é fundamental ao desenvolvimento concelhio, que em cada ciclo de gestão se valoriza o anterior, e acrescenta o património material e imaterial na transferência para o ciclo seguinte. A qualidade do investimento em infraestruturas, as competências associadas ao trabalho, a inovação, e a qualidade das instituições, são pilares de uma boa estratégia de desenvolvimento, capaz de deixar boas marcas. Isso exige uma boa visão de política pública, mas também o apoio de uma elevada qualificação da estrutura técnica e administrativa da autarquia, o que resulta numa melhoria das instituições, na obtenção de melhores resultados, e na conquista da confiança dos cidadãos. Os bons políticos não cometem o erro de pensar que quase tudo está a iniciar, esquecendo os ciclos anteriores, no que representam de melhor e de pior, e que todos os serviços podem ser externalizados, continuando a esvaziar de competências as organizações. Devem preocupar-se: com a estrutura técnica e a sua qualificação; com a atualização de conhecimentos; com a remuneração e progressão na carreira; com a melhoria das condições sociais de trabalho. Ter presente que cada colaborador e cada profissão são importantes, são a alma das organizações, que é necessário dirigir com respeito e inteligência, disso beneficiando os bons resultados que promovem o desenvol- vimento dos municípios, e da administração pública em geral. E lembremos que muitos dos bons resultados se devem ao trabalho árduo e discreto dos técnicos em geral, nem sempre valorizado, e em particular aos engenheiros municipais que por regra ficam em posição um pouco discreta, quando, pelo contrário, o seu trabalho deve merecer elevado reconhecimento. Sabemos, por princípio, que a boa decisão política deve apoia-se em propostas técnicas claras e bem estruturadas, na resposta aos desafios que os territórios e as cidades enfrentam. Na teorização dos conceitos, na conceção, no planeamento e execução, o trabalho dos engenheiros é essencial para a transformação do sistema urbano, construindo cidades verdes, digitais e resilientes, com capacidade de sobrevivência e de se reerguer em situações adversas, seja de que natureza for. É na base das competências técnicas avançadas, no sistema de governação robusto e inteligente, nos quais os cidadãos confiem, que se deve construir o futuro para todos, no espaço urbano e no espaço rural. Uma Sociedade Justa exige boas decisões políticas, que naturalmente se fundem com os bons estudos e as boas propostas técnicas que servem o bem comum. São exigentes os desafios da engenharia, como: preservar e gerir os escassos recursos hídricos utilizáveis, fundamentais à vida humana; a transição energética; a digitalização, a inteligência artificial e os sistemas de segurança; os sistemas de ensino e formação; os sistemas saúde e infeções com potencial pandémico; as políticas inclusivas, de coesão e de competitividade; as redes para a cooperação e a internacionalização; as catástrofes meteorológicas e climáticas; o combate à poluição do ar que respiramos; o planeamento das atividades comerciais e industriais, e oo ordenamen- to agrícola e florestal. Nas cidades temos desafios específicos, onde se destaca a reabilitação urbana do edificado e do espaço público, de um novo urbanismo bioclimático, com o particular desafio da adaptação ao aumento das temperaturas médias e de picos de calor, a saúde e a qualidade do ar que respiramos, a reabilitação do espaço urbano e o incremento da mobilidade do futuro, já em desenvolvimento, com investigadores em todo o mundo a testarem soluções avançadas, cidades a implementá-las, numa revolução que progride em várias frentes. A visão política não pode ser a de preservar o poder, sim a de dar impulso positivo ao desenvolvimento da comunidade, isso requere inteligência, estudo, trabalho com equipas de elevada preparação técnica, proximidade aos cidadãos. Neste quadro de mudança, é necessário fortalecer a cultura de serviço público, de cidadania e do bem comum, do bom governo das instituições, da qualidade dos planos de ação, do financiamento e prioridades, porque os recursos não são infinitos e podem não chegar para acudir a todas as emergências. Tudo isto se faz com conhecimento e competências mais avançadas da engenharia nas suas diversas especialidades, num mercado laboral em mudança, mais inovador e tecnológico, mais competi- tivo e de maior mobilidade global. Os desafios da economia e das cidades do futuro, exigem melhor formação, mais competências, uma clara aposta na engenharia, na valorização das carrei- ras técnicas na administração pública, com melhores remunerações e melhores condições sociais, valorizando competências dos jovens para fixar quadros qualificados, e poder concorrer com mercados externos mais atrativos, que tanto valorizam as formações dadas por algumas escolas de ensino superior em Portugal. A engenharia nas autarquias deve assumir uma posição mais afirmativa e de maior visibilidade, compatível com o papel único e transversal que ocupa, e dos desafios a que é chamada. Lembremos o trabalho excecional alcançado pela engenharia nas mais variadas áreas, só possível com dedicação, mas sobretudo com o conhecimento e valor que acrescenta à decisão, incluindo à decisão política. Para isso, em face do ciclo de mudança positiva que se espera, e do ritmo a que acontece, exige-se mais do que a formação de base académica e de atualização corrente de conhecimentos, sendo necessário que aos engenheiros das autarquias e da carreira pública, que o pretendam, seja assegurada: i) formação técnica avançada, nos temas dos grandes desafios globais que marcam o futuro, ao nível de pós-graduação ou doutoramento; ii) As instituições públicas, obrigarem-se a garantir progressão na carreira e na remuneração, através de uma carreira especial de engenharia; iii) as áreas de formação serem estritamente focadas em meia dúzia de áreas estratégicas de desenvolvimento dos municípios. A operacionalização de um programa de formação avançada de capacitação e liderança técnica e institucional, poderia ser garantido através de uma parceria Institucional, para definição das áreas estratégicas de formação, envolvendo a Ordem dos Engenheiros, a ANMP, Universidades aderentes e alguma outra entidade relevante. A formação seria assegurada via partilha de recursos entre universidades, que titulariam as correspondentes formações ao nível de pós-graduação e de doutoramento. Este tipo de formação estaria num patamar superior, em nada colidindo com as importantes e muito úteis formações, dadas em áreas de formação obrigatória ministradas em formações de curta duração por parte da Fundação FEFAL, no subsetor da administração local. Nota: Intervenção feita nos Paços do Concelho de Lisboa, dia 22 de setembro, no I Encontro Nacional de Engenheiros Municipais e da Carreira Pública

Plano Ferroviário Nacional- Discussão Pública

A luta contra as alterações climáticas é o primeiro argumento, que sustenta a reivindicação do regresso da ferrovia a Trás-os-Montes, um segundo argumento, é de natureza regional, ligado à coesão e competitividade na Região Norte, a principal região exportadora do país e a menos desenvolvida. Um terceiro argumento é o de que as capitais de distrito, Bragança e Vila Real, têm que integrar o Plano Ferroviário Nacional. Região Norte necessita progredir, sair do último lugar que no país ocupa, no pelotão do índice do PIB per capita, fazendo-o com todas as sub-regiões em crescimento, acelerando a economia das menos desenvolvidas, em particular as de Trás-os-Montes.

O aquecimento global do planeta é uma ameaça à vida na Terra, devido às alterações nos ecossistemas, na qualidade e disponibilidade de água potável, no aquecimento e acidificação da água dos oceanos, na poluição do ar que respiramos. Os fenómenos climáticos extremos são mais frequentes - os grandes incêndios florestais, as secas extremas, as vagas de calor, as inundações devastadoras; provocam danos elevados na economia mundial, danos ambientais irreversíveis, danos em grandes infraestruturas, em aglomerados urbanos, perda de rendimento das culturas agrícolas, perdas de vidas humanas e intensas migrações climáticas. Os transportes desempenham um papel vital na sociedade e na economia, a esmagadora maioria funciona ainda à base de combustíveis fósseis, tanto no transporte de pessoas como de mercadorias. Na União Europeia consomem um terço da energia final, proveniente em 70% de energia de origem fóssil (carvão, petróleo e gás), era em 1990 de 83%, representam mais de um quarto das emissões totais de gases com efeito de estufa.

A Europa aprovou, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, um conjunto de iniciativas estratégicas com o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica até 2050, ou seja, assegurar que as emissões líquidas de CO2 devidas às atividades humanas sejam iguais a zero, o mesmo é dizer, que as emissões de CO2 na atmosfera sejam iguais às quantidades de CO2 removidas da atmosfera num período especificado.

Os Estados-Membros estão legalmente comprometidos com uma redução líquida de pelo menos 55% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030, em comparação ao ano de 1990, visando alcançar a redução de 90% de emissões até 2050, seguindo a “Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente”. No livro Branco dos Transportes a Comissão Europeia assume pretender transferir 50% do tráfego rodoviário de passageiros e mercadorias acima de 300 km para o caminho de ferro até 2050; reduzir em 60% nas emissões de GEE do setor dos transportes; completar a RTE-T até 2030; ligação ferroviária a todos os aeroportos da rede principal até 2050. Na Estratégia para a Mobilidade Sustentável e Inteligente, pretende duplicar o transporte ferroviário até 2050, e triplicar o transporte ferroviário de passageiros em alta velocidade até 2050, ambos os objetivos com referência a 2015.

Portugal, no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, assume que o contributo do transporte ferroviário é indispensável para o cumprimento dos objetivos de redução de emissões de gases com efeito de estufa, e que, tal só é possível com a transferência modal para a ferrovia, baseada em energias limpas, assumindo pretender passar de 4,6 % para 20% de quota modal no transporte de passageiros, e de 13% para 40% no transporte de mercadorias, assegurando ligação com elevada qualidade de serviço aos 28 centros urbanos de relevância regional, que incluem todas as capitais de distrito. Neste contexto, a conexão das redes ibéricas é essencial, e estas com as redes transeuropeias. O Plano Ferroviário Nacional, deve incluir Trás-os- -Montes no mapa ferroviário nacional, por razões de coesão e de competitividade, também para ajudar a resolver um problema grave de despovoamento e abandono do território. Trás-os-Montes e Alto Douro, representa 58,71% do território da Região Norte, 10% da população, e 8% das empresas, o índice de envelhecimento é superior a 275, mais de 2/3 acima da média nacional e o índice sintético de fecundidade é de 1,01, menos de metade do necessário (2,1) para garantir crescimento natural da população. No conjunto dos concelhos de Trás-os-Montes e Alto Douro, a perda de população no período de 1960 a 2021 foi de 307 619 habitantes, cerca de metade da população. Esta forte tendência de despovoamento é uma grave ameaça social e económica, agravada pelas alterações climáticas, com expressão nas secas extremas, perda de rendimento agrícola e incêndios florestais devastadores. Em Portugal o desinvestimento na via-férrea leva décadas, o encerramento de linhas de via estreita iniciou no ano de 1984 com a entrada em vigor do Regime Simplificado de Exploração, o momento crítico surgiu com o Plano de Modernização e Reconversão de Caminhos de Ferro Portugueses, aprovado por resolução do Conselho de Ministros de 4 de fevereiro de 1988, que determinou o encerramento das linhas da CP consideradas como secundárias, de reduzido tráfego. Nesta altura a CP explorava 3600 km de rede ferroviária, e em 2090 km de rede, há muitos anos não se faziam beneficiações, refere a resolução. Em Trás-os-Montes toda a via-férrea foi encerrada, exceção de parte da linha do Douro. Encerraram 335,3 km de via estreita (a linha do Sabor em 2 de agosto de 1988; a linha Corgo em 1 de janeiro de 1990 e a linha do Tua em 15 de dezembro de 1991), e 28, 6 km de via larga na linha do Douro, entre o Pocinho e Barca de Alva, a 18 de outubro de 1988. Felizmente, com o Plano Ferroviário Nacional em fase de discussão pública, surge uma nova oportunidade de regresso da ferrovia a Trás-os-Montes.

Portugal, por via terrestre liga-se à Europa através de Espanha, as redes viária e ferroviária deste país são essenciais, também na perspetiva regional, visto Espanha ser o principal parceiro comercial de Portugal, tanto nas importações como nas exportações. A melhoria das ligações fronteiriças, rodoviárias e ferroviárias é essencial. O exemplo de Espanha, que em três décadas tem vindo a construiu uma significativa rede de Alta Velocidade, a segunda maior do mundo, ligando a todas as capitais de província, deve ser um exemplo para Portugal. O Plano Ferroviário Nacional, em discussão, representa um grande avanço na perspetiva de modernização da Rede Ferroviária, para encurtar distâncias, descarbonizar a economia, através da eletrificação total, densificar a rede para assegurar maior coesão ao território nacional, ligando mais cidades, melhorando as ligações aos portos marítimos e corredores internacionais, introduzir a Alta Velocidade com ligação à Rede Europeia. O mandato para a elaboração do Plano Ferroviário Nacional é claro no conjunto dos onze objetivos estratégicos, de que destaco, a sustentabilidade ambiental, a cobertura adequada do território e a integração na rede transeuropeia de transportes. No transporte de passageiros, o plano do governo faz uma grande aposta nas duas áreas Metropolitanas, na criação de novos sistemas de mobilidade ligeira no Cávado-Ave e do Mondego, na ligação em Alta velocidade a Espanha através de três ligações, pela fronteira do Minho, de Vilar Formoso e de Elvas, envolvendo novas linhas a construir: Lisboa, Porto, Valença; Vigo e da linha Aveiro, Viseu, Vilar Formoso; conclusão da ligação Évora -Elvas-Caia. Prevê novas ligações para serviço interurbano, para cobertura do território e densificação da Rede, na qual se inclui a nova linha de Trás- -os-Montes, ligando o Porto-Vila Real-Bragança até à fronteira. No transporte de mercadorias aposta nos investimentos em curso e em novos, de acesso aos portos e corredores internacionais.

