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ROMA NÃO PAGA A TRAIDORES - E Mirandela, paga?!

Não sei. A ver vamos, como diz o cego!
Para já, recuperemos a história que julgo todos bem conhecem e que se conta em breves palavras.
1ª Capítulo – Alguns séculos antes de Cristo vir ao mundo e nos ter legado a mais universal mensagem de fraternidade e recomendado a procura permanente da verdade e da coerência, no território a que hoje corresponde a península Ibérica, as legiões da todo-poderosa Roma, impunham pela força das armas aos povos locais, as suas regras, costumes e língua que como bem sabemos chegaram aos nossos dias. Todavia, à medida que avançavam para o interior montanhoso, as dificuldades aumentavam e a resistência local tornava-se mais violenta, destacando-se pela sua coragem e argúcia, Viriato o pastor dos montes Hermínios como nos ensinavam outrora na escola.
Goradas as muitas tentativas para submeter os aguerridos lusitanos, Roma ordenou aos seus governadores que procurassem negociar a paz, prometendo até a independência do território.
Para o efeito, Viriato nomeou três emissários da sua suposta confiança para assinar o acordo com o cônsul romano, mas estes rapidamente se deixaram subornar com ofertas tentadoras e a promessa de assassinar o seu líder.
E foi o que aconteceu!
Mais tarde, quando procuravam cobrar o prometido por Roma, os seus agentes não perdoaram ordenando a sua execução na praça pública acompanhada por cartazes onde se lia a mensagem que chegou aos nossos dias:
- Roma não paga a traidores!

2ª Capítulo - Mirandela,1 de Outubro de 2017, domingo de eleições autárquicas

No nosso concelho, o povo sábio e esclarecido soube dizer nas urnas o que queria e como queria ser representado no Município. Votou maciçamente para a Câmara Municipal e com surpreendente confiança para a Assembleia Municipal.
Não querendo “pôr os ovos todos no mesmo cesto” a fim de manter o equilíbrio político, deu maioria ao P.S. partido socialista na Câmara com quatro vereadores num total de sete, e deu maioria ao P.S.D. partido social democrata na Assembleia Municipal com 32 membros num total de 61, o que havendo coerência e continuidade lhe daria a mesa deste órgão autárquico.
Aguardamos tranquilos.

3ª Capítulo - Sendo do conhecimento público as tão insistentes quanto reprováveis tentativas de aliciamento junto dos candidatos do P-S.D., este reagiu reunindo para ouvir, mas não registar, os testemunhos de fidelidade aos mandatos que o povo eleitor tinha confiado aos seus eleitos, procurando desse modo assegurar a continuidade da presidência da mesa do órgão autárquico.
Foi gente, aparentemente dum “ só rosto e dum só querer”, como dizia o nosso Sá de Miranda, que gritou alto e emocionado a sua coerência e obediência ao voto que os Mirandelenses confiados, onde nós nos incluímos, lhe tinham depositado.
Despedimo-nos tranquilos!

4ª Capítulo - Mirandela, 21 de Outubro de 2017. Auditório Municipal,15 h.
Instalação dos novos órgãos autárquicos para o quadriénio 2017-2021
Como referi no início da sessão que me competia dirigir, o dia era festivo, de confluência, reconciliação e de união nas diferenças partidárias tendo no horizonte o superiores interesses da nossa cidade e concelho, deixando claro à nova presidente da Câmara a nossa colaboração leal, activa e atenta resguardada sempre pela nossa interpretação e consciência.
Demos um testemunho inequívoco de saber estar com elevação, seriedade e serenidade nos momentos solenes da nossa terra, recusando vindictas absurdas que não honram ninguém.
Realizada a votação por voto secreto para a mesa da assembleia, constatou-se que pelo menos cinco dos candidatos do P.S.D. a quem o povo tinha confiado a sua opção, transfugiram para o partido vencedor alterando assim o panorama que os eleitores tinham preferido. Ainda assim, fomos os primeiros a cumprimentar o novo presidente da mesa.
Descrevemos o episódio, mas por respeito dos conterrâneos e de nós próprios, não o comentaremos, reservando-nos o direito e o dever de o analisar tendo somente em vista a melhoria de funcionamento do Poder Local que com tais práticas fica perigosamente enevoado.
Estimamos sinceramente que cada um de nós durma sossegado no seu travesseiro e que o tempo, esse grande juiz como escrevia Marguerit Yourcenar, traga lucidez e ajude a branquear as decisões.
Continuamos tranquilos.

