class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-editorial">

            

Editorial

É penoso, a raiar o ridículo, sentir a obrigação de retomar, a cada passo, um problema que devia estar resolvido há décadas, mas promete arrastar-se sem solução até que deixe de o ser, quando já ninguém tiver consciência dos seus efeitos trágicos para o país inteiro e para as gerações que lutaram para retorcer um destino que não mereceram.

Abascal surgiu do nada para liderar um grupo parlamentar de cinquenta e dois deputados nas cortes do reino vizinho, com arreganho e discurso cortante, a anunciar tempos de guerra política a sério, também nesta península que, num engano de alma ledo e cego, alguns quiseram ver a deslado da tempestade perfeita que avança, arrasadora, capaz de nos deixar de alma encharcada, enregelada, a pingar amarguras, com lágrimas e tudo.

Os dias vão de chuva, bem precisa era, que a água estará a tornar-se preciosidade capaz de fazer correr sangue nesta Europa do sul, adoradora do sol que a há-de secar, dizem alguns visionários sobre próximos futuros. Mas também há quem diga que um dia destes haverá gente a rezar para que não chova, que a invernia mexe-nos com os ossos velhos e acinzenta-nos a alma.

Já estávamos a habituar-nos a rever com bonomia os registos de discursos histéricos de Hitler, das estridências de Mussolini, dos tropeções de Trotsky ou das encenações que suportavam o orgulho de Estaline.  Não dávamos muita importância às multidões que os aplaudiam, vibrantes.

Num tempo em que as aparências invadem o espaço público, servindo para nos distrair da essência dos processos políticos, viveu-se verdadeiro frenesim com a divulgação, às pinguinhas, dos membros do novo governo.

O regime democrático português adoptou o método de representação proporcional de Hondt para apurar os mandatos de deputados. Percebia-se que assim se garantia mais autenticidade na expressão institucional das opções realmente existentes na comunidade e a consequente pluralidade na Assembleia da República, mas também nos órgãos deliberativos e executivos dos municípios.

Parece que já lá vai o tempo dos sistemas democráticos quase tranquilos, marcados por decisões pragmáticas dos eleitores, que não esperavam consumar na sua participação cívica as mudanças deleitosas para o seu ego, mas aceitavam que o mundo, com todas as agruras e desilusões, ali estava, para além da ponta do nariz de cada um.

O texto atribuído a João, o evangelista, que relata o sonho do fim do mundo, constitui uma peça literária que marcou gerações de cristãos, mesmo se não passaram os olhos pelo texto, ficando-se pelos ecos das pregações de profetas da desgraça, empenhados em convencer os outros de que a vida não passava de uma tortura, castigo adequado à simples aceitação da existência.

 

A informação livre é um dos esteios das sociedades democráticas, suporte de decisões dos cidadãos com a necessária autonomia, condição para o exercício da verdadeira liberdade política, uma referência civilizacional de difícil concretização porque também depende de factores que estão para além da racionalidade.
 

 

A relação equilibrada com a natureza é vital para que se mantenha expectativa de futuro longo e tranquilo para a humanidade.

Nós, por cá, somos pouco dados a pantominices e, por isso, dificilmente ficamos fascinados com protestos de arrependimento e promessas de nova atenção, que marcam as passagens apressadas dos responsáveis nacionais pelos caminhos desta santa terra, onde a dureza da vida nos tempera o corpo e a alma.

 

O conceito de Estado como entidade que exerce a soberania em representação da vontade de cidadãos livres e activos tem história breve. Se relembrarmos tempos medievais, iremos encontrar modelos de exercício do poder que se sustentavam na afirmação da força pura e dura, com os reis a reclamar como propriedade sua os territórios e as comunidades, às quais concediam ou retiravam direitos ao sabor dos seus desígnios, que não correspondiam aos interesses dos povos que governavam.