Esta nova perspetiva do PFN, de construção de uma nova linha internacional de Alta Velocidade a Norte, paralela à atual linha mista da Beira Alta, ligando Aveiro-Viseu-Vilar Formoso, e de uma nova linha do Porto-Vila-Real-Bragança, dedicada ao tráfego regional e inter-regional. Esta perspetiva deve ser questionada no sentido de que o corredor Porto-Vila-Real-Bragança deve ser concebido como corredor internacional de Alta Velocidade, em vez de o limitar ao tráfego regional e inter-regional.

Esta perspetiva está bem desenvolvida no estudo feito pela Associação Vale D´Ouro, que apresentou estudo fundamentado do um novo corredor de Alta Velocidade, Porto-Vila Real- -Bragança-Zamora, documento importante, capaz de orientar um debate de reflexão sobre a solução de corredor ferroviário internacional que melhor pode servir o futuro da Região Norte e do País. » Fonte: Associação Vale D´Ouro.

A construção de um corredor ferroviário por Trás- -os-Montes, ligando o Porto-Vila Real-Bragança e daqui à linha de Alta Velocidade próxima da fronteira com Bragança, cumpre com grandes objetivos de desenvolvimento sustentável: i) serve o Interior Norte atualmente sem acesso à ferrovia; ii) garante uma ligação transfronteiriça ibérica e integração nas rede transeuropeia; iii) é o corredor natural, o mais central, na ligação à Europa da Região Norte, a mais exportadora; iv) é o corredor internacional que pode servir de forma mais eficaz a transferência de passageiros e de mercadorias da mobilidade dependente de combustíveis fósseis para a mobilidade ferroviária, o meio de transporte menos poluente e mais seguro; v) promove o crescimento, a coesão e competitividade, aspetos críticos da Região Norte, e melhora os padrões de mobilidade, de acessibilidade e de atratividade territorial.

Numa primeira leitura dos dados apresentados no estudo da Associação Vale D´Ouro, e do conhecimento pessoal da realidade económica e territorial ligada aos dois corredores, o Transmontano e o da Beira Alta, percebe-se bem onde está o centro de gravidade das exportações da fachada atlântica entre Aveiro e Viana do Castelo, e a saída natural em direção à europa; as grandes infraestruturas de logística – Porto de Leixões e Aeroporto Francisco Sá Carneiro; qual o corredor que atravessa NUT III do território, de maior densidade populacional, e qual o que mais favorece a coesão e a competitividade. Toda a informação, ponderada numa visão de longo prazo aponta para o corredor internacional de Trás-os-Montes, como o mais competitivo. Porque a discussão sobre a construção de um corredor ferroviário internacional por Bragança tem mais de século e meio, é oportuno lembrar que a primeira iniciativa visando a construção de um corredor ferroviário internacional, ligando Lisboa-Porto-Bragança-Zamora em direção à Europa, surgiu no ano de 1845, partiu do engenheiro francês Jean Charles, concessionário da linha ferroviária de Cádis-Madrid e empreiteiro do prolongamento até Valladolid. Cerca de uma década depois, no ano de 1853, o governo adjudicou a construção do caminho de ferro de Lisboa a Santarém e daí à fronteira de Elvas, onde chegou no ano de 1863, era a primeira opção de ligação de Lisboa e do país a Madrid. A ligação a Espanha pela fronteira de Elvas em direção a Madrid e à Europa, não foi considerada a melhor solução, teve opositores, que consideravam ser um corredor a norte a melhor solução para o país. Assim, 15 anos depois de concluída a ligação à fronteira de Elvas, avançou o projeto de construção de um novo corredor, ligando a linha do Norte na estação de Pampilhosa da Serra em direção a Vilar Formoso, a Salamanca, construção iniciada no ano de 1878. No ano de 1863, a ferrovia chegou a Vila Nova de Gaia e 13 anos depois à estação de Campanhã, no Porto, com a conclusão da ponte D. Maria, no ano de 1877. Entretanto, cinco anos antes, no ano de 1873, tinha iniciado a construção da linha do Douro, sendo inaugurado o primeiro lanço até Penafiel em 1875.

Ilustres engenheiros ferroviários, deputados e governantes, nomeadamente alguns que assumiram o Ministério da Obras Públicas Comércio e Indústria, não consideravam a linha da Beira Alta como a solução que melhor poderia servir o Porto, e por isso apostavam numa ligação direta em direção à Europa. A opção passava pela linha do Douro em construção, seguindo uma de duas soluções: a ligação por Bragança em direção a Zamora ou a ligação por Barca de Alva em direção a Salamanca. As opiniões dividiam-se. Já no ano de 1865, o governo regenerador da coligação liderada por Fontes Pereira de Melo, tinha prometido a políticos e capitalistas influentes do Porto a solução por Barca de Alva. Esta solução tinha forte oposição por ser considerada inferior e concorrencial com a linha da Beira Alta.

A solução Porto, Bragança a Zamora, com seguimento para a Europa, tinha importantes defensores: a Associação de Engenheiros Civis Portugueses, deputados transmontanos e alguns portuenses, alguns dos mais ilustres engenheiros ferroviários e políticos nacionais que assumiram a pasta das Obras Públicas, como Mariano de Carvalho, João Crisóstomo, António Augusto de Aguiar, e muitos outros como Jaime Larcher, o marquês Sá da Bandeira.

Fontes Pereira de Melo concretizou o seu compromisso com os capitalistas do Porto, no ano de 1878 ao apresentar no parlamento um novo plano geral de ferrovia a norte do Douro, que fazia a opção pela continuação da linha do Douro até Barca de Alva e ligação a Salamanca. Esta opção veio a revelar-se desastrosa. Cinco anos depois, em fevereiro de 1882, o governo de Fontes Pereira de Melo apresentou no parlamento projeto de garantia pública de juro ao investimento na construção da linha de Barca de Alva a Salamanca, concessionada pelo Sindicato portuense, envolvendo sete bancos do Porto e mais alguns capitalistas.

Este projeto dividiu totalmente o país de norte a sul, de um lado o governo e o partido regenerador que arregimentou apoios em todo o país, do outro lado os progressistas e os republicanos e todos os que se opunham ao financiamento nacional à construção de uma linha em território estrangeiro, que consideravam ruinosa em termos económicos e o país passava por enormes dificuldades, e Trás-os-Montes e Algarve ainda não tinham ferrovia. A solução foi de facto ruinosa, levando o Sindicato Portuense à falência, tendo o Estado que assumir parte dos elevados prejuízos e apoiara a banca para evitar a ruína da economia portuense.

Passados 177 sobre a primeira proposta de construção de um corredor »Corredor Lisboa-Porto-Bragança, ao norte e centro da Europa. Alt. David Vaz internacional de ligação de Lisboa-Porto-Bragança-Zamora em direção ao norte e centro da Europa, aproveitando a discussão pública sobre o novo Plano Ferroviário Nacional, com maior disponibilidade de informação, é necessário voltar a encarar esta discussão, sobre qual o corredor internacional a norte, em Alta Velocidade que melhor serve a região e o país. Importa assegurar que o novo Plano Ferroviário sirva Trás-os-Montes numa perspetiva de futuro. A solução necessária, que melhor serve o Norte, Trás-os-Montes e o país, é a construção de um corredor internacional de Alta Velocidade, de tráfego misto, ligando o Porto-Vila Real-Bragança, em direção ao norte e centro da Europa, ligando á linha de Alta Velocidade espanhola que liga Madrid à Corunha, e que passa muito próxima da fronteira com Bragança, solução que as realidades económicas e territoriais tornam evidente, sendo desejável uma solução de traçado que na ligação fronteiriça assegure maior coesão territorial. Linha do Douro, considerada no Plano como linha de tráfego misto e de vocação turística, é o principal corredor de mobilidade do vale do Douro, é conjuntamente com a navegabilidade do rio Douro um corredor estruturante, de coesão territorial e económica, sendo indispensável a reabertura até Barca de Alva, mediante a sua modernização e eletrificação. Linha do Corgo, a construção e modernização do corredor ferroviário do Corgo, da Régua-Vila Real-Chaves é necessária, faz todo o sentido, desde logo tendo em conta o potencial turístico termal desta sub--região do Alto Tâmega, fazendo regressar esta parcela do território ao mapa ferroviário nacional, beneficiando da ligação à linha de Alta Velocidade e da ligação à linha do Douro. Uma nova linha de Vila Franca das Naves a Macedo Cavaleiros, unindo dois corredores internacionais, a linha da Beira Alta e a linha de Alta Velocidade de Trás-os-Montes, deve ser inscrita no PNF, por assegurar a continuidade ferroviária pelo interior, de norte a sul do país, pela importância de abrir novas portas de entrada e de saída turísticas ao corredor turístico do Douro, em direção ao centro e sul do país, e ao interior norte de Portugal, diversificando e enriquecendo a oferta turística, com a vantagem de o aeroporto de Bragan-ça, e a linha férrea de Alta Velocidade, permitirem a entrada e saída de turistas, não tendo aqueles que sobem o Douro ter de regressar ao Porto repetindo o mesmo percurso.

Esta nova linha pode garantir o escoamento do minério de ferro das minas de Moncorvo, exploração desde sempre condicionada pelo transporte, o que a linha do Douro não poderá assegurar, o mesmo acontece com o transporte fluvial, por incompatibilidade de fluxos diurnos com o crescente turismo no Douro. A ligação entre os dois corredores abre portas para o escoamento em direção aos portos do litoral e em direção ao norte e centro da Europa.

Trás-os-Montes, em particular ao Nordeste Transmontano, devem poder reforçar as condições naturais de centralidade ibérica, com a abertura de novos corredores fronteiriços, rodoviário com a continuação do IP 2 e ligação à A52, e ferroviário com a construção da ligação ferroviária Porto-Vila -Real- -Bragança e ligação à LAV de Madrid-Corunha, este que é o grande corredor do Norte de Portugal na Ligação ao norte e centro da Europa, tal como é a A4, e com o reforço do corredor aéreo, com a modernização do aeroporto de Bragança. Esta confluência de modos de transporte, proporciona a intermodalidade do transporte ferroviário, rodoviário e aéreo, para passageiros e mercadorias. Esta visão dará uma nova oportunidade de futuro à região no seu todo.

O aeroporto de Bragança, tem projeto aprovado para expansão da pista para 2300 metros, incluindo estudo de impacto ambiental, podendo aqui concentrar-se importante atividade industrial aeronáutica e de logística. A construção da futura linha férrea em Alta velocidade do Porto a Bragança e ligação à linha de Alta Velocidade de Madrid a Corunha, como corredor central de ligação do Norte de Portugal ao norte e centro da Europa, será um forte fator de coesão e de competitividade regional, será um passo muito significativo, para ancorar o Interior Norte, gerador de efeitos económicos alargados, na captação de investimento, no emprego, no aumento da produtividade, na inversão do ciclo de despovoamento e de empobrecimento

Criação da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, questão de justiça e de direito

