Armando Fernandes

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Comboios

A férula editorial da Directora deste semanário, referente à prometida volta do comboio a Bragança sem os pagadores de promessas há muito tempo ridicularizados ante o despautério de mentirem com todos os dentes que têm na boca incluindo os cariados, daí só galã Américo Coimbra as pagou, bem como o abalizado trabalho do Engenheiro António Jorge Nunes, sobre o mapa ferroviário buliram na minha memória, por durante alguns anos, ter morado a menos de 100 metros da passagem de nível sem guardas da rua da Boavista. As idas e vindas pela linha ferroviária até à Escola da – Estação –, quando necessitava de recompor o pecúlio de caricas bem espalmadas, colocava-as nos carris a fim da locomotiva a carvão as esmagar, além de o comboio ser fidedigno meteorologista invernal no que tange a tempo chuvoso, pois relativamente a nevões a máquina arfou, arfou, até sucumbir nas bandas de Rossas, obrigando os jornais a concederem-lhe chamada nas primeiras páginas para gáudio do Senhor Abel Monteiro correspondente de jornais lisboetas. O comboio assumia sem reservas o papel de «autocarro» escolar entre Bragança e Salsas, daí as estrídulas farras dos estudantes, uma das quais correu mal ao equilibrista Aragão que ficou com a testa abaulada por ter chocado com um poste de ferro da sinalização do Tró-fa-fafe. O Aragão sobreviveu, o Doutor Videira Pires fez votos para o sinistrado ser contemplado com algum juízo. Não sei se foi bafejado com o desejo do orador sacro, a última vez que o vi há largos anos foi no Bairro Alto em louçã companhia. Por nás-e-nefas utilizava amiúde o comboio, as viagens até ao Porto, valiam mais do que o compêndio de Geografia, dizia (e bem) o saudoso Dr. António Lopes Saldanha vivo retrato de pedagogo da Escola Formal para azia dos professores empertigados das públicas virtudes e vícios privados. Falar das virtude e vantagens dos transportes ferroviários é assunto estudado por especialistas de todos os quadrantes, abordar a sua importância no desencravamento do interior, o Engenheiro Jorge Nunes integra o núcleo dos Mestres que sabem, já os decisores políticos entenderam suprimir os comboios no Nordeste e noutras regiões. Nassa altura desempenhava as funções de deputado, o notável parlamentar que foi o Dr. Magalhães Mota confiou-me a tarefa de defender a manutenção dos comboios no reino maravilhoso. Remeti requerimentos à tutela, além de intervenções no plenário bem como outros parlamentares no mesmo sentido. Debalde. Venceram outros interesses. Na altura outro denodado paladino de defesa dos comboios foi o Dr. Guedes de Almeida, no entanto, estava registado nos astros o inexorável apagamento do caminho-de-ferro Nas nossas terras. Tenho a maior das dúvidas que regresse. Porquê? Por múltiplas causas. A primeira e mais importante é não existir dinheiro, nem garantias de retorno aceitável do investimento a fazer, para além da agrura demográfica a diminuir o interesse político, visto todos sabermos que onde não regurgitem votos prevalece o desdém mais ou menos embrulhado em retórica jeremiada como se estivéssemos junto do Muro das lamentações. O senhor Manuelzinho de Lagarelhos, sentado no talhouco nos dias de Estio a matar com o vassouro moscas e vespas dizia: quem não tem pé não pode dar coice. É verdade, o Nordeste tem recebido muitos coices. De quem? Dos Calistos agarrados à gamela do poder! PS. O Senhor Manuelzinho com as suas barbas patriarcais era um oráculo que a minha meninice não lhe concedeu a merecida atenção, mormente no respeitante aos rojos fugidos no decurso da guerra civil espanhola.

