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Ouvir a música e viver a vida

No meio de um restaurante, um grupo que não devia exceder os dez elementos (até porque isso tudo está proibido) almoçava e ria. De repente, passa um bolo com duas velas espetadas, vi eu da minha mesa. Um dos elementos fazia anos. Em poucos segundos, o grupo entoou o “parabéns a você” com vontade, e, para meu espanto, afinadinhos e com alguns bons cantores. Foi bonito de ouvir. Logicamente, como em todos os grupos de amigos, há sempre um ou dois engrançadinhos que cantam propositadamente fora de tempo e de forma estranha. É isto a vida, no fundo - tudo afinado, mas, de repente, há algo que estraga aquilo que, hipoteticamente, poderia ser a perfeição. Há quem defenda, certamente, que é impossível atingir a tal perfeição. Porque nunca nada é perfeito. Porque ninguém é perfeito. Eu cá acho que estão é a levar demasiado à risca a definição de “perfeição”. O problema, tenho chegado à conclusão, é que na vida é tudo circunstancial. Durante anos quis acreditar que não. Que era sempre possível adaptar, contornar o que seria mais fácil, mais óbvio. E viver aquilo que realmente nos faz felizes, dando chances ao que, por força das circunstâncias, acabamos por deixar passar. Parece que já ninguém luta contra as circunstâncias. Que, simplesmente, se fica rendido ao que está à frente do nosso nariz e se ignora todo o mundo à volta. Estamos a caminhar pelos trilhos da cobardia, do mais fácil e, muitas vezes, da hipocrisia. Batemos no peito, dizemos que somos frontais, boas pessoas. Mas, será? Em tempos de ghosting, hauting e benching, diria só que somos egoístas. Voltando à analogia com os cantores no restaurante, ninguém espera para ouvir a música até ao fim. “Ah, estão a cantar os parabéns. Sei de cor. “, e seguimos, sem sequer olhar para trás. Dizemos que vamos estar sempre lá, para o que for preciso. Será que vamos honrar? Se pedirem para nos descrevermos, diremos maravilhas de nós. Parecemos unicórnios - seres que não existem. Tão bons, com tantos feitos alcançados, sempre sofridos e à espera de poder dar o nosso melhor ao outro. É mentira. Estamos só à procura de validação e de bajulação. De uma massagem no ego. Até que deixa de dar adrenalina (o que passa muito rápido) e vamos à procura da próxima injeção, sem pensar no caos que criámos, qual elefante a andar numa loja de cristais. Afinal de contas, quem quer saber? Não é problema nosso, nunca prometemos nada. Nunca levámos a sério. Por toda a gente que deixa as canções a meio e anda sempre a saltar as faixas da playlist porque já conhece tudo, apreciei aquele momento dos parabéns afinadinhos, e dos amigos a fazer piadolas. E foi divertido. Mais pessoas aplaudiram o momento no final, endereçando felicidades ao senhor Adérito (o aniversariante). Foi bonito, também. E, lá no fundo, fiquei a pensar que a vida seria perfeita se deixasse de ser circunstancial, baça, previsível. E passasse a ser aquilo que nós quiséssemos, ao som da música que nós próprios escolhêssemos trautear.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos- OS LEDESMA - Família e Mobilidade: António Manuel de Lima, advogado.