O intenso abalo demográfico que atinge o Interior Norte de Portugal, está a conduzir-nos a uma situação de forte despovoamento, abandono de partes do território e ao aumento do empobrecimento. É necessário lembrar que Trás-os-Montes e Alto Douro, em pouco mais de meio século perdeu metade da população, representava 7,82% da população do país no ano de 1960 e que em 2021 representa 3,49%, apesar de representar cerca de 60% do território da Região Norte. Atualmente todos os concelhos desta sub-região perdem população, uma verdadeira ameaça ao seu futuro e do país. A rotura com algumas das políticas centralistas é essencial para inverter um ciclo vicioso, para reduzir as graves assimetrias territoriais, tanto no âmbito da região norte como do país. Serve esta breve introdução para regressar a uma das propostas que fiz no livro dos Congressos Transmontanos. O governo considera existirem algumas assimetrias na Área Metropolitana de Lisboa (AML), a região mais rica de Portugal, e para as corrigir, decidiu garantir mais fundos europeus à parte menos desenvolvida, a Península de Setúbal. Para isso vai dividir a atual NUT II da AML em duas, criando a NUT II da Grande Lisboa na margem norte do rio Tejo e a NUT II da Península de Setúbal na margem sul. Fundamenta a decisão considerando que a Península de Setúbal tem perdido competitividade por estar distante do desenvolvimento da Grande Lisboa, tratando este território como uma realidade específica. Isso permitirá à Península de Setúbal ter um programa operacional regional próprio, com mais fundos da União Europeia e com taxas de cofinanciamento mais elevadas, ou seja, assegurar mais dinheiro de fundos da EU, e maior intensidade de financiamento do investimento. Note-se que o litoral, historicamente, através das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, absorve por via direta ou indireta a esmagadora maioria dos apoios, sejam da União Europeia ou do orçamento do Estado, dividindo ainda mais o país, acentuando as desigualdades sociais e territoriais. Se na Área Metropolitana de Lisboa, o governo regista assimetrias, o que dizer se a comparação se fizer, por exemplo, com o Interior Norte? A Área Metropolitana de Lisboa é a região mais rica de Portugal, tem um rendimento per capita quase 40% superior ao da Região Norte, agrava-se a situação se comparada com as NUT III de Terras de Trás-os-Montes, Douro, Alto Tâmega, que representam outra realidade dentro da região, e se encontram em rota de divergência com a média regional, com um PIB per capita muito inferior ao da Área Metropolitana do Porto, sendo que parte do pouco crescimento do Interior Norte é alcançado à custa da perda de população, não só pela economia. No Interior Norte, a produtividade é baixa, o rendimento das famílias é dos mais baixas do país, cerca de 40% inferior ao do distrito de Lisboa. O despovoamento e envelhecimento populacional tende a agravar a situação já por si um pouco dramática, destacando o despovoamento e abandono de muitas das aldeias, não fugindo a generalidade das Vilas, mesmo a que são sede de concelho, a esta dura realidade. Os governos nas últimas décadas têm lidado com os problemas do Interior com medidas pontuais e avulsas. Olhando algumas décadas atrás, vemos o ciclo dramático do Interior, com a perda de serviços do governo central, de infraestruturas como a ferrovia, de perda de voz no parlamento, nos partidos, no governo. As lideranças locais e associativas estão mais enfraquecidas. O centralismo tem vindo a esgotar a energia dos cidadãos, da economia, a enfraquecer as instituições e a cidadania. Os apoios da União Europeia são essenciais ao investimento nacional, vitais para o Interior esquecido. Não aceitando que se continue a concentrar apoios nas regiões de maior dinamismo na economia, no conhecimento e populacional, em particular em Lisboa e Porto, é necessário, é justo, que os fundos da coesão sejam partilhados, sirvam também e prioritariamente para corrigir assimetrias, gerar coesão social e territorial. Não pondo em causa a criação da NUT II Península de Setúbal, pretendo afirmar, ser de muito maior fundamento e justiça devida ao longo de séculos, que o governo crie a NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, dividindo a NUT II da Região Norte em duas, respetivamente: NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro e NUT II Entre Douro e Minho, divisão territorial histórica que prevaleceu ao longo de séculos. A ideia é a de que, também na Região Norte, se tente corrigir as profundas assimetrias, evitando que as sub-regiões mais pobres sejam prejudicadas pelas mais ricas, em concreto no justo acesso aos apoios da União Europeia dirigidos à coesão regional. De na região de Trás-os-Montes e Alto Douro se poder construir e gerir um programa operacional regional próprio, com mais fundos da União Europeia, de executar os projetos correspondentes às prioridades de desenvolvimento de cada uma das sub-regiões, dos seus projetos estruturantes, capazes de fazer a mudança, apoiando a economia, o conhecimento, a qualificação dos recursos humanos, os serviços de proximidade, com metas e escrutínio dos resultados bem definidos, numa visão alinhada com as exigências de combate às alterações climáticas, a prioridade da humanidade e das sociedades com futuro, assente no bom e responsável governo das instituições . Falando-se agora da revisão da Constituição da República, é altura de: tratar a Interioridade em termos de conceito, como foi tratada a Insularidade; aumentar o número de deputados dos distritos do interior, assegurando representatividade populacional e territorial, reduzindo e transferindo lugares de deputados das Áreas Metropolitanas, bem como criar círculos de eleição uninominal; dividir a NUT II Norte nas NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro e NUT II Entre Douro e Minho. Espero que, nesta oportunidade, o Interior não seja esquecido, que esta breve reflexão chegue ao Senhor Presidente da República, ao Senhor primeiro-ministro, líderes partidários e outros, nomeadamente os autarcas, e que decidam, não deixando para trás os que têm sido mais esquecidos ao longo de séculos, de forma mais evidente nas últimas décadas.

Interior Norte- Reconquistar o poder da palavra

Dar um murro no estômago do centralismo! Clarificando, lutar contra alguma indiferença, medidas pontuais e avulsas com que, nas últimas décadas, o governo central tem lidado com os problemas da interioridade. O Interior tem perdido voz, as lideranças estão enfraquecidas – tem perdido deputados e voz no Parlamento; poder reivindicativo no interior dos partidos; na liderança das instituições públicas; no movimento associativo. É preciso reconquistar o poder da palavra. Falamos de Poder. Medida aparentemente simples, mas que a cultura centralista trava, seria a de reforçar a voz do Interior na Assembleia da República, voz que vai perdendo à medida que o despovoamento se acentua, como fazê-lo? Aumentando o número de deputados dos distritos do Interior, em função da população, também da área territorial e criando círculos de eleição uninominal. A criação da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, dividindo a NUT II Norte em duas, Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes e Alto Douro, regiões naturais correspondentes às antigas Províncias, a divisão administrativa que prevaleceu durante séculos em Portugal, parece-me nesta fase ser uma prioridade. A ideia é a de que as regiões mais pobres não podem continuar a ser prejudicadas pelas regiões mais ricas, que se aproveitam da pobreza destas, para receberem mais apoios da União Europeia, que os atribui ao país para dar prioridade à coesão e ao desenvolvimento das regiões mais pobres, e assim não tem sido. Estamos num momento único de ajuda excecional da União Europeia a Portugal, com a atribuição de fundos comunitários como Portugal nunca teve, a iniciar o novo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, é o momento oportuno para as três Comunidades Intermunicipais, do Alto Tâmega, Douro e Terras de Trás-os-Montes promoverem uma reunião magna representativa da região, que exija ao Governo a criação da NUT II Trás-os- -Montes e Alto Douro (reivindicação de há vinte anos no III Congresso Transmontano) e uma dotação financeira global de fundos comunitários para o Interior Norte, a serem geridos no âmbito da nova NUT II, ou seja a serem geridos em Trás-os- -Montes e Alto Douro. Entregar aos transmontanos e alto durienses parte importante das decisões sobre o seu destino, em vez de serem tomadas no quadro de uma cultura centralista secular, seja em Lisboa e até no Porto, seria importante. Recuperar poder de decisão para Trás-os-Montes e Alto Douro é um passo necessário para que, no balanço 2030 de aplicação excecional de ajudas comunitárias, as assimetrias regionais não se tenham acentuado ainda mais, e o Interior Norte não esteja, em termos relativos, mais pobre, mais despovoado, mais distante do litoral. A criação da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, deverá contribuir para as decisões que venham a ocorrer no âmbito da criação das regiões administrativas. Importa ter presente que, o referendo à regionalização feito em 1998, foi acompanhado do mapa de oito regiões administrativas, o conhecido mapa das províncias, que perante um novo referendo, dois cenários de mapa das regiões poderão ser discutidos. O litoral, onde se concentra o poder económico e político, tenderão a impor uma única região administrativa, tendo por base a evolução que tem sido feita com as CCDR. Trás-os-Montes e Alto Douro, representa pouco em termos de população (na década de sessenta representava mais de 20%) e da economia, mas representa 58,7% do território da Região, tem peso e argumentos para, de forma firme defender a criação da região administrativa de Trás-os- -Montes e Alto Douro. Temos ativos territoriais valiosos, a região está dotada de modernas acessibilidades, ainda que, com algumas necessidades, instituições de ensino superior e centros de investigação e de interface como nunca teve, boas infraestruturas culturais e ambientais, centros urbanos atrativos, então porquê continuar a caminhar para o abismo do despovoamento? Temos de erguer os braços e assumir que sim, que somos capazes de reforçar o poder da palavra e da ação e inverter a tendência do despovoamento e do abandono do território. O abalo demográfico que atinge o Interior Norte, obriga-nos a maior firmeza para romper com as políticas do centralismo que têm conduzido o Interior para uma catástrofe demográfica - o despovoamento, o abandono do território e tendencialmente o empobrecimento. A soberania territorial exige solidariedade em ambos os sentidos, do centro para a periferia e vice-versa. O esquecimento do Interior é uma total injustiça, as boas intenções, decisões tímidas e frágeis, não fazem a mudança necessária para inverter este ciclo vicioso. O argumento que o alimenta é o de que não se justifica investir porque há cada vez menos população, a consequência é a população continuar a abandonar a região, procurando territórios mais atrativos onde o investimento público e privado é mais intenso. Por outro lado, nas últimas décadas, o governo central tem vindo a eliminar serviços públicos na região com esse mesmo argumento. A fúria centralizadora até as ligações ferroviárias eliminou. Trás-os-Montes e Alto Douro representa 3,74%, da população do país, quando no ano de 1960 representava 7,82%, situação dramática, que nos interroga, como foi possível chegar a esta situação e como sair dela. Em meio século, a região de Trás-os-Montes e Alto Douro foi atingida por uma sangria demográfica, ficando em situação de forte despovoamento e envelhecimento populacional, tendo como consequência o abandono dos campos, a perda de biodiversidade, a maior fragilidade económica e vulnerabilidade às alterações climáticas. No conjunto dos 34 concelhos de Trás-os-Montes e Alto Douro, a população no ano de 1960 atingia os 692 029 habitantes, reduziu no ano de 2019 para 384 410 ou seja, em pouco mais de meio século teve uma perda de 307 619 habitantes o que representa 44,45% da população, população que não irá recuperar nas próximas décadas. Na segunda metade do século XIX foi crescente o movimento migratório e a década de 1901 a 1911 foi o período de maior emigração antes de 1960. Esta vaga continuou no período subsequente, entre 1910 e 1919, do distrito de Bragança emigraram 18% dos seus habitantes, de Vila Real 13% e de Viseu e Guarda 12% da população de cada um dos distritos. Após a II guerra mundial dá-se o segundo grande período de emigração, de 1946 a 1973 terão emigrado cerca de 2 milhões dos cerca de 8,5 milhões de portugueses. Acentuou-se o êxodo do mundo rural sobrepovoado e pobre, a caminho das cidades industrializadas do litoral e de locais mais promissores no estrangeiro. Na segunda década deste século, a crise financeira desencadeou outra vaga emigratória. No conjunto dos concelhos de Trás-os-Montes e Alto Douro, a perda de população no período de 1960 a 2021 foi de 307 619 habitantes, cerca de metade da população. A informação de 2021 diz-nos que em TMAD, o índice de envelhecimento (número de idosos com mais de 65 anos em cada 100 jovens com menos de 15 anos) era de 275, mais de 2/3 acima da média nacional e o índice sintético de fecundidade (número médio de filhos por mulher em idade fértil), era de 1.01, em Portugal era de 1,42, um dos mais baixos do mundo. Para inverter este ciclo de quebra seria necessário que o crescimento natural, diferença entre a natalidade e a mortalidade, fosse positiva, que a taxa de fecundidade, número de filhos por mulher fosse superior a 2,1. Sozinhos não temos qualquer hipótese de inverter esta grave tendência, mas muito do que há a fazer terá que ser feito por nós. Vale a pena investir na clarificação do caminho a percorrer e como fazê-lo. O que devemos fazer? Que caminho seguir? Os progressos em TMAD conseguidos nos últimos anos tem sido muitos, alguns muito tardios face ao resto do país, mesmo assim, não se tem conseguido travar o despovoamento e o abandono do território. A situação é de resposta muito complexa, exige soluções múltiplas e a maior boa vontade do governo central em muitos âmbitos, dos incentivos financeiros e fiscais, da desconcentração e descentralização, do investimento público etc. Acima de tudo, da nossa determinação e coragem para reorientar o rumo. Nos próximos anos teremos menos população. Temos que vencer esta catástrofe sobre Trás-os-Montes e Alto Douro, sabendo que nos próximos anos teremos menos população no mercado laboral, o que pressiona em sentido negativo o crescimento da economia. Será necessária uma política inteligente de apoio aos casais jovens nos postos de trabalho e à 1.ª infância (infantários gratuitos e universais para todas as crianças); uma forte qualificação da força laboral, considerando a inovação e transformação tecnológica da economia, uma grande evolução nas condições sociais no mercado de trabalho e melhoria significativa das remunerações salariais, em particular no setor privado, para poder fixar os jovens qualificados, competir com mercados laborais muito mais competitivos a nível nacional e internacional. Temos que resolver problemas estruturais, é certo que não o conseguiremos sozinhos, precisamos da solidariedade ativa do Governo Central, por isso somos Portugal. Precisamos resolver problemas como a baixa produtividade, os baixos salários, as baixas qualificações, a falta de capital para investimento, melhorar e consolidar a visão do caminho a percorrer, garantir a excelência nas instituições de ensino e formação, assegurar forte evolução no bom governo das instituições públicas e privadas. É necessário reconquistar o poder da palavra. O Interior tem perdido voz em todos os campos, incluindo na Assembleia da República. Devemos lutar pela discriminação positiva, por incentivos fiscais e financeiros e muito mais, sem deixar de dar prioridade às questões do poder. Falamos de aumentar o número de deputados do Interior na Assembleia da República. O Interior tem vindo a perder deputados na Assembleia da República, a favor da Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, à medida que perde população. É urgente corrigir esta situação, garantir aos círculos eleitorais do Interior um aumento do número de deputados, tendo a dimensão territorial e o número de eleitores, repondo a voz do Interior na Casa da Democracia. Assegurar a eleição através de círculos uninominais. Da Criação da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, para aceder de forma justa às ajudas da União Europeia, o Interior Norte deve poder gerir um envelope financeiro próprio, negociado na fase de programação do Portugal 2030, para isso, a NUT II Norte deve ser dividida, criando duas NUT II, Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes e Alto Douro. É só uma questão técnica, mas que pode fazer a diferença na mudança. Em 2002, o III Congresso Transmontano aprovou esta orientação; Da criação da Região Administrativa de Trás-os- -Montes e Alto Douro. A Regionalização é o caminho adiado, desde o início da república, para dar impulso de desenvolvimento ao país e às regiões. A Constituição Portuguesa de 1976, inclui a criação de regiões administrativas, no referendo de 1998 foi apresentado o mapa de oito regiões, correspondendo à divisão administrativa intermédia com mais longevidade na história de Portugal, onde se inclui Trás-os-Montes e Alto Douro. O futuro reserva-nos muitos desafios e muita esperança. O país não pode hesitar perante os desafios da Interioridade, tem que ser capaz de saldar uma divida histórica de que os transmontanos e durienses são credores. É verdade que tem feito algum esforço nesse sentido, mas não chega, não podemos continuar a caminhar para o abismo. Cabe às Comunidades Intermunicipais de Alto Tâmega, Douro e Terras de Trás-os-Montes, liderar a realização em 2022, uma assembleia magna da região, em colaboração com os deputados, líderes das Associações Empresariais e Instituições de Ensino Superior, Sociais, Cooperativas, num esforço de cooperação e de coordenação política capaz de mobilizar a Região, de a unir naquilo que é essencial. Não se pode continuar a assistir ao investimento discriminatório como acontece com o PRR, o PDR e em parte nos Quadros Financeiros Plurianuais. Se a situação continuar, os transmontanos devem estar preparados para discutir alternativas fazendo uma rotura no sistema.

