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Falai com os vossos filhos!

Conversando com as pessoas mais velhas, não é difícil descobrir que alguém, um parente direto mesmo; um avô, tio, tia, tiveram um passado perturbado, ou de órfão, ou que fora mais ou menos abandonado, e consigo hoje medir e sentir o peso do segredo, por vezes o poder da vergonha, as repercussões desta infelicidade sobre toda uma genealogia, quando tudo isso é silenciado. E digo para mim mesmo que se somente … essas crianças, esses adolescentes “assistidos”, esses jovens adultos tivessem tentado falar, ousado contar de donde vinham, o seu percurso, tudo aquilo que atravessaram, teria sido uma confissão, um diálogo aberto e um alívio para todos. E hoje sinto a vontade de dizer, a cada um de entre nós e quaisquer que sejam os passados, a família, o percurso, a cada um de entre nós apetece-me dizer: falai com os vossos filhos. Falai com os vossos filhos, dizei-lhes donde vêm, dizei-lhes que cada destino carrega a sua coragem, as suas feridas e a sua nobreza. Dizei-lhes que todos somos mais ou menos corcundas, que ninguém é verdadeiramente campeão, nem mesmo aquele que recebe medalhas, prémios, votos, não há ninguém sem as suas lutas nem derivas, toda a gente têm dúvidas e vacila, toda a gente um dia ou outro dança num só pé, perde o equilíbrio, toda a gente num momento da vida levanta os olhos para o céu e fica com vertigens, e treme e se agarra aos ramos, às convicções, ao apelo das sereias por vezes, aos falsos profetas e aos verdadeiros sábios. E seguidamente de tempos a tempos, também se escuta com alguma confiança, ouve os seus próprios murmúrios, as suas intuições e os seus desejos mais inesperados. E lança-se de corpo e alma na aventura duma vida. Falai com os vossos filhos, dizei-lhes que eles vêm de algures. Que desde sempre o homem viaja e passa e ultrapassa fronteiras, na alegria e na pena, legal ou ilegalmente, o homem procura sempre fugir para salvar a pele, reencontrar os seus ou descobrir o mundo, percorrer, escapar-se, evadir-se, quer-se e por vezes crê-se livre, e por vezes num instante de resplandecência e luz, é-o. Dizei-lhes que é o direito inalienável de cada ser humano de ser deste lugar e doutro mais, do mais distante dos traçados oficiais, das montanhas e dos mares, das pontes e das barragens, dizei- -lhes que somos todos de sangues misturados, todos o resultado de cruzamentos sucessivos e selvagens, incontroláveis, surpreendentes nesse aspecto, magníficos. Dizei-lhes que nenhum de entre nós nasce por acaso, mas sim pela surpresa, e que se alguns não foram desejados, a revolta é possível. Dizei-lhes que cada ser humano nasceu para nos surpreender, para nos mostrar algo diferente, e que com eles, construímos a fabulosa aposta da diferença. Dizei- -lhes que nasceram de relações apaixonadas ou aventurosas ou fugazes, ou brutais, arranjadas ou pouco razoáveis, mas que estão bem presentes, e que o mundo esperava por eles. Dizei-lhes que têm todo o direito de dançar nos passeios, de cantar à chuva, de seguir a sua própria melodia, a sua comédia musical mais íntima. Ensinai-lhes os contos, as fábulas, os mitos, e as lendas familiares também, contai-lhes, não são mentiras, são a trama do tecido duma família, dum grupo, dum casal, duma aliança. Sede generosos! Contai-lhes as epopeias, histórias de coragem e valentia. Contai-lhes os livros que vos transformaram, cantai-lhes as canções que ouvistes aos vossos pais, e antes aos pais deles, fazei- -os ouvir música, as narrações das quais são feitos os vossos sonhos, as utopias que nunca abandonastes, tudo o que vos embalava na vossa infância e adolescência, todos os possíveis, lembrai-o, encontrai o poder da exaltação. E depois dizei-lhes que são bonitos. Que não esperáveis tanto, que não esperáveis nada, mas que os esperáveis a eles. Dizei-lhes para não ter medo. Dizei-lhes que as contradições e reviravoltas da vida não são erros, que as hesitações não são fracassos, e que é preciso de tudo um pouco para fazer um mundo; solitários e chefes de fila, líderes e sonhadores, desertores e entusiastas, derrotistas e perfeccionistas, contemplativos, hipersensíveis, homens e mulheres de acção, maratonistas e apaixonados pelo vagar. Dizei-lhes que os amais. 