Jerónima Ledesma e Fernando Fonseca tiveram uma filha que nasceu em Bragança, por 1683 e foi batizada com o nome de Maria da Fonseca. Esta casou com Manuel Rodrigues Lima, também nascido em Bragança, pela mesma altura. Na sequência de mais uma investida da inquisição, Manuel Rodrigues Lima foi-se apresentar-se em Coimbra onde foi ouvido, admoestado e mandado regressar a casa. O mesmo caminho e idêntico procedimento foram seguidos por Maria da Fonseca. Sobre Manuel Rodrigues Lima, diremos que era filho de José Rodrigues Lima e Maria Henriques, família radicada em Mirandela, com fortes ligações a Vinhais. Manuel Rodrigues e Maria da Fonseca tiveram vários filhos, mas só dois chegaram à idade adulta. O mais velho, nascido por 1711, chamou-se José Rodrigues Lima, como o avô paterno. Seria um homem com bastante relevância na sociedade Brigantina, pois ocupava o posto de Capitão de Ordenanças, geralmente disputado por gente da maior nobreza cristã-velha. No entanto, ele teria perfeita noção dos perigos que corria, em matéria de fé, pois que em 6.8.1749, decidiu apresentar-se na inquisição de Coimbra. Mandado de regresso a casa, foi chamado em Abril de 1754 para ouvir sua sentença e abjurar de seus erros. Foi casado com Isabel Perpétua Rosa, de uma família bem martirizada pelo santo ofício. Com efeito, Jerónimo José Ramos, irmão de Isabel, seria um dos últimos, senão o último judeu brigantino a ser queimado nas fogueiras da inquisição de Lisboa, em 1754.  António Manuel de Lima, o outro filho, nasceu em Bragança, por 1718. Completados os estudos preliminares, em Bragança, rumou a Coimbra a estudar Leis. Concluído o curso, o jovem advogado, “por se achar com algum dinheiro e viver na lei de Moisés, e lhe dizerem que, em Londres, havia liberdade de cada um viver na lei que queria”, para ali embarcou e por lá ficou durante 6 meses frequentando a sinagoga para aprofundamento da lei mosaica e fazendo-se circuncidar.  Este seria o objetivo principal da viagem, como ele próprio referiu, deixando entender que a sua formação e entrada na vida ativa e adulta impunha a circuncisão, ritualidade essencial para ser judeu. Aliás, em Bragança esta ideia seria corrente e são conhecidos bastantes casos de homens que foram circuncidar-se lá fora e voltaram à terra, geralmente fazendo algum proselitismo. Foi o caso de José Rodrigues Mendes, morador na Rua Direita que, em Bragança, foi educado por “judeu de nação” e depois se dirigiu a Londres para ser circuncidado, tomando o nome de Moisés Mendes Pereira. Regressado a Bragança, dava informações sobre o que lá vira e como ali se vivia. Contou, por exemplo que ali encontrou Francisco Lopes Franco, filho bastardo de Baltasar Lopes Franco, capitão de ordenanças de Chacim, e de uma cristã-velha e que, por isso mesmo, por ser meio-judeu, teve de ser purificado com muitos banhos e cerimónias, para ser admitido na sinagoga e circuncidado. Falou também de outros Brigantinos que encontrara em Londres, nomeadamente os filhos de André Lopes da Silva; a família Costa Vila Real, cujo líder era João da Costa Vila Real, que foi circuncidado aos 73 anos de idade; Luís de Sá, porteiro da sinagoga da Bevis Marks, casado com de Ester Sá e seu irmão Alexandre, aliás, Abraham de Morais, casado com Mariana (Sara) da Costa Vila Real; António Mendes Álvares, filho de Gabriel Álvares Lotas, casado com Maria Josefa. Mas não era só a Londres que iam circuncidar-se. Também a Livorno, aproveitando muitas vezes a viagem a Roma onde iam buscar um documento da Cúria Papal que lhes permitia casar-se dentro da família, com tias ou primas. Veja-se, a propósito a seguinte declaração feita pelo médico brigantino Francisco Furtado Mendonça: - Disse que havia 24 anos, em Bragança, em casa de Francisco de Almeida, meirinho do assento, ausente em Génova, e que o mesmo se circuncidara em Livorno e que tinha livros impressos na Holanda, enviados por judeus daquela sinagoga e deles formava cadernos de