Bragança no Século XX, através da imprensa regional (2)

3 - No século XX a paisagem rural do concelho mudou

No início do século, a agricultura baseava-se em processos ancestrais, ao longo deste século iria ocorrer uma grande mudança, saltando das práticas quase medievais para a modernidade. A castanha era a base alimentar da população. Com a subida do preço da madeira, os sutos foram sendo abatidos. A produção cerealífera aumentou a partir de 1905. No ano de 1932 foi criada a Federação Nacional dos Produtores de Trigo e criadas infraestruturas de apoio à produção, ao armazenamento e compra, com garantia de preço de venda. Nas décadas de 1930 e 1940, semeava-se tudo o que era possível, a desarborização foi intensa. Na década de 1920 surgiram modernas moagens, a Mariano & Companhia Ld.ª; a Moagem Lopes no local do antigo Moinho dos Padres; a moagem Afonso Lopes & Companhia, Ld.ª a única que mantem atividade. A marca deste período é visível nos Silos da EPAC, onde milhares de toneladas de cereal eram carregadas em vagões do caminho de ferro. No ano de 1990, ainda se formavam grandes filas de tratores carregados de cereal. A cultura da batata, desempenhava papel importante na alimentação das populações da Terra Fria. No ano de 1930, para reduzir a importação, foram criados campos experimentais em Montalegre, na Serra de Montesinho e de Nogueira. Muito em breve Portugal seria autossuficiente. Referia-se que nestas serras, em altitudes superiores a 1000 metros, nem pulverizador era preciso ter, porque o míldio não vingava. Em Santa Comba de Rossas fazia-se a ensilagem, para conservação durante cerca de cinco meses, após o que era expedida em vagões de comboio, trabalho a cargo da Cooperativa de Produtores de Batata da Semente de Bragança, criada na década de cinquenta, atualmente sem atividade associativa. Nas montanhas, os campos de cultivo ocuparam terrenos baldios de pastoreio livre, contra a vontade das populações locais. No ano de 1939, para além dos 5200 hectares da Serra de Nogueira submetidos ao regime florestal, contabilizavam-se a área dos 213 baldios, somando 7612 hectares. O apelo à “arborização de serras e estradas”, foi apresentado em algumas comunicações do I Congresso Transmontano realizado no ano de 1920. O ilustre bragançano, Prof. Batista Ramires, membro da Academia de Ciências de Lisboa, referia, «E se o fizéssemos, se arborizássemos serras e estradas, os nossos netos abençoariam a nossa obra». Na vigência do Plano Florestal de 1938-1968, foram plantadas centenas de hectares de floresta, construída uma rede de casas florestais de apoio aos trabalhos de limpeza, à florestação e vigilância. Seguiu-se o Projeto Florestal Português do Banco Mundial de 1981 a 1986, e o Programa de Ação Florestal de 1986 a 1995. Parte destas últimas plantações não tiveram valor económico, terminados os subsídios, as plantações foram abandonadas, os incêndios florestais, têm- -se encarregue de destruir muitas dessas plantações. A pecuária teve um forte incremento, representava muito na alimentação humana e no trabalho dos campos, sobretudo a raça mirandesa essencial na lavoura e no transporte dos produtos agrícolas. No ano de 1935 o efetivo bovino era de 41764 animais, no ano de 2020 o efetivo adulto era de 3000 bovinos em 220 explorações. A mecanização e o abandono da atividade agrícola, levou a que os campos de pastagem se estejam a perder. A cultura do lúpulo, desenvolveu-se entre 1960 e 1980, chegou a haver 30 campos de lúpulo, cerca de 100 ha, era o designado “ouro verde”. Na década de 1970 e de 1980 a produção nacional satisfazia as necessidades da indústria cervejeira nacional, atualmente não chega a 5% das necessidades. A produção ocorria em Braga e Bragança, aqui estava sedeada a empresa Lupulex, junto do Centro de Educação Especial. A instalação industrial já não existe, o terreno foi urbanizado, por volta do ano de 2010. O apoio à viticultura foi assegurado pela Cooperativa Agrícola da Terra Fria SCRL, criada no ano de 1954, com instalações industriais em Vale de Álvaro, sem atividade associativa há cerca de três décadas. O olival tradicional de sequeiro, ocupa um a bonita mancha do concelho, nas freguesias de Macedo do Mato e União de Freguesias de Izeda e Paradinha Nova. A construção do Lagar dos Olivicultores de Izeda, remonta aos anos 1966/1967, pela Cooperativa Agrícola da Terra Fria. A área de olival explorada pelos cooperantes do Lagar Cooperativo é de cerca de 1200 hectares e a produção é de cerca de 250 mil toneladas de azeite. É a única cooperativa do concelho. A produção de castanha, no final do século XVII ocupava cerca de 100 mil hectares, terá caído para cerca de 60 mil no início do século XX, regrediu até atingir cerca de 20 mil hectares na década de 1980. Voltou a recuperar, o Recenseamento Geral Agrícola de 2019, indica que há 51,9 mil hectares, a produção segundo dados da “fileira da castanha”, será da ordem das 45 mil toneladas. A Terra Fria com 26 795 hectares, representa 51,6% da área nacional. Em Bragança, no ano de 1989, a área de soutos seria de 2529 hectares e no ano de 2019 será superior a 15000 hectares. A castanha já foi designada de “petróleo verde”. Esta cultura está sob forte ameaça sanitária, as autarquias e o IPB têm um papel muito importante na preservação e sustentabilidade dos soutos. Os negrilhos/olmos atingiam até 35 metros, duravam centenas de anos, marcaram a paisagem rural durante séculos, uma doença recente extinguiu-os. As barragens de Serra Serrada e de Veiguinhas de abastecimento de água, construídas no Parque Natural de Montesinho criado no ano de 1979 e a barragem de Gostei para rega, são uma marca na paisagem rural. A construção das barragens de abastecimento de água, decorreu desde o ano de 1981 até ao ano de 2014, deram mais vida à paisagem e futuro a Bragança, resolvendo para as próximas décadas um problema de séculos, foi uma grande preocupação no século XX. A água potável é um dos grandes desafios do futuro das sociedades. Foi um século de grandes transformações na paisagem rural, vividas com entusiasmo e apreensão. Deveríamos fazer o exercício de antevisão da próxima mudança, do futuro da paisagem rural e sua sustentabilidade face ao forte despovoamento e às alterações climáticas.

4 - No século XX a paisagem urbana mudou

Bragança foi durante séculos um grande centro produtor da indústria da seda, aberta ao comércio externo, perdeu desde 1835 até ao final do século, a oportunidade de se modernizar, ganhar competitividade. Os serviços, as repartições públicas e as guarnições militares asseguravam muita da atividade comercial. A escassez de capitais, as elevadas taxas de juro e hipotecas ruinosas não ajudavam ao progresso da economia. Um grupo de investidores criou no ano de 1875 o Banco de Bragança, banco emissor, até ser integrado no BNU, no ano de 1919. A fragilidade económica de Bragança agravou-se durante a I República face a outras regiões, reivindicava-se a modernização da agricultura. No ano de 1947, no Grémio da Lavoura, foi deliberado criar a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bragança. Importa reter os seguintes dados: A população da cidade no ano de 1900 era de 5310 habitantes e no ano de 2000 de 21074. No ano de 1947, a área urbana era 0,55 Km2 (Plano de Januário Godinho), em 1963 de 2,95 Km2 (Plano Regulador de Viana de Lima). No ano de 2009, passados 62 anos Bragança passou a ter o 1.º Plano de Urbanização aprovado, que fixou a área urbana em 15,3Km2, apostando na estrutura ecológica urbana, na mobilidade e integração. Até ao ano de 1974 foram lentas as transformações nas estruturas económicas do concelho. No ano de 1920, a mão de obra ativa agrícola ascendia a 72,2%, no comércio a 24,4% e na indústria a 3,4%. Feita a comparação ao ano de 2011, a situação é a seguinte: atividade agrícola representa 4,8% da população ativa; o setor secundário 16,6% e o setor terciário 78,8%, números que falam por si. Em termos urbanísticos Bragança cresceu bem, escreveu a Revista Monumentos, no ano de 2011, dedicando o seu último número à cidade de Bragança, referindo-a como uma das cidades portuguesas globalmente melhor estruturadas, sendo Bragança pelo conjunto de monumentos de eleição, pelas suas características, uma cidade de referência no quadro do património artístico nacional. No ano de 1925 foi criado o Grupo dos Amigos dos Monumentos e Obras de Arte, havia muito a fazer pela renovação da cidade. Algumas iniciativas tomadas no final da década de vinte e início de trinta criaram ânimo regenerador na sociedade brigantina e nos seus dirigentes. Nas décadas de 1930 e 1940 aconteceram algumas transformações no espaço urbano de que se salienta: a construção da Avenida João da Cruz, de 1926 a 1946; a inauguração do Museu Regional; do Monumento aos Mortos da Grande Guerra; do Museu Militar; do Seminário de S. José; do Patronato de S. António; do Bairro Social da Estação; do Colégio do Sagrado Coração de Jesus; foi reposto o Cruzeiro na Praça da Sé e demolido o Coreto aí existente; feito o restauro da Domus Municipalis; construído o jardim José de Almeida; no ano de 1939 chegou a rede telefónica. Desde a década de 1940 até início da década de 1970, o investimento público associado ao Plano de Investimentos do V Centenário foi muito significativo. Salientam-se: a construção da Praça Cavaleiro; o Trubunal e Casas dos Magistrados; o Palácio das Corporações; os edifico dos CTT, da Caixa Geral de Depósitos e do BNU; os novos edifícios da Escola Industrial e Comercial e do Liceu Nacional; a Escola de Enfermagem; o Lar da Gulbenkian; o Centro de Educação Especial, o Colégio de S. João de Brito; a Escola Preparatória de Izeda; a Pousada de S. Bartolomeu; o aeródromo de Baçal, a variante ferroviária; foi requalificada a Cidadela e as muralhas; o Hospital Regional de Bragança, foi inaugurado no ano de 1973 pelo Presidente da República. No ano de 1947 foi construído o campo de futebol no antigo Toural, sem balneários, bancadas e vedações em madeira. No ano de 1957 foi decidida a construção de um novo, no Cabeço das Beatas, junto ao Posto Hípico, iniciado no ano de 1973 e concluída a 1.ª fase em 1977. No investimento privado, a construção da estação de serviço da Sacor e do complexo da Torralta. O período pós 25 de Abril e início do século XXI marca o crescimento e consolidação da cidade do futuro: Referem-se alguns factos: As infraestruturas desportivas evoluíram muito, o complexo desportivo do concelho é significativo, destaca-se o estádio municipal, as piscinas e pavilhões municipais, as infraestruturas do Clube Académico de Bragança, do IPB, a que acrescem outras infraestruturas desportivas, na cidade e nas aldeias. O voluntariado é desde há séculos uma Força Social, de promoção do apoio social e humanitário. Das instituições atuais, a Santa Casa da Misericórdia, a Associação de Socorros Mútuos e a Casa de Trabalho Dr. Oliveira Salazar são as instituições sociais mais antigas do concelho. Após o ano de 1974, doze novas instituições sociais e humanitárias se fixaram na cidade e mais sete nas aldeia e Vila de Izeda, a que acrescem algumas unidades privadas. Foi uma grande evolução da Força Social a que o voluntariado dá a solidez que o Estado por si só não conseguiria assegurar. As condições e assistência hospitalar foram tema no II Congresso Transmontano, no ano de 1941, defendeu-se a melhoria da assistência médica e social, para combater as doenças que afligiam as populações, o carbúnculo, o paludismo, a lepra, a raiva, a tuberculose etc. Defendeu-se a criação do Ministério da Saúde e Assistência, a conclusão das obras do Hospital de Mogadouro, a construção de um Hospital na Vila de Mirandela e de um hospital Central em Bragança. No ano de 1943, havia o hospital militar e o hospital da Misericórdia. A resposta de cuidados de saúde primários e hospitalares deu um grande salto, apesar disso, não se pode descurar o investimento em instalações, em meios avançados de diagnóstico e na modernização tecnológica, condições necessárias para fixar recursos humanos qualificados, melhorar os cuidados de saúde. A indústria nos primeiros três quartos de século, não teve qualquer expressão na produção industrial bruta do País, no ano de 1969 representava 0,2%. A atividade industrial e as infraestruturas de apoio, ajudaram a mudar a paisagem urbana e a economia, Bragança passou a ser um dos principais concelhos exportadores da Região Norte. No ano de 2002, ocupava o 40.º lugar no ranking dos concelhos ao nível do poder de compra per capita. No ano de 2011, segundo estudo realizado pelo Prof. Francisco Cepeda, Bragança apresentava os melhores índices de desenvolvimento de entre as capitais de distrito do Interior. No ano de 1972 foi criada a PRECINORTE, encerrou no ano de 1980. No ano de 1985 foi criado o Núcleo Empresarial da Região de Bragança, que ocupou as antigas instalações da PRECINORTE, adquiridas pela Câmara Municipal. No ano de 1990 instalou-se a fábrica de metalomecânica Gruning, que chegou a laborar com 190 trabalhadores, foi alienada no ano de 2000, por venda judicial, adquirida pela Câmara Municipal, foi nesse ano vendida à multinacional francesa Faurécia. A instalação desta empresa mudou o perfil industrial e exportador do concelho, atraindo novas empresas exportadoras, fixadas na zona industrial de Mós. Outros importantes investimentos de empresários locais foram concretizados, na área agroalimentar, sendo exemplo as fábricas de transformação de castanha, as empresas de enchidos e de panificação; na área dos medicamentos, da metalomecânica ligeira, da construção civil e obras públicas, setor que deu grande contributo para a construção do parque habitacional e comercial da cidade e do concelho. A Câmara Municipal desde o final da década de oitenta até à atualidade tem investido na construção de zonas industriais para acolhimento empresarial – Cantarias, Mós e Carvas, o que muito ajudou no reordenamento urbano e acolhimento de novas empresas. No ano de 2012 iniciou a construção da 1.ª fase do Brigantia EcoPark, centro de investigação e de incubação para empresas de base tecnológica. O Comércio e os serviços evoluíram muito, a grande mudança inicia com os retornados, muitos com capacidade empreendedora. A instalação na cidade na década de noventa de quatro médias/grandes superfícies comerciais, alterou o conceito de abastecimento público, com forte impacto no comércio tradicional e de bairro. O comércio da cidade aderiu ao conceito de negócio de franchising, o investimento em novas marcas ajudou à modernização do comércio. Na década de 2000, a parceria entre a Câmara Municipal e a ACISB, deu origem à maior renovação de sempre, no comércio tradicional do Centro Histórico e em geral do espaço público. A atividade comercial evoluiu ao longo das novas avenidas, rompendo com a visão do comércio centrado no Centro Histórico. Na transição do milénio, a cidade deu um grande salto em termos ambientais, no final da década de 1990, a limpeza urbana era muito deficiente, os resíduos sólidos urbanos eram recolhidos de forma indiferenciada, depositados em lixeiras a céu aberto, junto ao cruzamento de Donai e nas proximidades da Quinta das Searas, no tempo seco, os plásticos, pneus e cartões ardiam com frequência, as colunas de fumo negro marcavam a atmosfera. As lixeiras foram encerradas e seladas, os lixos transportados para unidade de tratamento e valorização. No ano de 1997, os esgotos da cidade corriam diretamente para os rios Sabor e Fervença, a cidade estava de costas para o rio. Foram feitos os investimentos de canalização e tratamento dos esgotos, o mais avançado possível. A frente ribeirinha, após despoluição ganhou nova vida com investimentos de requalificação. Na transição do milénio foi lançada uma grande operação de requalificação urbana e ambiental da cidade, foram construídas novas avenidas, jardins, parques urbanos, a plantação maciça de árvores, Bragança ganhou nova imagem, a de cidade verde, amiga do ambiente, já não contava só com a sua envolvente natural, as serras de Montesinho e de Nogueira. A cidade é um exemplo de limpeza e de responsabilidade ambiental, na área rural recuperou passivos das antigas minas de volfrâmio. Passou a ostentar a Bandeira Verde ECOXXI, a ocupar lugares cimeiros na classificação entre cidades, ao nível da qualidade de vida e bem-estar, a conquistar prémios, como Cidade de Excelência, Ecologia Urbana 2009, Excelência em Inovação 2013.

