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Rescaldo das eleições

O povo é sereno ouviu-se no decurso de gigantesca manifestação a favor da liberdade de expressão, contra uma tentação de deriva autoritária cuja génese era o totalitarismo, o povo que só vota bem quando vai de encontro aos nossos gostos e interesses, nas eleições do passado dia 6 de Outubro voltou a votar bem castigando quem tinha de ser castigado, colocando no caixote do lixo da história os merecedores de caírem na obscuridade, premiando aqueles que no seu entender deviam ser premiados.

O leitor dirá: isso do povo votar sempre acertadamente é uma burrice do tamanho da légua da Póvoa, lembrando a eleição democrática de Hitler e muitos mais facínoras de igual quilate. Tem razão o leitor, no entanto, na génese a enorme maioria dos votantes estava exausta – inflação ao nível da de Maduro nos tempos correntes, desemprego, logo aumento galopante de todas as chagas sociais a ele associadas, e acima de tudo o profundo sentido de humilhação imposto ao povo alemão na sequência do Tratado de Versalhes, conduziram ao desastre, no tocante ao exame de 06 de Outubro resulta a eclosão do Chega, do Livre, do Iniciativa Liberal é o rebentar da borbulha de insatisfação devido aos casos de corrupção, ao pachorrento andar da justiça, ao tom e som das redes sociais, sem podermos esquecer o aumento de eleitores vindos de outras paragens filhos em qualquer surpresa o Matusalém da política portuguesa Pedro Santana Lopes ficou arredado do cadeirão, recebendo do povo o merecido pagamento vindo da bolsa justiceira dos romanos, Roma não paga a traidores, ou seja nada.

O Menino Guerreiro no distrito de Bragança ficou atraso do falecido MRPP e dessa caricatura partidária denominada RIR, os dirigentes do Aliança meteram-se num bote em tempo de seca imitando os habitantes de uma aldeia do concelho de Vinhais a quem se atribuem episódios hilariantes que fazem parte da vulgata de disparates ditos e praticados pelo Homem. Se persistir o bom senso, ao contrário do preconizado pela criatura Relvas, tais pessoas não devem ser aceites estilo filho pródigo se pretenderem regressar ao partido laranja.

O partido laranja averbou uma derrota no prélio do dia seis, felizmente, longe das proporções vindas da boca de Montenegro pretendente ao lugar de Presidente do PSD, os antigos apoiantes do gloriosamente derrotado Santana ganham se pensarem com a cabeça em vez de pensarem com o coração caso pensem em votarem no gritador advogado em Espinho e que nos últimos meses esteve a estudar em Paris, não sei se na mesma Escola frequentada por José Sócrates.

Não vou repetir o escrito e publicado no Público do dia 12 por Pacheco Pereira, avivo as advertências de Manuela Ferreira Leite vítima de Passos Coelho e Comandita, o PSD caso queira ser a Fénix Renascida tem de dar voz e palco aos militantes desprovidos de más qualidades, bem implantados socialmente, profissionais qualificados, habituados ao fazer/fazendo superando barreiras e dificuldades de toda a monta. A eleição de Isabel Lopes (a quem dou parabéns) é a prova provada do eleitorado entre os 30 e 45 anos, detentor de formação superior, preferir o PSD aos socialistas, o resultado saído das urnas o evidenciou.

Na crónica «À boca das urnas» defendi a tese de o PCP vir a ser na próxima legislatura o interlocutor mais fiável do Partido Socialista. Mantenho essa tese. A lamber as feridas resultantes do desaire, os comunistas e a Intersindical vão dosear a agitação sem colocarem em causa o essencial até repararem as brechas, o acessório rugirá tocando o bombo e ferrinhos. A beata (VPV) Catarina perdeu intonações, entenda-se, perdeu mais cinquenta mil votos.

