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A INFLAÇÃO segundo Costa

O termo “inflação” deriva do latim inflatio de inflare com o significado de assoprar (flare) para dentro (in). Era um termo ligado à medicina, nomeadamente aos inchaços provocados por tumores e outros tendo sido apropriado pela teoria económica, nos Estados Unidos, em meados do século XIX para caracterizar uma desvalorização generalizada do valor do papel-moeda. Mais tarde o fenómeno evoluiu, ganhou complexidade e atraiu outros conceitos, mais intrincados e de difícil compreensão, na sua plenitude, por leigos como eu, como sejam “deflação”, “desinflação” e “hiperinflação”. Não tenho, obviamente, conhecimentos suficientes para discorrer sobre qualquer um destes assuntos. Seria pois, avisado, que não me aventurasse por esse labirinto onde, ao que nos é dado ver, nem os especialistas têm uma plataforma segura de entendimento unânime. O denominador comum passa pela aceitação de ser um conceito complexo, de origens variadas e de consequências, potencialmente, imprevisíveis, a primeira delas, a sua durabilidade no tempo, garantindo alguns ser temporária, enquanto outros afirmam, perentoriamente ter vindo para ficar. O melhor será manter a foice bem longe de tal seara. Porém... O primeiro-ministro, que também não é economista nem tem, ao que se saiba, reconhecidas competências na matéria, veio simplificar e elaborar sobre o conceito e sobre a forma de lidar com ele, em linguagem comum. Esta inflação, ao contrário da que nos afligiu, em décadas anteriores, não resultou da desvalorização da moeda, nem de fatores nacionais. Não é interna, foi importada. Implica, no imediato, como é natural, uma perda do poder de compra. A forma mais óbvia de o recuperar, ou minimizar, seria, naturalmente, aumentando os salários na devida proporção. “Não!” diz o primeiro-ministro. “O aumento dos ordenados irá provocar um aumento dos custos de produção que se refletirá nos preços dos produtos finais, contribuindo para o agravamento da inflação. Se o fizermos, estaremos a promover uma espiral inflacionária! Temos de evitar esse cenário.” Parece fazer sentido! Contudo... Tomemos como boa a explicação de Costa. Seguro é que a subida dos preços vai aumentar a receita fiscal. O Orçamento de Estado tem, pois, uma folga maior. Portanto, nada obsta a que os salários dos trabalhadores das áreas não produtivas possam e devam ser atualizados, sem contribuir com um cêntimo para a evolução da inflação. Médicos, professores, funcionários da Administração Local e Central... podem, sem qualquer risco, verem atualizadas as suas remunerações. É, precisamente, nesses, que o Governo pode (e deve) interferir diretamente. Quanto aos privados... Então o desígnio nacional não era abandonar a competitividade por via dos salários baixos e basear o PIB, cada vez mais nas exportações? Se a inflação é, essencialmente, importada, a atualização dos preços por via dos salários (que são mais baixos que os praticados nos competidores que importam) não comprometem a concorrência das empresas nacionais. Provavelmente as coisas não são assim tão simples... Mas, se não são, então não simplifiquem!