5 – A imprensa em Bragança no século XX

A imprensa retrata parte significativa da realidade do município. Dá-nos informação, que foi essencial à comunidade, é- -o também no presente e será no futuro. Bragança foi, no ano de 1845, a primeira capital de distrito a fundar um jornal regional, fora das cidades de Porto, Lisboa e Coimbra, com a designação, O Farol Transmontano, que foi editado durante dois anos. O século XX trouxe modernas tecnologias de comunicação e composição gráfica, até à impressão digital e às plataformas digitais. A imprensa escrita teve como concorrente a rádio, a partir do ano de 1930. No ano de 1957, iniciou a Televisão Portuguesa, as pessoas juntavam- -se em locais públicos para assistir à emissão, que em Bragança foi durante anos muito irregular. No ano de 1969, a preto e branco vimos o homem dar um passo inédito, pisar o solo lunar. A emissão a cores ocorreu a partir de 1980. Em Bragança, na última década da monarquia foram publicados 12 títulos de jornais, regularmente O Nordeste, órgão oficial do Partido Progressista e a Gazeta de Bragança, que representava ao Partido Regenerador. Na primeira República foram publicados 18 jornais, a maioria em curtos períodos, sendo A Pátria Nova o de maior duração, seguido do Notícias de Bragança. Durante o Estado Novo, com a abolição da liberdade de imprensa e introdução da censura prévia, diminuiu o número de títulos a seis, o Mensageiro de Bragança, foi o único que manteve regularidade até ao presente. Foi publicado o boletim Amigos de Bragança (1955 a 1974) dedicado aos estudos de Bragança. Após a revolução do 25 de Abril de 1974, com o regresso da liberdade, a imprensa, ganhou novo fôlego. De 1974 a 2012 surgiram 9 títulos, mantém-se o Mensageiro de Bragança e o Jornal Nordeste, com edição regular desde a sua fundação. No ano de 1991, a RTP abriu delegação com estúdios em Bragança, encerrou nos primeiros anos de 2000.

6 – A terminar esta viagem de um século, de grandes mudanças, concluímos sublinhando que a Bragança de hoje, é o resultado de “sucessivas Braganças”. Que, honrar a memória e a história é respeitar gerações de homens e mulheres que ao longo de milénios, lutando com coragem contra adversidades, nos trouxeram ao presente de que nos orgulhamos. Continuar e valorizar este legado tão valioso ao nível social, económico e urbanístico, exige-nos visão e cooperação, os melhores princípios e valores para resolver bem os problemas do nosso tempo sem hipotecar a autonomia das próximas gerações e a vida no planeta. É incontestável o valor da presente obra e o propósito de tão elevada dedicação do Professor Francisco Cepeda que merece o nosso aplauso, também a Câmara Municipal pela edição.

Bragança no Século XX, através da imprensa regional (1)

A presente reflexão apoiou parte da apresentação do livro “Bragança no Século XX, através da imprensa regional”, não inclui a parte religiosa que esteve a cargo do Senhor Bispo da Diocese de Bragança-Miranda. A apresentação decorreu dia 2 de maio de 2021, é autor do livro o ilustre Bragançano Prof. e investigador Francisco Terroso Cepeda, a edição foi oferecida pelo autor à Câmara Municipal. Pediram-me que partilhasse de forma mais alargada esta reflexão, que não uma investigação, por não ter essa qualidade, o que me propus fazer. A obra envolve milhares de textos escritos, sobre temas muito diversos, em épocas políticas distintas, o que me levou a escolher o formato de uma viagem ao longo do século XX, sem ter que seguir uma ordem temática ou cronológica. Agrupei quarenta assuntos em cinco pontos: acontecimentos que marcaram a sociedade brigantina; grandes dificuldades e ameaças; mudança da paisagem rural do concelho; mudança da paisagem urbana e evolução das estruturas sociais e económicas; a imprensa em Bragança no século XX.