calendários para observância das festas, os quais distribuía pelos cristãos-novos de Bragança e lhos deu a ele, médico, para se servir deles  Também por Livorno, a caminho de Roma, passou e lá se demorou José Rodrigues Gabriel, que, mais tarde. Contou aos inquisidores: - Há 34 anos, em Livorno, em casa de Gabriel de Medina, natural deste reino, homem de negócio, entre práticas ele lhe disse que para seguir a lei de Moisés tinha que se circuncidar, e com efeito ele se circuncidou na casa do mesmo, dali a poucos dias, para cujo efeito veio um cirurgião que o cortou na presença do mesmo Gabriel de Medina e outros 4 judeus, que ele não conhecia. António de Morais, esse foi circuncidar-se a Bayonne, em França, onde tomou o nome de Jacob de Morais. Regressou a Bragança onde era torcedor de seda, e foi preso, em 1718, quando contava 30 anos. Veja- -se a sua confissão: - Haverá 7 anos que se mudou para Bayonne e que o circuncidou em casa dele réu um judeu francês chamado Samuel Talavera e lhe puseram o nome de Jacob e pelo tal nome foi tratado e conhecido pelos judeus e ali fazia a guarda das cerimónias da lei com Lopo de Mesquita, torcedor de seda e hoje se chama Abraham de Mesquita, tendeiro, natural de Bragança e com Salvador Mesquita, filho deste, tratante de chocolate, casado com uma filha de Mécia de Morais e hoje em Bayonne se chama Isaac de Morais. Voltemos a Londres, ao encontro de António Manuel Lima que ali terá contactado com alguns familiares fugidos da inquisição, muito em particular Abraão Mendes Campos, aliás, Diogo de Campos Pereira, natural de Lebução. Diogo era também formado em direito por Coimbra e, por 1720, morava em Lebução, casado com Clara Maria de Mesquita Campos, que, em Londres se fez judia e tomou o nome de Sarah Mendes Campos. Diogo, aliás, Abraham, tinha 5 filhas, uma das quais se chamou Teresa Maria de Campos, que casou com Baltasar Mendes Cardoso. O casal teve vários filhos e duas filhas. Uma delas, batizada com o nome de Rosa Maria de Campos, casou com Francisco Rodrigues Álvares, que faleceu no terramoto de 1755. A outra, Josefa Teresa, foi casada com José Álvares de Lima, irmão do anterior e ambos primos de António Manuel de Lima e de Baltasar Mendes Cardoso, pai das mesmas.  Pois, é bem possível que tenha sido em casa deste seu parente, Abraão Mendes Campos que, em 1740, o jovem advogado António Manuel de Lima, se tenha hospedado, prolongando-se a estadia por meio ano. Em Londres passou a Páscoa, confessando ele que a “celebrou por dois dias, comendo neles pão asmo e um cordeiro”, como a lei de Moisés determina. Quatro anos depois, em Agosto de 1744, vivia já em Lisboa o advogado Lima, quando, em Londres, faleceu Abraão Mendes, tendo feito testamento no dia 20 do mês anterior. E nesse testamento, incluiu a cláusula seguinte: - Item, deixo e lego a Branca, filha de José Rodrigues Lima, de Mirandela, cinquenta mil réis.  Não pudemos exatamente situar este José Rodrigues Lima na árvore genealógica dos Lima, de Mirandela. Sabemos é que estava casado com Violante Pereira, irmã do testador, Abraão Campos Pereira. E sabemos também que aquele José Rodrigues Lima e Violante Pereira, sua mulher, para além da Branca da Silva contemplada no testamento do tio, tiveram um filho chamado Alexandre Pereira que casou com Luísa Maria Bernarda, filha de André Lopes dos Santos, da família Raba.  Em Lisboa, regressado de Londres, António Manuel Lima empenhar-se-ia na divulgação dos seus ideais religiosos e catequização na lei de Moisés, como se depreende da seguinte confissão de André Lopes dos Santos (Raba): - Disse que indo a casa de António Manuel de Lima, que mora por detrás da igreja de Santa Justa (…) e estando ambos sós, puxou o dito António Manuel Lima de um livro que lhe disse que era a Sagrada Escritura e que cuidasse bem em que Deus sempre era Deus verdadeiro e que ele fora circuncidado em Londres, havia 10 anos, por isso não lhe faltava Deus, antes o favorecia muito…