O verão em parábola

Os rostos das pessoas, como as folhas das árvores, começam a ficar mais manchados, pálidos e tristes. É o verão e o sol que nos estão a fugir. Que fizemos nós, que travessias fizemos nós neste verão e que desejávamos tão impacientemente? Há poucas semanas atrás, esperávamos ardentemente o tempo do calor e do descanso. Desejávamos o sol. Espreitávamos os sinais do verão. Ora, muitas vezes faltam-nos os sinais, pensamos nós. Os sinais que confortariam os nossos desejos, que reparariam os nossos erros, que preencheriam as nossas necessidades ou que viriam apaziguar as nossas preocupações. Acabámos por deixar de ver os sinais que entrevíamos impacientemente e por confundi-los mesmo com o objeto dos nossos desejos. Não é o verão que nós esperávamos mas tão somente a excitação das nossas angústias, das nossas dúvidas e insatisfações. 

Há uma estranha e breve parábola no evangelho, a dita da figueira, que faz parte duma série de parábolas extremamente fortes sobre a iminência do fim dos tempos. Jesus confiará aos seus apóstolos: “A minha alma está profundamente triste até a morte” (S. Marcos 14, 34).

Qual é o objeto da nossa espera? Qual é o significado da nossa impaciência na descoberta das provas daquilo que esperávamos ver realizado? “Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já o seu ramo se torna tenro, e brotam folhas, bem sabeis que já está próximo o verão” (S. Marcos 13, 28). Na realidade, o sentido que parece emergir é que temos à frente dos olhos os sinais que tanto receamos não ver. E é para nos perguntarmos se não tememos mais ainda a identificação dos nossos próprios desejos.

Alguns rebentos, algumas folhas novas. O verão aparece com toda a sua esperança. Mas nós preocupamo-nos em saber, em compreender… Ora o resultado não será o que nós esperamos. A nossa inquietação não deve ser o conhecimento do que vem, quando e como, mas sim acolher o que vem. Preferiria dizer que há duas naturezas de conhecimento, um que não passaria da impaciência de saber e que viria preencher uma necessidade qualquer, dissipar um segredo ou um mistério, e a outra que consistiria em acolher em nós precisamente o que não conhecemos, o que esperamos mas sem querer forçosamente retirar-lhe o mistério, a parte de sorte ou azar. Nem que para isso seja preciso atravessar “esta profunda tristeza”.

Vemos por nós-mesmos que o tema da nossa espera foge aos sinais visíveis e previsíveis. Queremos a toda a força verificar os sinais das nossas expetativas, tendo-os diante dos nossos olhos e que de certa forma vemos sem ver.

Oh meus amigos, devemos agir com aquilo que muitas vezes não compreendemos, com aquilo que nos foge. E devemos talvez aprender a resistir ao querer “saber tudo”. O que não significa cultivar a ignorância ou o segredo, mas mais autenticamente viver com uma parte de desconhecimento das coisas, sem a qual nenhuma procura, nenhum desejo seria digno de interesse. Muitas vezes, a nossa espera por sinais e significações é tal que a mesma faz obstáculo em nós ao que surge, ao que é novo. Como a nossa paixão insaciável pelas origens.

Pelos vistos mais de oito milhões de pessoas pelo mundo já testaram o seu ADN, para ter a confirmação das suas origens, interrogar um segredo de família, prever uma doença… de que verão desaparecido para sempre somos nós feitos? Lembro-me duma Torre Eiffel dentro duma bola em vidro cheia de partículas brancas que parti em pedaços quando era criança, querendo desvendar e compreender o acontecimento, como era feita. Percebo só agora que as nossas vidas não passam destes pequenos objetos que se partem quando queremos compreendê-los e saber como é que são feitos.

As nossas vidas não passam da montagem destes pequenos pedaços em aparência tão frágeis, tão íntimos, e destes momentos esperados, desejados, em que convocamos e contamos um por um certos fenómenos que não são mais do que as nossas interrogações e hesitações perante o que nos acontece ou que nos foge, e que desaparecem com o tempo e o vazio das coisas como dos seres, sem nunca ter a certeza das convenções para os suster e exprimir claramente. É verdade, o verão fugiu-nos mas algo se passou. E ainda não temos forçosamente o conhecimento disso. E espreitamos novamente os sinais. Continuamos a caminhar sobre os pedaços de vidro dos nossos segredos e das nossas esperanças.