1 – Acontecimentos que marcaram a sociedade brigantina

No século XX a humanidade deu um grande salto, na tecnologia, no crescimento da economia, na criação de redes globais de logística comercial, e de cooperação económica, na criação de instituições globais como as Nações Unidas, progrediu a democracia, a capacidade de enfrentar situações de escassez de bens, reduzir a fome no mundo, socorrer os mais frágeis. É marcado por dois conflitos militares de escala global, que mobilizaram toda a capacidade económica, industrial e científica dos países envolvidos. Portugal viu-se forçado a envolver-se na I Guerra Mundial. De Bragança, partiram para a frente de guerra, no ano de 1916, o 6.º Grupo de Metralhadoras, no ano de 1917, em dois comboios embarcaram 1229 homens do batalhão de infantaria 10, para a frente da Flandres, no ano de 1918 participou na batalha de La Lys o Batalhão de Caçadores n.º 3. A I Guerra Mundial agravou a crise económica, trouxe a fome e a Gripe Espanhola que nos anos de 1918-1919, se propagou a partir da frente de batalha através das cadeias logísticas e rapidamente alastrou vitimando entre 50 a 100 milhões de pessoas. Em Portugal morreram mais de 50 mil pessoas. Em Mirando do Douro era noticiado que metade da população estava enferma. O comboio chegou a Bragança a 1 de dezembro de 1906. No ano de 1861 iniciou na Câmara dos Deputados a luta para dotar o distrito de linhas férreas, chegou a Bragança 45 anos depois e 27 anos depois de aprovada a construção da linha do Tua, a 19 de janeiro de 1883, em via estreita, como ramal nacional e não linha internacional como inicialmente foi aprovada. Foi heroica a luta de ilustres bragançanos, destacando o Conselheiro Abílio Beça e o Eng.º José Beça. Foi intensa a luta pela ligação ferroviária, envolveu muitas propostas, muita no parlamento e fora, como foi Clemente Meneres que reuniu vários apoios para lutarem pela ligação ferroviária, contando com o apoio de deputados como, Eduardo José Coelho, que veio a ser ministro em três governos progressistas, e do bispo de Bragança. A energia elétrica chegou no ano de 1921, a vila Real chegou 37 anos antes, em março de 1894. A eletricidade substituiu a antiga iluminação por lampiões alimentados a petróleo, antes a azeite. A energia era produzida na Central instalada nos Batocos, concessionada no ano de 1914, foi gerida pelo engenheiro francês Lucien Guerche, até 1945/46. No ano de 1974, a iluminação no concelho era muito deficiente, a maioria das aldeias não dispunha de eletricidade. Foi enorme o trabalho de construção de postos de transformação, de linhas de média e baixa tensão e de redes de iluminação pública. Hoje seria impensável viver sem eletricidade. No início do século, a sociedade portuguesa vivia uma situação de radicalização política, situação económica e financeira muito difícil, no ano de 1892 foi declarada a bancarrota do Estado português, só no ano de 1902 a 1903 foi obtido acordo internacional de credores. O Real, moeda portuguesa desde o ano de 1430, foi substituído no ano de 1911 pelo escudo, este substituído a 1 de janeiro de 2002 pelo euro. Também a I República, foi de elevada instabilidade social e política. Em 16 anos houve sete parlamentos, 45 governos e oito presidentes da República, destes só António José de Almeida conseguiu completar o mandato de 4 anos. A constituição de 1911, consagrou a República una e indivisível, inscreveu uma vaga orientação descentralizadora, campo privilegiado de luta pela autonomia municipal e regional, teve momento alto nos congressos regionalistas. Em 1911, o izedense Alves da Veiga defendia a República como uma “confederação de oito províncias, designadas de Estados provinciais”, Henrique Trindade Coelho, apresentou no ano de 1922 um projeto constitucional para uma República Federal. A discussão regionalista foi dura no I Congresso Transmontano, realizado no ano de 1920, terminou com a aprovação de moção, que conciliava as posições entre o associativismo municipal e o Estado unitário, desde que, à província não tirasse alguma coisa do que ainda tinha, que já tinha tirado muito do que ela teve. A constituição de 1976 inscreveu a criação das Regiões Administrativas, ainda não criadas, como há um século atrás permanecemos divididos e Lisboa mais centralista. Regressou a Guerra Mundial, de 1939 a 1945, devastadora de vidas humanas, de infraestruturas e da economia. Foi a mais mortífera da humanidade, com 50 a 75 milhões de mortos. Deixou marcas terríveis como o holocausto e o lançamento das primeiras e únicas bombas atómicas. A indústria do armamento desencadeou elevada procura do tungsténio. Instalou-se a febre do volfrâmio, em Bragança, as minas de Parada, Paredes, Montesinho e Guadramil entraram em grande atividade, houve mais dinheiro a circular, beneficiou o comércio, a reabilitação de habitações, foram construídos novos edifícios. Seguiu-se a Guerra Fria, de natureza geopolítica, entre o Bloco Oriental e o Bloco Ocidental, durou até à dissolução da União Soviética no ano de 1991. No ano de 1961 foi declarada a Guerra Colonial, a rádio e a televisão anunciaram o início da guerra. Neste ano, Portugal em confronto militar com a União Indiana, perdeu o Estado Português da Índia, que governou durante 450 anos. A guerra colonial durou até ao ano de 1974, entrou num beco sem saída e o império desmoronou- -se. Cerca de um milhão de jovens foram mobilizados para a frente de guerra. O desenvolvimento do país foi adiado, sofreram as famílias que viam os filhos partir, alguns regressar em caixões ou mutilados. No ano de 1941 realizou-se o II Congresso Transmontano, a sessão de abertura decorreu em Bragança, presidiu Ferreira Deusdado que referiu: «A Província de Trás-os-Montes, por ser a mais afastada do coração de Portugal, é precisamente aquela que menos vista tem sido pelos que estão no Terreiro do Paço.» Presidiu à sessão de abertura o Chefe de Estado e o Ministro das Obras Públicas. Bragança recebeu triunfalmente o Chefe de Estado. O cortejo de receção, foi organizado frente à Quinta António Dias, com representação das Câmaras do Distrito, e diversas instituições civis do distrito. Tocaram as bandas de música, repicavam os sinos, ouviram-se os foguetes, desde a Ponte do Loreto até ao edifício da Câmara Municipal, onde estavam alinhadas as forças da Legião Portuguesa e do Exército e de outras instituições. Referiu o Mensageiro de Bragança, ser o primeiro a visitá-la, 554 anos depois de D. João I. Os congressistas hospedaram-se no Grande Hotel Virgínia, na Grande Pensão Moderna e na Pensão Internacional. Esteve prevista a visita do Rei D. Manuel II a Bragança, no ano de 1910. A Câmara Municipal preparava uma festa de receção como Bragança nunca tinha tido. Um telegrama do Primeiro-ministro de 5 de outubro de 1910 liquidou toda a azafama. No dia seguinte, a cidade tomava conhecimento da proclamação da República e da saída da Família Real para o exílio. Dia 8, frente à Câmara Municipal, formava uma força de infantaria 10, a banda de música e uma força de Cavalaria 9. Da varanda do edifico foi lida a proclamação da República, içada a bandeira verde e encarnada, à qual as tropas fizeram a continência e a banda executou “A Portuguesa”. Estavam cumpridas as formalidades e proclamada a República. Caía a Dinastia de Bragança. Bragança viveu e sofreu com a elevada agitação sociopolítica. No ano de 1911 foi criado, o Centro Republicano Emidio Garcia e o Partido Republicano Conservador Local, o primeiro de âmbito local criado em Portugal. Ocorreram incursões monárquicas, a 4 de outubro de 1911, por Cova de Lua e Soutelo, por onde entrou uma força de 950 homens comandados por Paiva Couceiro, foi travada pelo Regimento de Infantaria 10. Ocorreram novas investidas monárquicas nos anos de 1913 e 1914 e a 19 de janeiro de 1919, Paiva Couceiro organizou uma Junta Governativa do Reino com sede no Porto, à qual aderiram as guarnições militares da cidade. A I República caiu a 28 de maio de 1926. Bragança estava cansada da política, do confronto social, economia fragilizada, não entrou no conflito. Veio a fazê-lo no ano de 1933 em reação à aprovação da Constituição do Estado Novo, tendo ocorrido a morte de um militar membro da Administração Municipal, a prisão, a condenação e exilio de alguns dos revoltosos. A comemoração do V Centenário da elevação de Bragança a cidade foi preparada com antecedência. No ano de 1963, o Ministro das Obras Públicas visitou Bragança, para dar luz verde a um grande plano de melhoramentos da cidade, executado ao longo de uma década. Nem todos os investimentos foram realizados por dificuldades da Câmara Municipal. A sessão de encerramento das comemorações, decorreu a 29 de agosto de 1964, foi presidida pelo Presidente da República Almirante Américo Tomás. As comemorações levantaram o ânimo das forças vivas da Terra. Nas décadas de 1950 a início da década de 1970, o Governo deu grande apoio a Bragança, na construção de novas infraestruturas e equipamentos. No ano de 1950, quatro ministros oriundos do distrito integravam o mesmo Governo, ocupando pastas importantes como: a Justiça; as Finanças; o ministério do Interior e o ministério da Marinha. No período referido, outros Ministros e Secretários de Estado, oriundos do distrito ocuparam lugares no Governo. Bragança beneficiou muito da sua presença e empenho. A primeira aeronave que sobrevoou Bragança, foi um biplano da Esquadrilha da Amadora a 30 de julho de 1922. O primeiro campo de aviação de Bragança, foi construído no local de S. Tiago, um amplo pinhal, a cerca de três quilómetros do limite da cidade, a construção decorreu de 1927 a 1932. O Campo mudou para Baçal, os trabalhos iniciaram no ano de 1965, foram concluídas no ano de 1976, pela Direção Geral da Aviação Civil, que tomou conta do processo por a Câmara Municipal ter dificuldades, na aquisição de terrenos, o que resultou na construção de uma pista de 1200 metros, em vez dos 2000 metros previstos, uma perda de consequências óbvias. No ano de 1976 a TAP iniciou em regime experimental, voos regulares de transporte de passageiros. No ano de 2004 a pista foi ampliada para 1700 metros e no ano de 2008 foi aprovado o projeto de expansão para 2300 metros, e o estudo de impacto ambiental, visando a operação de aviões para 200 passageiros. A revolução do 25 de Abril de 1974, abriu caminho à liberdade, a um novo ciclo político de construção do Estado democrático. No dia 27 de abril, na Praça da Sé, organizou-se a primeira grande manifestação popular de apoio ao movimento das forças armadas. O Primeiro de Maio, como em todas as cidades portuguesas, foi de grande afluência às ruas para festejar o fim da ditadura e a conquista da liberdade. A comemoração do 8.º Centenário do 1.º Foral de Bragança, teve a sessão de encerramento a 21 de fevereiro de 1988, foi presidida pelo Presidente da República, Dr. Mário Soares, que um ano antes tinha instalado a Presidência Aberta de uma semana em Bragança. Governava o Prof. Cavaco Silva, que se deslocou a Bragança com alguns dos seus ministros, assumindo concretizar três das principais reivindicações: a construção do IP4, o desenvolvimento do IPB e o aproveitamento hidroelétrico do Alto Sabor. O presidente da República congratulou-se com o bom andamento dessas três reivindicações. As acessibilidades ao Nordeste Transmontano exigiram uma luta reivindicativa permanente. A construção do 1.º troço do IP4 foi o de Lamas a Quintela de Lampaças, na década de oitenta e o último foi o de Rio Frio a Quintanilha, no ano de 2000. No ano de 2003 o governo decidiu continuar a autoestrada de Amarante a Vila Real. Tudo se preparava para excluir Bragança do mapa de autoestradas do País. Não desistimos, o III Congresso Transmontano foi a prova disso mesmo, e finalmente em novembro de 2004, na 1.ª reunião do Conselho de Ministros realizada em Bragança, tudo ficou resolvido. A construção da A4, do IP2 e do IC5 foi garantida e em menos de uma década, até dezembro de 2012 tudo foi executado, abrindo melhores perspetivas de futuro. A criação do Instituto Politécnico foi uma grande conquista. No ano de 1972 foi criada a Escola Superior de Enfermagem, no ano de 1973 a Escola Normal Superior e no ano de 1979 o Instituto Politécnico de Bragança. No ano de 1986 iniciaram atividade letiva as Escolas Superior Agrária e de Educação, com 135 alunos. Com as cinco escolas, centros de investigação, serviços sociais e residências de estudantes, instalações circunscritas à antiga Quinta de Santa Apolónia, e a Mirandela, representa uma realidade social, académica, económica e urbana muito forte. Foi enriquecida pela criação do ISLA, da Escola Prática Universal e do Centro de Formação Profissional.

2 - Dificuldades e ameaças de Bragança

No início do século, os interesses de Bragança foram atacados. O governo progressista retirou a Bragança a direção de serviços agronómicos e postos experimentais, para os colocar em Mirandela. Bragança, no ano de 1762 tinha dois regimentos de Infantaria no Castelo e um de Cavalaria no Forte de S. João de Deus, com 460 militares e 390 cavalos, extinto no ano de 1911. Logo de seguida à instalação da ditadura militar, foi extinto o Regimento de Infantaria n.º 30 e o 6.º Grupo de Metralhadoras, restando o Regimento de Infantaria 10. Mais um problema a perturbar o concelho, pela perda de recursos no comércio local e do contributo dos militares no ensino público e na administração pública. A questão militar voltou ano de 1958, tendo sido extinta a única unidade militar aquartelada em Bragança, o Batalhão de Caçadores 3 e encerrado o Museu Militar, um rude golpe para a economia e a história dos brigantinos, desprezo pelo esforço de séculos na proteção da fronteira mais vulnerável do país. No ano de 1960/1964 os quarteis da Cidadela foram demolidos. No ano de 1965 foi aprovada a construção de novo quartel no antigo Forte S. João de Deus, no ano de 1966 regressou o Batalhão de Caçadores, n.º 3. No ano de 1977, já em democracia, o BC3 foi extinto, no âmbito da reestruturação do exército, permaneceu a presença militar em Chaves, em Vila Real e Lamego. Este duro ataque aos interesses de Bragança não deveria ter ocorrido, a reestruturação poderia ter sido feita extinguindo unidades em Lisboa ou no Porto. O centralismo voltou a atacar. A ligação ferroviária de Trás- -os-Montes a Espanha dividiu a região e o país. No ano de 1867 as comissões parlamentares de obras públicas e fazenda, sob iniciativa do governo regenerador, aprovaram a ligação da linha do Douro, pelo Tua a Bragança e ligação a Zamora em via larga, a execução foi travada pela situação financeira do país. No ano de 1878, o ministro das obras públicas do governo regenerador, apresentou ao parlamento proposta, de ligação da linha do Douro a Salamanca. Neste ano, Sousa Brandão propôs a ligação do Tua a Bragança em via estreita e a ligação a Espanha pela linha do Douro, em via larga. Alguns militares temiam que a ligação a Salamanca, par além da prevista à linha da Beira Alta, abrisse mais um ponto de penetração do inimigo, preferiam qua a ligação se concretizasse por Bragança. A opção de ligação por Bragança era defendida por progressistas e republicanos, João Pires Vilares, no Parlamento defendeu heroicamente que a internacionalização da linha do Douro se fizesse por Bragança a Zamora. Muitos o fizeram. O esforço do governo centrou- -se na construção da linha do Douro até à fronteira e nas negociações com Espanha, que pouco entusiasmo teve no projeto, o que levou o governo, a banca e empresários portuenses a cometer erros financeiros graves. Surpreendentemente, a Câmara de Bragança pretendendo manter a sua lealdade ao governo do partido regenerador, manifestou o apoio à ligação do Douro a Salamanca, invocando razões do foro militar e de defesa nacional, posição contrária aos interesses de Bragança, conforme consta da reunião de Câmara Municipal de 28.06.1882. Devia ter defendido a decisão tomada 15 anos antes pelo ministro das obras públicas, também regenerador, a construção da linha do Tua a Bragança e ligação a Zamora em via larga. Hoje, nos planos da Ferrovia 2030, estaria a modernização e eletrificação da ligação ferroviária do Tua a Bragança e Zamora, em vez de um mapa em branco, o que é uma nova ameaça contra a qual é preciso lutar. Com o retomar das províncias como divisão administrativa, no ano de 1936, foram criadas onze províncias. A Vila Real, que só adquiriu o título de cidade no ano de 1925, foi atribuída a sede da Província, um verdadeiro choque para Bragança, com história económica e política e administrativa incomparáveis, viu-se marginalizada, diz-se que por atraso de reação política dos seus dirigentes. Quando da elaboração do IV Plano de Fomento, no ano de 1973, para vigorar no período de 1974/79, no relatório elaborado pela Comissão de Planeamento do Norte, sendo seu presidente o eng.º florestal António Eduardo Carneiro, o Plano colocou Bragança ao nível de centro rural principal, a par de Moncorvo e Mogadouro, enquanto Macedo de Cavaleiros e Mirandela eram elevados à categoria de centros urbanos. Uma afronta à história, às funções urbanas de capital de distrito e aos projetos futuros de Bragança. A cidade ergueu-se em protesto. Valeu o facto de, com o 25 de Abril, o Plano ter ficado sem qualquer efeito. Na luta pela criação da Universidade de Bragança, encabeçada pela Comissão Pró-Universidade, que entregou uma petição na Assembleia da república, os compromissos políticos a nível nacional, não se conjugaram de forma eficaz com o interesse local que não se uniu. No ano de 1998 defendíamos a criação de uma Faculdade de Medicina em Bragança, logo de seguida outras foram criadas e há poucas semanas o Ministro Manuel Heitor desafiou a UTAD a criar o curso de medicina. Passadas duas décadas, nunca como hoje as condições institucionais e políticas foram tão favoráveis á criação do ensino universitário em Bragança – Instituto Universitário ou Universidade de Ciências Aplicadas, caminho que é necessário retomar, voltar a acreditar e lutar, para não haver surpresas futuras. O 1.º Plano Regional de Ordenamento do Território, elaborado pela CCDR-N no ano de 2009, pretendia considerar Bragança como cidade regional, ao nível de Mirandela, Lamego, Chaves. A Câmara Municipal, exigia que fosse considerada cidade de equilíbrio regional, a par do Porto, Vila Real e Braga. Bragança estava novamente a ser atacada, foi necessário usar todos os argumentos, até junto do primeiro ministro, para que na versão final Bragança tivesse sido incluída como cidade de equilíbrio regional, como era devido. A emigração marca o século XX, está na base da maior fragilidade atual. A década de 1901 a 1911 foi o período de maior emigração antes de 1960. Entre 1910 e 1919, do distrito de Bragança emigraram 18% dos seus habitantes. A emigração fazia-se para a América e sobretudo para o Brasil. Eram famílias inteiras, sobretudo jovens que partiam. Após a II guerra mundial deu- -se o segundo grande período de emigração, de 1946 a 1973, acentuou-se o êxodo do mundo rural pobre. França e Alemanha foram o principal destino. A emigração legal do distrito de Bragança no período de 1950 a 1979 foi de 53 220 cidadãos, não contando com a que se fazia “a salto.” Em meio século, o distrito de Bragança perdeu quase 50% da população. Cerca de 3000 retornados, chegaram a Bragança a seguir ao 25 de Abril. No ano de 1975, foi lançada uma ponte aérea de meses que, das antigas colónias trouxe centenas de milhares de retornados ao país. A Câmara Municipal, a igreja e toda a comunidade, com apoio do IARN – Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, fizeram o que podiam em termos de ajuda social e humanitária, que contou com o apoio da Convenção das Igrejas da Noruega sob a designação “Projeto cooperativo de construção de emergência em Bragança”, que entregou 100 casas prefabricadas. Os retornados, deram um grande contributo à revitalização social e económica do concelho.