sem fim à vista

Com o Verão à vista e a praia à espera de muita gente, seria normal esquecermo-nos da guerra que assola a Europa e cujas consequências se vão espalhando rapidamente a todos os continentes. Já era tempo de acabar de falar da guerra, mas nada se consegue sobrepor a tão horrível episódio. Se Putin pensava que em sete dias dobrava a Ucrânia e prendia Zelensky, enganou-se e do mesmo modo também nós nos enganámos ao pensar que a guerra não durava tanto tempo. Durou, dura e vai durar e ao que parece Putin não está muito preocupado com esse aspeto. A única coisa que o incomoda é o facto de o ocidente não aceitar a sua supremacia militar e continuar a alimentar o exército ucraniano, fazendo prolongar o inevitável. Como isso é algo que não se resolve por vontade própria de um dia para o outro, resolveu mandar julgar alguns soldados do lado ucraniano, presos em combate e condená-los à morte como modo de pressionar o ocidente e conseguir troca de soldados ou, levantamento de sanções. Depois dos dois cidadãos britânicos e um marroquino terem recebido como castigo por combaterem ao lado do exército ucraniano uma condenação à morte, está já agendado um novo julgamento, também de um combatente estrangeiro, desta vez sul-coreano. E não se pense que isto foi obra do acaso. Não foi. Os dois cidadãos britânicos servem bem o seu propósito pois é um golpe em Boris que tem ajudado com tudo o que pode o Exército ucraniano neste combate desigual e o sul-coreano é só lembrar que a Coreia do Sul é aliada dos EUA e, por este meio, atinge Biden. Pior é que o caso vai ser ouvido na “república” popular de Donetsk, um território separatista controlado por forças russas e pró-russas e que apenas é reconhecido como Estado pela própria Rússia, ou seja, legalmente e internacionalmente, não existe já que continua a fazer parte integrante da Ucrânia. Por crimes de lutar como simples soldados ao lado da Ucrânia, os britânicos Aiden Aslin e Shaun Pinner e o marroquino Brahim Saadoun foram condenados à morte num julgamento que durou apenas cinco dias. Simplesmente absurdo. As Convenções de Genebra para os prisioneiros de guerra dizem que os combatentes não podem ser julgados por ter participado no conflito a ser julgado. O que fazer então? Como é evidente, a Grã-Bretanha já disse que iria fazer tudo para reverter a sentença dada, mas não será fácil convencer a Rússia de Putin a ceder, mesmo sendo em território que não lhe pertence, mas onde pensa que é dono e senhor. Será? Zelensky pode até abdicar da entrada na NATO, mas a sua entrada na União Europeia é coisa assente e vai rolando cada vez mais depressa. Com esse objetivo, reuniu-se mais uma vez com a presidente da Comissão Europeia em Kiev e voltou a frisar que é possível vencer a Rússia e que está muito mais em jogo nesta guerra do que apenas o futuro da Ucrânia. As forças russas tentam ainda capturar Sievierodonetsk, a leste, até agora uma das batalhas mais sangrentas no conflito de quatro meses. A verdade é que o Donbass está quase perdido. Facto a discutir é para quem vai ser o território. Será que a Rússia pretende apoderar-se dele? Não creio, até porque terá de o reconstruir já que destruiu todas as cidades e pouca gente lá tem. Para que serve? Só tampão? E se for para os pró-russos, onde têm dinheiro para a reconstrução? Vivem de quê? As fábricas estão destruídas, os prédios caíram com os bombardeamentos, os campos estão abandonados e os serviços não funcionam. Como vão fazer? A quem interessa a terra queimada? A par disto, os cereais continuam fechados em armazéns e sem solução de exportação enquanto meio mundo espera por eles e passa fome raiando uma crise alimentar sem precedentes. É triste como se pode ir tão longe! Isto é um verdadeiro crime de guerra. Para que nada fique esquecido, Volodymyr Zelensky, anunciou que Kiev pretende elaborar um “Livro dos Torturadores” com as informações recolhidas sobre os “crimes de guerra” que terão sido cometidos pela Rússia durante a invasão do país. O “novo livro” vai incluir “dados específicos sobre pessoas em concreto e que são culpadas por crimes violentos contra ucranianos”. Zelensky disse ainda que o documento vai ser “um dos fundamentos da responsabilidade não só dos perpetradores diretos de crimes de guerra, soldados do Exército de ocupação, mas também dos comandantes”. A intenção é boa, mas o resultado não altera nada porque nenhum dos responsáveis vai ser condenado efetivamente. Fica escrito no livro, mas será mais uma página da História, sobre as mais absurdas guerras da História. Entretanto a guerra continua e continuam a destruição, as mortes, as incertezas, a fome e tudo sem um fim à vista. 