Vendavais - O medo saiu à rua

Depois de tantos acontecimentos horríveis que bafejaram este país de que muitos se orgulham, o melhor era vivermos uns tempos de paz e sossego sem preocupações de maior. O que se passou em Pedrogão e recentemente em Santa Comba Dão e Tondela, deveriam envergonhar-nos durante algum tempo e equacionar soluções para obviar idênticos sucedâneos. Contudo, parece que o governo, tão solícito a esse respeito, está um pouco confuso com as medidas que deve tomar futuramente. A verdade é que depois da reportagem de uma estação de televisão nacional desvendar a possibilidade de haver um Cartel do Fogo que esconde negócios de milhões e onde aparecem indícios de ligação do Estado a esse mesmo cartel, o assunto fica muito mais difícil de deslindar. Aliás não é nada que nós não soubéssemos ou pelo menos não desconfiássemos. Era impensável um fogo começar à meia-noite ou à uma da madrugada! Mas alguém viu caírem do céu, durante a noite, “pára-quedas” de fogo que, pendurados em ramos de árvores tratavam de atear mais um ou dois incêndios. E como as nuvens não trazem fogo desse género, também ouviram os motores dos aviões que passavam e atiravam esses presentes com objetivos bem específicos. A justiça anda de viagem. Possivelmente em algum cruzeiro lá para as bandas das Caraíbas! Deve ser difícil patrulhar os céus especialmente de noite! Francamente!
Infelizmente as coisas não pararam por aqui. As más notícias e o que nos chega a envergonhar tremendamente continuam. Mas não se trata somente de vergonha. O medo começa a espalhar-se por todo o lado e as pessoas receiam andar livremente por onde costumavam andar ou ir a locais que frequentemente serviam para espairecer, esquecendo os desgostos do dia-a-dia e os males do mundo. As recentes notícias divulgadas sobre agressões de jovens à saída de discotecas, sem motivos aparentes que as justificassem, levantaram uma onde de revolta nacional. Na verdade, os vídeos divulgados são de uma atrocidade tão grande que chega a parecer irreal que aconteça semelhante coisa. Mas aconteceu. Agora, a onda de revolta espera que os culpados sejam castigados. Severamente castigados. Mas, serão?
Tudo se complica quando se descobre que são os próprios seguranças que agridem quem lhes apetece, como se se tratasse de um qualquer jogo de vídeo game, onde o objetivo é descarregar toda a fúria no primeiro individuo que aparecer pela frente. Não há motivos. Há somente objetivos.
Perante tanta ineficácia da polícia, o governo viu-se na necessidade de intervir. Finalmente! Resta agora saber se a justiça consegue acompanhar esta vontade intrínseca do executivo e do Presidente da República. Aliás, parece que o motor da decisão saiu da boca de Marcelo que tem estado sempre na linha da frente nos assuntos mais prementes. A opinião do Presidente serve de mote às quadras do governo e a dança desenvolve-se de seguida.
O país viu completamente desagradado toda esta sucessão de notícias escabrosas. Está em pânico. Tem medo. Temos medo. Invisível, ou talvez não, ele está no meio da rua e pode atropelar qualquer um de nós que se cruze no seu caminho. Pior do que isso, é que ninguém está disposto a confessar o crime com medo das represálias veladas dos criminosos. Há vídeos dos crimes, mas ninguém se quer queixar. Há feridos, há quase assassinatos, internamentos em urgências, em cuidados intensivos, jovens em coma, mas não há que apresente depoimentos sérios que levem os criminosos à cadeia. Parece mesmo um jogo. Perde-se, volta-se a tentar desde o princípio até conseguir chegar ao fim. Ao objetivo. Já não bastam as ameaças.
Envolto em manta de medo e desassossego, o país vive sob a ameaça de represálias de indivíduos que, em vez de proteger os incautos, agridem os inocentes. Choram-se a cada esquina os mortos e os feridos. Não é para menos. A justiça não funciona. Se uns não têm medo, outros morrem de medo. Quando o país precisava de descansar do desgaste dos incêndios que assolaram o interior e destruíram vidas e bens, eis que surge, de modo diferente, outro tipo de ameaça, menos visível que o fogo, mas onde até se visionam os criminosos. E depois? Vale o que vale. Não serve de grande coisa. Prendem-se uns e deixam-se outros em liberdade. Os de Lisboa não tiveram tempo de fugir. Os de Coimbra foram de passeio, calmamente até Espanha ou França, visitar a família! São conhecidos, são reincidentes, mas a polícia não se quis meter com eles. Porquê? Por medo. Também eles! Claro. Não há dúvidas. A verdade é que o medo saiu à rua.