Abalo demográfico do Interior Norte

Em Portugal, na década de sessenta e meados de setenta, ocorreu o segundo grande pico migratório do século, em Trás-os-Montes e Alto Douro, as montanhas subitamente esvaziaram-se de gente. Um novo pico de 2010 a 2018, resultado da crise financeira, levou novamente a acelerar no caminho da emigração, procurando as condições de vida que a região e o país não proporcionam a todos. Em meio século, Trás- -os-Montes e Alto Douro foi atingido por um forte abalo demográfico, agora agravado pela réplica provocada pela crise sanitária. No conjunto dos 34 concelhos de Trás-os-Montes e Alto Douro, a população no ano de 1960 atingia os 692 029 habitantes, reduziu no ano de 2019 para 384 410 ou seja, em pouco mais de meio século teve uma perda de 307 619 habitantes o que representa 44,45%. O território despovoa-se de forma contínua, a ritmo acelerado, perdendo cerca de metade da sua população, que não irá recuperar nas próximas décadas. Representam 3,74%, da população do país, quando no ano de 1960 representavam 7,82%, situação dramática, que nos interroga, como foi possível chegar a esta situação e como sair dela. Trás-os-Montes e Alto Douro esteve sempre na linha da frente, desde a fundação da nacionalidade, da conquista que ao longo de cerca de século e meio permitiu a Portugal adquirir a dimensão continental, com as mais antigas fronteiras fixas de entre as nações europeias. Ganhou longa tradição nos caminhos da emigração, logo que lançada a aventura do Atlântico na conquista de novas terras e recursos, num desígnio e visão que mobilizou o país durante os reinados de 11 monarcas, das Dinastias de Borgonha e de Avis. Os portugueses, com valentia, forte sentido de identidade e fortes lideranças, lançaram-se num projeto nacional, que deu início à Era dos Descobrimentos portugueses a partir da conquista de Ceuta (1415), dando passos pioneiros e decisivos no processo da globalização, sempre um passo à frente dos outros europeus. Portugal tinha no ano de 1422 cerca de 1,043 milhões de habitantes. A supremacia portuguesa afirmou-se através da inovação e do conhecimento avançado na construção naval, na matemática, na astronomia náutica e técnicas de navegação, conquistando supremacia militar e comercial nos oceanos, nas rotas comerciais entre o ocidente e o oriente. Foi durante dois séculos um dos países mais ricos e poderosos. Uma série de decisões erradas minaram a sua força, e no final do século XVI, uma imprudência do rei D. Sebastião, levou à derrota do exército português na batalha de Alcácer Quibir e Portugal iniciou um período de declínio de poder, de conhecimento, de riqueza, de fragilidade política e de perda da independência, recuperada passadas seis décadas, aí iniciou a Dinastia de Bragança. Em pouco tempo perdeu muito do esforço heroico de gerações. O padre António Vieira, um dos mais influentes portugueses do século XVII, jesuíta, missionário, escritor e político, classificou o mundo português como o «Quinto Império – depois do assírio, do persa, do grego e do romano». A epopeia dos descobrimentos levou a diáspora portuguesa aos quatro cantos do mundo e a partir daí a natureza de povo de emigração não foi quebrada, teve períodos mais ou menos intensos, conforme as exigências políticas e económicas, processo que levou as correntes migratórias para destinos como as Américas e a Europa. Sempre em resultado da escassez de recursos e de organização. A procura de melhores condições de vida do que as que o país proporcionava foi uma constante, no passado e no presente. Na segunda metade do século XIX foi crescente o movimento migratório e a década de 1901 a 1911 foi o período de maior emigração antes de 1960. Esta vaga continuou no período subsequente, entre 1910 e 1919, do distrito de Bragança emigraram 18% dos seus habitantes, de Vila Real 13% e de Viseu e Guarda 12% da população de cada um dos distritos. A emigração fazia-se para a América e sobretudo para o Brasil. Eram famílias inteiras, mas sobretudo jovens que partiam, parte importante da força de trabalho agrícola que empregava 61% da população ativa, os campos ficavam mais abandonados. Após a II guerra mundial dá- -se o segundo grande período de emigração, de 1946 a 1973 terão emigrado cerca de 2 milhões dos cerca de 8,5 milhões de portugueses. Acentuou-se o êxodo do mundo rural sobrepovoado e pobre, a caminho das cidades industrializadas do litoral e de locais mais promissores no estrangeiro. Na década de cinquenta o principal destino foi ainda o Brasil e na década de sessenta e meados de setenta, o destino foi França e Alemanha, que absorveu muita mão de obra não especializada para a reconstrução pós-guerra. Devemos ter presente que muita da emigração era feita de forma ilegal. O projeto com a designação de “Memórias do Salto”, desenvolvido pela Associação dos Amigos do Museu Abade de Baçal, pelo Museu e pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, apoiado com fundos comunitários do Norte 2020, que no distrito de Bragança envolveu a recolha de 72 testemunhos de emigrantes que, entre 1954 e 1974 partiram para França, retrata a emigração clandestina a salto, apoiada por redes organizadas de passadores. Neste estudo é referido que neste período, do país emigraram 900 mil portugueses e que destes 550 mil o fizeram a salto. Segundo Maria Ioannis B. Baganha a emigração legal do distrito de Bragança no período de 1950 a 1979 foi de 53 220 e no de Vila Real 59 745. No ano de 2014, cerca de 134 mil portugueses abandonaram o país, face às difíceis condições económicas, resultantes da crise financeira de 2010-2014, no contexto da crise da dívida pública da Zona Euro, consequência da crise financeira global provocada pela falência do banco americano Lehman Brothers, também conhecida por “crise dos subprimes”. O Observatório da Emigração (ISCTE, 2019) refere que segundo relatório das Nações Unidas de 31 de dezembro de 2017, Portugal é o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente (considerando apenas os países com mais do que um milhão de habitantes). Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o período de 2011 a 2018 é um novo pico de emigração, partiram cerca de 850 mil portugueses, tendo como principal destino o Reino Unido. Em Portugal, no século XX, apesar de dois picos migratórios, a população quase duplicou, no ano de 1900 era de 5,42 milhões e no ano de 1960 de 8,85 milhões, no ano de 2001 de 10,36 milhões, tendo-se iniciado um ligeiro decréscimo para 2019, em que se registou o número de 10,28 milhões, uma ligeira quebra que confirmou a tendência do saldo natural negativo, reflexo da baixa taxa de natalidade, do envelhecimento da população e do saldo migratório negativo. Já no distrito de Bragança que no ano de 1960 tinha uma população residente de 233 441 habitantes, viu a população reduzir no ano de 2019 para 124 123, em pouco mais de meio século perdeu 109 318 pessoas, 46,83% da população. Há concelhos que perderam dois terços da população, o que é dramático, face ao que pode vir a seguir. O distrito de Vila Real tinha no ano de 1960 uma população residente de 315 034 habitantes e no ano de 2019 a população reduziu para 184 435, em pouco mais de meio século perdeu 130 599 pessoas, o que representa 41,46% da população. Há concelhos que perderam dois terços da população, caso de Boticas e Montalegre e mesmo Vila Real na última década entrou em perda. Analisada a evolução da população nos nove municípios da margem esquerda do Douro, dos distritos da Guarda e de Viseu, que integram a Comunidade Intermunicipal do Douro, verifica-se que no ano de 1960 a população era de 134 554 habitantes e no ano de 2019 a população reduziu para 75 862, ou seja, teve em pouco mais de meio século uma perda de 58 702 pessoas, o que representa 43,63% da população. Há concelhos que perderam mais de 60% dos residentes, caso de Penedono e Vila Nova de Foz Côa. Feita a ponderação dos números, ciente da situação demográfica do Interior do país e da tendência de regressão demográfica no país, não posso deixar de evidenciar a situação particular da região de Trás-os-Montes e Alto Douro, o grave despovoamento que atinge de forma diferenciada, mas idêntica na sua natureza todos os concelhos. A perda em termos globais no conjunto dos concelhos foi de cerca de metade da população, em pouco mais de meio século perdeu 307 619 habitantes. No quadro seguinte, apresenta-se a evolução da população no período de 1960 a 2019, por Comunidade Intermunicipal (CIM), realidade associativa atual, criada com base na Lei n.º 75/2013 de 12 de setembro que estabelece o estatuto das entidades intermunicipais. A situação é de elevada complexidade, pelo lado da economia, maior ainda pelo lado da realidade demográfica. A informação de 2019 diz- -nos que em TMAD, o índice de envelhecimento (número de idosos com mais de 65 anos em cada 100 jovens com menos de 15 anos) era de 275, mais de 2/3 acima da média nacional e o índice sintético de fecundidade (número médio de filhos por mulher em idade fértil), era de 1.01, em Portugal era de 1,42, um dos mais baixos do mundo. Para inverter este ciclo de quebra seria necessário um crescimento natural, diferença entre a natalidade e a mortalidade, fosse positivo, que a taxa de fecundidade, número de filhos por mulher não fosse inferior a 2,1. Sozinhos não temos qualquer hipótese. Estando a região em geral, dotada de modernas acessibilidades, ainda com algumas falhas, instituições de ensino superior e centros de investigação e de interface como nunca teve, boas infraestruturas culturais e ambientais, centros urbanos atrativos, o grande desafio é o de travar este abalo demográfico catastrófico sobre Trás- -os-Montes e Alto Douro, é o de reerguer a economia, dois enormes desafios à inteligência e união dos Transmontanos e Durienses em primeiro lugar, ao governo do país pela obrigação de governar para todos com justiça e equidade, promover a coesão em beneficio de todos os portugueses, de nunca esquecer a história e contributo do povo transmontano. Não hesitemos, a situação de despovoamento e de envelhecimento populacional conduz a situações próximas do não retorno de muitas das nossas aldeias, coloca a maioria dos concelhos debaixo de elevada incerteza face ao futuro, em termos populacionais, económicos e de viabilidade administrativa. O centralismo acentuado das últimas décadas agravou todos os problemas do Interior, temos a obrigação de honrar e igualar a valentia de gerações de transmontanos, lutar por um futuro de esperança, exigir ao governo justiça e equidade. Não deverá ser assim na utilização das ajudas da União Europeia, através do Fundo de Resolução e Resiliência?

Presidenciais 2021, reflexão do dia seguinte

No domingo passado, cumpriu-se um momento único nas nossas vidas, pela primeira vez, votamos para as eleições presidenciais debaixo de regras duras de segurança, em Estado de Emergência e de confinamento, enquanto as primeiras linhas de combate, algumas já muito exaustas, prestes a fazer um ano no terreno, sem poderem ver os seus efetivos substituídos, continuaram a fazer o que é necessário fazer, para o bem de todos. É certo ser frustrante para os portugueses, verem nesta data, que Portugal se destaca a nível mundial pelas piores razões em termos de número de novos infetados e de mortes covid-19, por dia e por milhão de habitantes. Os profissionais de saúde são os que mais têm dado no combate à pandemia, resistindo heroicamente no serviço nacional de saúde. Independentemente da falta de lucidez no planeamento e na cadeia de comando, aos cidadãos em geral cabe a primeira das responsabilidades para travar as cadeias de propagação, respeitando as medidas preventivas e de segurança, não há lugar para a descrença. A responsabilidade cabe a todas e a todos os portugueses. Ao início da noite, a boa notícia foi a reeleição do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, ganhando em todos os distritos, com maior número de votos do que nas eleições presidenciais de 2016, apesar de a abstenção ter subido cerca de dez pontos percentuais, justificável pelo estado de exceção em que a campanha e a votação decorreram. Foram muitos os eleitores que não votaram por receio de contaminação, por falta de apoio na deslocação às mesas de voto, por estarem doentes ou em confinamento profilático, ou até por poucas vezes ou nunca, terem exercido um seu direito, também um dever de cidadania, o de votar. Mesmo assim, foram muitos, pensava-se que pudesse ser pior. Pena foi que, estando atacados pela pandemia há cerca de um ano, não tivessem sido tomadas medidas legislativas para, tendo por base a desmaterialização dos cadernos eleitorais, se pudesse evoluir para outras formas de votação, como o voto eletrónico, o voto por correspondência via postal ou informática. Foram tomadas algumas medidas possíveis, como o voto em mobilidade, o voto antecipado dos utentes das Estruturas Residenciais para Idosos, mas tudo muito em cima do momento, os resultados podiam ter sido muito melhores. É preciso avançar e fazer mais para o próximo ato eleitoral. Regressando aos resultados das eleições, concluo que os cidadãos votaram pela estabilidade política e governativa, reforçando o mandato do Presidente Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, dando mais margem ao Primeiro ministro, fizeram-no a pensar no primeiro de todos os desafios, o de vencer o mais rápido possível a pandemia, para de seguida empreender a urgente recuperação da crise económica e social. O resultado da votação assegura melhores condições políticas para a presidência portuguesa da União Europeia, para a preparação dos planos de investimento do Fundo de Recuperação e Resiliência, do novo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, ajudas da União Europeia essenciais para ajudar a retirar Portugal da profunda crise em que mergulhou, acabado de sair da crise financeira de 2009. A parte menos boa da eleição, a perda de representatividade política do espectro do centro direita democrático e a ascensão de forças não democráticas, cativando eleitores descontentes, desesperados com a falta de oportunidades, com a crise, com as desigualdades sociais e territoriais, com a pobreza, com o desemprego, com a falta de oportunidade para os seus filhos. A força eleitoral desta força populista e nacionalista é transversal ao mundo rural e urbano, sendo de pensar que os votos na direita populista não são todos iguais, muitos tem razões válidas para um voto de protesto, seja por serem deixados de fora dos benefícios do sistema, por a prática partidária ser cada vez mais restritiva e de privilégios, ou por muitas outras razões. Inteligente é compreender as razões e dificuldades destes concidadãos e encontrar soluções justas e solidárias que vão ao encontro das legitimas ambições destes excluídos, garantindo uma sociedade mais justa e inclusiva, devolvendo-lhes a esperança num futuro melhor. Os próximos desafios eleitorais e governativos, seja autárquico ou do governo nacional, podem ser muito mais exigentes, em coligações de governabilidade mais instável e de menor qualidade institucional. No distrito de Bragança, a votação no partido CHEGA! nas eleições legislativas de 2019 foi inferior a 1%, enquanto que a votação de André Ventura, líder do CHEGA! nas presidenciais foi de 17,59%, um crescimento surpreendente e que não poderá deixar de preocupar alguns autarcas e candidatos, uma vez que poderão ter mais um concorrente nas urnas. Aqui chegado fui levado a refletir sobre liberdade e justiça, conceitos abstratos que se referem a um estado ideal de interação social de equilíbrio e de respeito pelo direito de terceiros, bens imateriais frágeis, reguladores da humanidade, conquistados a cada dia num processo laborioso, com altos e baixos, nunca ganhos para sempre. Não é possível contentarmo-nos com o que já se obteve no passado, sim com o que podemos fazer a cada dia, construindo um futuro para todos, de liberdade, de justiça e de concórdia. Passamos por um momento excecionalmente difícil, é, nestes momentos que o homem se engrandece, recorrendo aos grandes princípios e valores, pensando no OPINIÃO bem comum imediato, nunca descurando o de longo prazo. Somos pessoas em plenitude, quando sentimos pertencer a um povo e, um verdadeiro povo não pode deixar nenhum dos seus para trás. Da “Encíclica Fratelli Tutti”, «… é grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia.». A liberdade, enquanto condição natural do ser humano, daquele que é livre de agir de acordo com a sua vontade, assumindo os atos praticados, respondendo por eles, perante a comunidade e a justiça, esta enquanto conceito que se refere a um estado ideal de interação social, de equilíbrio e respeito pelos direitos de terceiros, e a concórdia são condição essencial da comunidade, para a construção de percursos de vida com dignidade a que todo o ser humano deve poder aspirar, e que devemos promover e defender, para prevenir tempestades. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em 2013, para a proteção dos direitos e das liberdades fundamentais, pede-nos preocupação e atenção constantes, para que todos nos sintamos portugueses e europeus e que nenhum seja deixado para trás.