Desejos de primavera

Chegou desta vez no meio da chuva a que anuncia a epifania das cores; amarelas em primeiro lugar nas flores de forsítia, os pompons da mimosa e a trompete dos narcisos. Há já alguns dias, a primavera pinta de cor- -de-rosa as bochechas envergonhadas dos transeuntes. Agudiza o grito das crianças, assim como o passo mais largo dos que passeiam e acalma o passo dos namorados. A primavera, finalmente! A primavera, como uma embriaguez. Este ano mais do que nunca, sentimos subir em nós a jovem seiva, pretendemos ficar aturdidos. Eis-nos objetos consentidores duma metamorfose que toca tudo o que vive, tudo o que cresce, tudo o que vibra. A primavera, deleita-nos vê-la em ação, no poder arrebatador das tonalidades verdes por todo o lado em fusão, e a explosão vegetal dos rebentos. Respira- -se o seu perfume de violeta. Ouve-se no bico dourado dos melros, e no canto de tantos passarinhos irrequietos e velozes. A brisa larga da primavera arremanga-nos a alma. A transparência dos céus de abril dá- -nos uma leveza, parecidos às bolas de praia. Eis-nos ligados a uma realidade mais alta – o renascimento para o qual nos sentimos todos convidados, e ao qual condescendemos todos a partir dum novo fôlego. É que tudo se torna noutra coisa que aquilo é – uma promessa, uma subida, um regenerar completo. A primavera lembra-nos que a beleza da vida renascente duplica-se sempre de outra beleza, a que cria o jogo profundo das correspondências com a natureza, com toda a criação. Sente-se mais profundamente a oposição entre a noite e o dia, a relva e o gelo, as brumas e o sol, a vida e a morte. Ah, a primavera! Quanta felicidade na sua celebração por fim, deixar-se intoxicar pelo seu vigor. A primavera, esperamo-la contagiante. Pedimos para que dê aos que partiram para o combate em guerras absurdas o desejo bem mais vivo de se alegrar perante a vida que lhes foi concedida. Sonhamos que toque, pela sua juventude, tão tenra, dos soldados russos e que abandonem então, como quem deixa os sapatos à beira mar, as armas, os uniformes, que desobedeçam às ordens que recebem. Que a primavera lhes traga com a sua brisa leve algo da sua força, que perturbe os suspiros das namoradas tão longe no seu país. Que os contamine com a doçura dos sonhos, com as agitações da longa espera e do fogo do desejo de serem livres e felizes. Alguns de entre eles, pretende-se que já teriam sido atingidos, que se demarcaram da solidariedade com Putine. Apelam ao fim da guerra. Segundo um responsável da defesa, dois ou três batalhões “ teriam deliberadamente furado” os reservatórios dos veículos para evitar ir combater. Outros teriam sabotado os tanques. Outros teriam fugido das suas unidades para não disparar contra as melícias, prontas a defender até à morte a proximidade das maiores cidades da Ucrânia. Satisfaz-me dizer que no ressurgimento da primavera, na carícia dos seus mornos raios de sol, perante o trigo em erva ainda, outros soldados serão tentados a desertar e correr para a vida. Penso para mim próprio que foi por esta razão – convencer os soldados de que a primavera só pode ser a estação em que tudo é amor – que se apresentou este ano um dia mais cedo. O equinócio não aconteceu dia 21 de março como o anunciam os nossos calendários, mas sim dia 20 de março, às 16 h 33 exatamente. Foi nesse dia, a essa hora precisa, que o Sol se alinhou com o equador, com a perfeição que exige o equinócio. Mas porquê este desvio no calendário? A Terra gira à volta do Sol como um aro colorido à volta da cintura duma menina. E como acontece com o aro, a Terra escorrega por vezes um pouco mais e desvia-se da elipse perfeita do seu eixo. Estas fantasias giratórias perturbam as estações. “Temos de nos habituar. O fenómeno deverá durar muito tempo; a próxima vez que a primavera cairá dia 21de março, será em 2102, e tendo sido inventados os anos bissextos para corrigir estas diferenças horárias astronómicas, estes não poderão fazer nada”, dizem os astrónomos. 2102 ! Dentro de noventa anos! Terão ouvido bem os soldados que vivem e lutam hoje, a injunção de Vladimir Jankélévitch : « Não percais a vossa única manhã de primavera”.