De Profundis

Repito-me sem tremor na altura do dia de finados. Agora, sem temor porque consegui saltar da barca de Caronte, a queda em consequência do aparatoso salto tem-me custado demorada convalescença e profunda reflexão acerca da finitude da vida.
Milhões de mulheres e homens desaparecem sem deixarem vestígio ao modo dos mortos desprovidos de moedas para pagarem a passagem na referida barca. A Mitologia é acervo de mitos, lendas, gestas e outras reminiscências dos nossos ancestrais, do seu estudo ganho saberes sobre o riso, a ironia, o sarcasmo, a comédia, o drama, a farsa e a tragédia. Todas estas versões teatrais estão impregnadas de dor, de sofrimento, de morte.
Na espuma dos dias de agora esconde-se a morte, o De Profundis é considerado tremenda maçada se dure mais de trinta minutos, a manifestação ou sinal de luto, disso retirei a prova-provada ao colocar em volta do pescoço uma gravata preta durante dois anos e meio após a morte do meu filho mais velho.
Fala-se na construção de um memorial a recordar as vítimas dos incêndios, ainda bem, no Largo do Principal em Bragança ergueu-se um obelisco a salientar os combatentes mortos no decurso da 1ª Guerra Mundial. Poucos caminhantes reparam no dito memorial, menos os que sabem qual a causa da nossa interesseira participação no cruento conflito.
Por obrigação do cumprimento do dever para com a Pátria, ao exemplo de tantos outros integrei um Batalhão de Artilharia no período da guerra colonial. Tive a sorte de regressar, milhares de camaras lá perderam a vida. As esporádicas manifestações de apreço pelo seu sacrifício sepultam na obscuridade o sentido patriótico, enquanto pululam os patrioteiros especialistas na obtenção de mordomias acrescidas de medalhas deixando os mortos ao cuidado das ténues labaredas no Mosteiro da Batalha. Discutir-se seriamente a Guerra Colonial só em Congressos também palco de vanidades, os morto em combate fazem parte da estatística explicada pelo sinistro José Estaline, Zé dos Bigodes da literatura neo-realista.
Em Bragança, em Trás-os-Montes, não faltam elementos iconográficos relativos à morte e a mortos que conseguiram salvar-se do anonimato, as suas representações deviam ajudar os professores a melhor explicarem os programas. Sim, eu sei, consagrar atenção à morte fora do âmbito individual pode merecer críticas, dizer-se ser ideia abstrusa, interessar em primeiro lugar a criatividade óbvia da vida, colocar nos braços dos poetas, dos dramaturgos, dos romancistas, dos escultores, pintores, e tutti-quanti das artes, da sétima, o tema da morte.
Discordo. Já escrevi, gosto de perceber as localidades visitando os cemitérios, uns simples, outros repletos de ostentação e bazófias. E, no entanto, todos nos ensinam.
Também a Antígona nos ensina a honrar os mortos ao tratar do corpo do seu irmão morto pelo irmão, numa luta feroz entre irmãos, cujo móbil era o trono de Tebas (julgo na errar ao escrever que o bragançano Paulo Quintela encenou a peça de Sófocles, e a vinhaense de Sobreiró de Cima, Elza Fernandes (Chambel, apelido do marido) interpretou brilhantemente a heroína capaz de enfrentar a lei dos cúpidos humanos, defendo o direito de enterrar condignamente o irmão que integrava o núcleo dos vencidos.
A História explica as causas de não haver piedade para os vencidos, no cromático México o dia da exaltação dos mortos é estridente, festivo, de «comunhão» com os vivos, para lá do espectáculo os vínculos com os desaparecidos são fortes, daí as garridas convivialidades.
No Ocidente a cultura do efémero não favorece a comemoração de efemeridades dolorosas, os ocupantes voláteis, inevitavelmente, o choque é inevitável, já nem aludo ao das civilizações, refiro-me à consequente perda de identidades levando à natural «desconfiança» entre os de ontem e os de agora. Ora, se as representações simbólicas da tristeza, do luto, da dor, da morte, são postergadas, cria-se uma animosidade muda a favorecer o corte epistémico favorecido pela dicotomia urbano/rural, idoso/jovem, mãos calejadas/mãos níveas, reserva/farândola.
O meu De Profundis principiou antes da evocação dos Finados, deixo neste artigo inquietações geradas pelas tribulações sofridas nos últimos tempos, não são desabafos, são as ditas inquietações a que procuro responder procurando consolo na leitura de meditações e aforismos de múltiplas latitudes e atitudes.
O dia está a esvaziar-se, a televisão transmite imagens de feroz violência numa rua de Coimbra, junto a uma discoteca lisboeta, o meu íntimo constitui o palco onde sou actor impotente contra as selvajarias e espectador de que gostava de tomar a seu cargo a aplicação da justiça e consolar os ofendidos. Debalde, fica a indignação a não turvar a imagem no espelho da consciência. De Profundis.