Bragança 25 de janeiro de 2021. Em homenagem a Teófilo Vaz

A Região Norte, o Plano de Recuperação e o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027

Na cimeira Europeia que decorreu de 17 a 21 de julho foram aprovadas as propostas do Quadro Financeiro Plurianual (QFP 2021-2027) e do Plano de Recuperação da economia da União Europeia (FR), propostas que somam o valor de 1,82 biliões de euros, repartido em 1,074 biliões de euros para o QFP 2021- 2027 e 750 mil milhões de euros para o FR, valor que reforça o orçamento global da União Europeia, como resposta excecional conjunta dos Estados-Membros, em circunstâncias extremas. A verba do QFP é atribuída sob a forma de subvenção ao investimento, com taxas de cofinanciamento variáveis, conforme a categoria de regiões nível NUT II e a sua duração em termos de execução da despesa vai até 31 de dezembro de 2029. A verba do FR inclui a parcela de 360 mil milhões, atribuída sob a forma de empréstimo por parte da Comissão Europeia, em nome da União, e a parcela de 390 mil milhões de euros sob a forma de subvenções/ fundo perdido, com taxa de cofinanciamento de 100%, sem exigência de contrapartida nacional. Os investimentos do FR terão como datas limite, para aprovação do financiamento dos projetos, 31 de dezembro de 2023 e para pagamentos 31 de dezembro de 2026. As propostas foram enviadas para avaliação do Parlamento Europeu e aprovação final e regulamentação subsequente. A decisão inclui a exigência de que no conjunto dos fundos, 30% contribuam para os investimentos da meta climática/objetivos de neutralidade carbónica em 2050. Em termos estratégicos, o Plano de Recuperação e Resiliência está alinhado com o Pacto Ecológico Europeu/Green Deal, a transição digital e recomendações especificas feitas a cada Estado-Membro no âmbito do Semestre Europeu. Também o Orçamento Plurianual reforça a ligação entre o Semestre Europeu e a Política de Coesão que assenta em cinco prioridades de investimento: Uma Europa mais inteligente; mais verde, mais conectada; mais social; mais próxima dos cidadãos. Até ao final da década, Portugal no conjunto dos dois programas vai poder aceder a uma subvenção global de 45,1 mil milhões de euros, a que acrescem 12,8 mil milhões por executar do atual Quadro Financeiro (PT 2020), o que perfaz a quantia de 57,9 mil milhões de euros, valor que não tem paralelo pós 25 de abril. Podem ainda acrescer 10,8 mil milhões de euros sob a forma de empréstimo, a pagar até final de 2058. Investir 57,9 mil milhões de euros no apoio à recuperação social e económica e ao investimento na economia do futuro, é um desafio gigantesco, sem paralelo na história recente. Fazê-lo de forma inteligente num intervalo de tempo curto, exige visão e estratégia para o país e para as regiões. Exige decidir com atitude e inteligência as prioridades políticas de investimento, executar reformas estruturais como referiu recentemente a Comissária Europeia Elisa Ferreira. A visão Estratégica para o plano de recuperação Económica de Portugal 2020-2030, de Costa Silva, é uma base de trabalho importante no sentido de ajudar a um entendimento sobre prioridades do país para a transição do modelo económico para uma economia competitiva, verde e inclusiva, no sentido de retirar Portugal da cauda da Europa. É um documento que exige uma análise mais detalhada de alguns problemas como o das assimetrias, da coesão e competitividade dos territórios do Interior. O país nas últimas décadas evoluiu muito, fruto do investimento público apoiado por fundos da União europeia, evoluiu bastante menos na economia, melhor dito, em termos comparativos regrediu, por isso se compreende a prioridade de utilização da maioria dos recursos na inovação e competitividade da economia num contexto de rápida transição à escala global, para não ficarmos ainda mais para trás. Mas, no investimento público há ainda desafios importantes, nos grandes investimentos estruturantes de apoio à economia, mas também em áreas da coesão social e territorial, designadamente na formação e qualificação dos recursos humanos, no sistema de saúde e no sistema social (duas das áreas prioritárias para defesa da vida e dignidade humana), na execução de infraestruturas sub-regionais de apoio à coesão competitividade territorial. Há problemas específicos no Interior despovoado, envelhecido e em desertificação que exigem respostas avançadas, de rotura em alguns dos instrumentos da política pública. Isto para dizer que, ao nível da política regional e das políticas sub-regionais, a Região Norte não pode abdicar de conceber e executar uma estratégia forte de mudança. Tem que ponderar os resultados alcançados nas últimas décadas, numa perspetiva e com um desígnio muito claro relativamente ao futuro. No quadro das políticas europeias, com apoio excecional da União Europeia, assumir crescer acima da média nacional, utilizando o seu elevado potencial de recursos económicos e de conhecimento humano, assegurando sustentabilidade, eficiência e equidade no uso dos recursos, garantindo coesão e competitividade à Região no seu todo e assegurar que após a aplicação da “bazuca financeira” de 20 a 25 mil milhões de euros, valor que a Região Norte deve reivindicar, e garantir que em 2030 deixará de ser a mais pobre de Portugal. A Região não poderá abdicar de dar um passo certo nas escolhas próximas para a equipa da presidência da CCDR-N, de exigir visão e compromisso com metas globais e setoriais, de fortalecer a cooperação estratégica através das suas instituições mais relevantes, entender-se sobre a estratégia da região, tendo por base o melhor que tem sido alcançado em diversos domínios e que tem sido muito, acordar sobre as melhorias a introduzir, definindo prioridades e novas orientações que possam contribuir para a mudança, garantindo uma efetiva e positiva cooperação na construção e execução de uma Agenda Estratégica Regional capaz de mudar a Região para melhor. Ao nível da NUT II e das NUT III é essencial aprofundar a visão sobre o caminho a percorrer, não querer fazer tudo de novo, trabalhar sobre o que tem sido feito e resultados obtidos, mobilizar as melhores competências, não deixando ninguém para trás, enfrentar de mãos dadas os próximos desafios. A título de contributo refiro cinco temas: 1 – Competitividade e Internacionalização da Economia – aumentar as exportações na gama dos bens e serviços de média a alta tecnologia, visto Portugal ser um país moderadamente inovador no contexto europeu; 2 – Prioridade para as agendas: da demografia e do despovoamento do Interior; das alterações climáticas e seu impacto no território rural e costeiro; da inovação digital, das cidades e territórios inteligentes; da energia e da transição energética; da sustentabilidade e da economia circular; 3 – Elaborar um Plano Regional de Investimentos, que considere os investimentos previstos no Plano Nacional de Investimentos e os investimentos regionais complementares em infraestruturas essenciais á competitividade da economia e á coesão regional, em áreas como as ligações fronteiriças e entre concelhos ainda em falta, a rede ferroviária e aeroportuária e as áreas prioritárias da saúde, do ensino e formação profissional e dos equipamentos sociais; 4 – O ordenamento e modernização da atividade agrícola e florestal acompanhado de um plano de investimentos, que inclua entre outros investimentos, o cadastro e o emparcelamento, muitas pequenas barragens e modernos regadios, o investimento no setor cooperativo e associativo. As explorações familiares são a realidade predominante nesta região de minifúndio, asseguram o povoamento do território, a biodiversidade e qualidade ambiental, contribuem para a economia, para o combate às alterações climáticas. Portugal com o meio rural despovoado e abandonado não será o mesmo, será mais pobre e com futuro mais incerto. 5 – Reforçar a política de Cooperação externa – em particular com a Galiza e Castela e Leão, concretizada de forma estruturada, mais estratégica e dirigida a áreas temáticas específicas. Aplicar até 2030 um pacote financeiro tão significativo e tão necessário, exige muita visão, prioridades estratégicas bem definidas, planeamento e acompanhamento feito de forma inteligente, competências fortes na gestão, o reforço de capacidades operacionais de execução dos investimentos, muito escrutínio público, maior confiança nos beneficiários públicos e privados e naturalmente o combate exemplar à fraude, considerando o avultado volume de recursos financeiros públicos em causa e tudo o que tem contribuído para empobrecer o país como as parcerias público-privadas e no sistema financeiro. Cada Sub-Região NUT III deveria poder contratualizar um envelope financeiro indicativo, incluindo verbas do QFP 2021- 2027 e do Fundo Recuperação, para execução de projetos prioritários e estruturantes do desenvolvimento, correspondentes às especificidades de cada uma das sub-regiões, capazes de fazer a mudança apoiando, a economia, o conhecimento, a qualificação dos recursos humanos, os serviços de proximidade, com metas bem definidas, alinhadas pelas prioridades regionais e sub- -regionais. Dou o exemplo de Trás-os- -Montes em que, para além das políticas correntes de subvenção e da necessária discriminação positiva no âmbito das ajudas da União Europeia, das medidas políticas especificas de combate à interioridade que deveriam ser decididas, é necessário, no peENSAIO ríodo excecional de investimento que se aproxima, assegurar a concretização de investimentos essenciais à coesão e competitividade como: i) – no âmbito dos transportes e mobilidade, a finalização de ligações fronteiriças (o IP2 e o IC5) para desencravar o Nordeste Transmontano na ligação à Europa; o IC 26, para internamente desencravar concelhos no Douro Sul; a eletrificação e expansão da rede ferroviária para o Interior Norte e ligação à rede espanhola; investimentos na rede aeroportuária regional, em Bragança e Vila Real, abrindo novas portas externas à economia, designadamente através do turismo; melhorar ligações essenciais entre concelhos como as de Bragança a Vinhais e a Vimioso ii) – No ordenamento florestal e agrícola, mobilizar terrenos com aptidão agrícola e florestal, através de um plano de investimentos para o emparcelamento e construção de muitas pequenas barragens e regadios eficazmente estruturados apoiando a viabilidade e sustentabilidade das pequenas explorações familiares e das estruturas associativas; dispor de um plano de apoio a uma estratégia de conversão sistemática da produção agrícola de Trás-os-Montes para a agricultura biológica envolvendo os produtos agrícolas de referência. iii) – É prioritário reforçar o sistema público de saúde, nomeadamente a ULSN com investimento que garanta a requalificação tecnológica e funcional do hospital e a construção de um edifico adequado para o internamento, a diálise e a saúde mental. iv) – no Ensino Superior, reforçar a capacidade e sustentabilidade dos Centros de Investigação da UTAD e do IPB, construir residências para alunos, construir novas instalações para a Escola Superior de Saúde do IPB (com uma nova valência de medicina); na formação profissional requalificar os Centros de Formação públicos para uma formação compatível com as exigências do mercado laboral em forte mudança. Referi de forma limitada em termos territoriais, investimentos necessários, que representam muito pouco face à dimensão da “Bazuca” para o investimento a concretizar no país, por isso, se em 2030 os investimentos referidos não tiverem sido concretizados, será caso para, com fundamento afirmar, que a voz política e reivindicativa de Trás-os- -Montes ficou ainda mais reduzida do que já é, as desigualdades ter-se-ão agravado e poder central esquecido ainda mais Trás- -os-Montes.