Um homem que tem bombas atómicas no cérebro

A guerra é, por certo, o mais complexo fenómeno social, porquanto, para lá de ser absolutamente irracional é eminentemente niilista, sendo que o seu impulso determinante é, por regra, individual e não colectivo, contrariamente ao que se faz crer, pelo que reduzi-la ao domínio da geopolítica é limitar a sua mais profunda compreensão. Assim melhor se compreende que os conflitos armados de maior dimensão que a História Universal regista foram determinados, em última análise, por verdadeiros génios do mal, dada a crueldade, a despiedade e a falta de escrúpulos com que prepararam, treinaram e lançaram as suas hostes no combate. Assim foi no passado distante. Basta lembrar, para tanto, o papel decisivo de alguns mal-afamados matadores como o huno Átila (400-453), o mongol Genghis Khan (1162-1227), ou turcomano Tamerlão (1336-1405). Também na História moderna não faltam exemplos de famosos assassinos em massa, com destaque para o russo Josef Stalin, de cujo curriculum constam 20 milhões de mortes, do alemão Adolf Hitler que foi o primeiro responsável por outros tantos milhões, ou do chinês Mao Zedong que bateu o record com 60 milhões. Por outras palavras: estes medonhos carniceiros tiveram o ensejo de se aproveitar de circunstâncias históricas, sociais e geopolíticas propícias para fazer valer o seu génio sinistro, que era determinado por punções mentais assustadoras. Assim é que Mao Zedong que tinha no coração a grande China imperial, estava determinado a matar Deus, para tomar o Seu lugar, à semelhança de Josef Stalin, que amava a grande Rússia imperial. Já Adolf Hitler tinha no cérebro o nacional-socialismo, vulgarmente conhecido por nazismo, e no coração a supremacia da raça ariana, razões determinantes, mais do que as económicas ou geopolíticas, para desencadear a terrível catástrofe que foi a II Guerra Mundial. Uma nova figura, igualmente sinistra, se junta agora às atrás referidas: o russo Vladimir Putin que tem bombas atómicas no cérebro e pouco mais, o que o leva a cuspir ameaças de guerra nuclear por dá cá aquela palha, determinado a fazer ajoelhar meio mundo ante o seu renovado império soviético. Foram estas as verdadeiras razões, de resto, que levaram Putin a ordenar a cruel agressão, não declarada, à Ucrânia, uma nação independente e democrática, da mesma forma que envolveu a Rússia em várias outras guerras desde que se assenhoreou do poder, algumas das quais foram autênticos massacres, que não distinguiram militares de civis, como aconteceu na Chechénia, em 1999 e na Geórgia, em 2000. Claro que Putin, antes de se meter nessas sinistras aventuras, estabeleceu uma pérfida teia de prosélitos e colaboradores no chamado Ocidente, com realce para todos os que se esforçam por matar a democracia a golpes de foice e martelo para em seu lugar estabelecer a ditadura comunista. Até mesmo no insignificante Portugal instalou os seus tentáculos a nível de certas câmaras municipais e nas mais altas estâncias políticas e militares, como tem vindo a ser noticiado pela comunicação social. Não será de estranhar, por isso, que os seus mais fiéis defensores atribuam aos americanos e à NATO as culpas da invasão da Ucrânia, o que não deixa de ser paradoxal porque isso poderá significar que Putin está ao serviço do Ocidente o que não é de todo verdade. Bem pelo contrário. Mais lógico seria, isso sim, que sem rodeios nem subterfúgios, declarassem a invasão da Ucrânia como um ataque alargado ao Mundo Livre que, no seu entendimento, anda prenhe de misérias e pecados, o que não deixa der ser verdade. Só que as fraquezas e ruindades do Mundo Livre, todos os que nele vivem as conhecem, podem e devem denunciar e combater democraticamente. Enquanto os terríveis malefícios dos regimes autocráticos, como é o ditador Putin, apenas aqueles que os sofrem na pele e no espirito, os conhecem verdadeiramente mas não os podem, de nenhuma forma, combater. Dramático será concluir, por tudo isto, que a III Guerra Mundial, inexoravelmente nuclear, sempre será um perigo eminente enquanto Putin estiver no poder. Agora a propósito da Ucrânia, mais tarde por causa de outra qualquer guerra que o déspota tenha no seu programa. Isto se, entretanto, Putin sobreviver a Putin.