Os médicos e a Ministra

É longa e brilhante a lista de médicos que apesar de todas as dificuldades materiais e das inclemências dos nove meses de inverno e três de inferno, dedicaram empenho, estudo, esforços, fazenda e fruição pessoal às populações em geral e às mais carentes em particular. Ainda agora quando evocamos apelidos de discípulos de Hipócrates: Abreu, Chiotte, Flores, Jota, L. Montanha, Moreira Pires, Moreno, Torres, a avalanche de imagens a recordar a sua constância na ajuda das criaturas das aldeias quais actrizes do fundamental filme de Luís Buñhel, Las Hurdes na qual a comunidade miserável da mais extrema miséria foi fixada para a posteridade embora o ditador por la gracia de Dios, tudo tivesse feito para lançar o precioso testemunho no alçapão da obscuridade. A aldeia das Hurdes tinha inúmeras réplicas nos concelhos nordestinos, contudo a maioria dos médicos ultrapassavam em dedicação ao povo patuleia (pata ao léu ou de socos) a figura de João Semana bonacheirão risonho. As coisas começaram a mudar após a inauguração do belíssimo Hospital projecto do arquitecto Viana de Lima. Surgiram mais médicos, novas valências, aumentaram-se os quadros de pessoal, no entanto, os filhos de Esculápio (Deus da Medicina) raramente conseguem atenção desinteressada, merecimento ajustado às suas responsabilidades e, mesmo no tocante a estatuto passaram à condição de operários especializados principalmente nos hospitais. Sem surpresa ou estupor de espanto a Ministra Temido adora dar ênfase ao apelido num reco-reco ora intimidatório, ora lamuriento, a gradação da voz vacila e vergasta conforme lhe favoreça o desempenho. Os dois últimos episódios estalejam como foguetório no arraial em honra do Senhor São Pedro orago da crescentemente minguada aldeia de Lagarelhos. Senão vejamos: Como quem quer apalpar o pulso aos doentes o Ministério da Saúde deixou (vomitou) a troglodita intenção dos médicos serem avaliados, e penalizados, caso as suas pacientes interrompessem a gestação das gravidezes ou as ajudassem na infertilidade. Ante o imenso clamor das descendentes de Lisístrata repudiando a voracidade selvagem da pretensão urdida no Ministério a Doutora Temido estremeceu salmodiando pedidos de desculpa com ar contristado, porém a contrição deu lugar a mandíbula cerrada como está a encarar de modo displicente o enorme aumento de infectados, internados e, óbitos, consequência do reavivar da pandemia, chamando à pedra os pacientes, exigindo-lhe o grosso dos cuidados a terem, minimizando a estatística, assegurando estar tudo controlado. A saúde e segurança são elementos estruturantes da sociedade a par da sonolenta e preguiçosa justiça, no entanto, a saúde é primacial na escala de valores de todos os cidadãos, daí o mal estar existente no sector, os sindicatos e as ordens apontam as falhas, as faltas, as fraquezas, a senhora ministra responde conforme lhe dá jeito, os vírus andam soltos quais cães perdidos sem ou com coleira a morderem crianças e demais pessoas, os micróbios assustam e matam, a DGS navega num mar encapelado, se o Troula de Vila Nova ainda estivesse entre nós acredito que dissesse de sua justiça sobre a varíola dos macacos pois no seu nariz os permanentes lampiões acolhia muitos símios que às vezes expulsava recorrendo ao lenço de cinco pontas, entenda-se os cinco dedos. O médico duriense Mário Monteiro Pereira, autor de vários livros relativos à saúde pública, aconselhou-me a seguir os preceitos dos médicos mente sã em corpo são. O médico atento observador da vida social caso volvesse neste tempo escorregadio de Tus e Mus ao sabor dos modismos não tardaria a verificar a degradação das mentes dado o caos que se vive nas urgências hospitalares não só nos dias de maior procura dos públicos, também no ram-ram diário recheado de maldições, queixumes e suspiros porque nas casas onde não hã pão… todos resmungam e todos têm razão. O livro O Médico e o Monstro, numa versão de Alfred Jarry, seria O Médico e a Monstra! PS. Para enfrentar as iras e ataques de desculpas farisaicas da Senhora da tutela sanitária aconselho vivamente a leitura de Rei- Ubu da autoria do citado Alfred Jarry.