PAFÓS

Todos os anos, o Carnaval leva-me a pensar na poesia “Carnaval Todo o Ano”, nas “Memórias” de Casanova e nos Pafós. Se as restantes referências estão escoradas em autores de enorme relevância no domínio da música e da literatura, os pafós eram simples e pitorescas figuras masculinas enroupadas em saiotes e saias largas, que desfilavam tristemente nas ruas de Bragança no dia de Entrudo (o vocábulo Carnaval era primacialmente para gente fina), acicatados quando recebiam saraivadas e cascas de tremoços ou beliscões de unhas de luto nos esquálidos traseiros, no decorrer dos bailes da Associação, cuja mulheres na sua maioria sabiam colocar o corpo no ritmo certo em função do Bolero, do tango ou da valsa, enquanto no Clube as moças e as mães martelavam da mesma maneira o Carlos Gardel e o Danúbio Azul pois os treinos eram diferentes. O Entrudo levava a atrevimentos na sátira a actos, decisões e omissões do poder salazarista nas suas variadas ramificações, no entanto, não passava tudo, o Botas de Santa Comba servia-se da dependência da maioria da população para dar uma côdea aos in- formadores popularmente conhecidos por bufos. Nas minhas crónicas amiúde lembro esse tempo recheado de biltres, no desejo de os mais novos saberem quão opaco, cinzento e medroso era o dia-a-dia onde ninguém se sentia seguro, nem era inteligente confiar na camisa que se vestia durante a semana, nem nas dos de posses que, mudavam de camisa diariamente. Os pafós seriam arlequins de olheiras fundas, pobres sem atingirem o grau de alegretes da canção da casa portuguesa, comer de untar a barbela apenas por acaso de esmola nos dias de festa, aposta ganha e engano. Comer fora? Ir tomar uma refeição num restaurante só quando «o rei fazia anos», reinava a frugalidade, o naipe de pro- dutos alimentícios era bas- tante, o dinheiro rareava, o funcionalismo auferia reduzidos vencimentos com a excepção dos empregados do Banco de Portugal, as profissões liberais também angariavam escassos proventos, poupar, mandava o famigerado Salazar o qual arrecadava inúmeras alcunhas de índole rústica, ou não fossem os agricultores a matriz das Comunidades do rectângulo à beira-mar plantado nos idos do século XII. Os pafós do Entrudo per- sonificavam o País misera- bilista, sendo a fuga a salto para França e Alemanha, levando debaixo do braço a frágil mala de cartão canta- da por Linda de Susa recen- temente falecida, a solução em demanda de melhor e maior vivência, antes fora o Brasil da árvore das pa- tacas. Agora, rufiões sevandijas, na cidade de Olhão, atacam e agridem indefesos nepaleses. A cognominada «vila poema», dispensa bem indivíduos deste jaez, embora o Presidente da Câmara tenha dito que lapuzes rapazes estão arrependidos. O autarca na caça ao voto, escrevo eu! Os citados pafós, recordados nesta crónica, são desconhecidos mesmo nos dicionários móveis e de papel de largo consumo nas escolas, foram substituídos pelos momos brasileiros de todos os géneros. É o progresso! Armando Fernandes PS. Parabéns a Henrique Pedro colega colunista no Nordeste Informativo. A condecoração outorgada pelo Presidente da Repúbli- ca só peca por tardia. Muito Bem

Lapardeiros

O saudoso Dr. Carlos Silva, pedagogo de alto quilate na área das matemáticas, exímio explicador das arestas dessa disciplina, costumava apelidar de lapardeiros, truões capazes de venderem a mãe, receberem o dinheiro da transacção e não entregarem a mercadoria. O desditado Carlos morreu prematuramente vítima de maligna maleita, bem merecia e merece placa evocativa do seu fecundo magistério, os que não sabem informem-se, caso voltasse como Lázaro ressuscitou, ficaria com as entranhas revolvidas ante o bando de lapardeiros deslavados, pela ausência de um pingo de vergonha na face, ao cometerem toda a sorte de facécias no que tange a golpes no baú estatal seja de âmbito central, seja no escalão regional e/ou municipal. Se o Padre Lagosta da besta esfolada pudesse vergastar os lapardeiros actuais diria o óbvio: é um fartar vilanagem. Não falta engenho a todos quantos «esmifram» vorazes que nem tubarões, um cardume de sardinhas, os folhelhos dos orçamentos de pneus carecas derrapantes, como aconteceu nas obras do Hospital Militar ou na triste balada dos TAP, sem esquecer os nepotismos de múltiplos contornos e oportunismos. Andam lapardeiros por todos os cantos dos povoados portugueses, há uns anos ainda não procediam com o desplante dos carteiristas a operarem nos eléctricos, nestes dias de hoje sacam mais-valias a torto e a direito, a bastonária dos enfermeiros gosta de sedas, carteiras e perfumes de marcas acessíveis a herdeiras ricas ao exemplo de Paula Amorim de enorme apetite financeiro. A crise está a esmagar proventos dos de menor expressão, incluindo a classe média, a criminalidade ataca a propriedade alheia. A murmuração contra este estado de coisas principia a rugir, a continuarmos nesta senda, as instituições sofrem os efeitos perversos da degradação da espinha dorsal da Nação mais antiga da Europa que, como assinalou Arnold Toynbee pode fenecer. A PSP, prendeu para averiguações dezenas de energúmenos os quais servindo-se das claques do futebol (2) praticaram vários crimes, tendo sido apreendida uma metralhadora, trazendo à minha memória os gangues em que os chefes são glorificados, seja na Máfia, seja na América Latina. Há largos anos, o sábio Manuel Antunes deu à estampa um livro sobre o futuro de Portugal, o sociólogo transmontano António Barreto, aponta a crise no universo da justiça, como o maior problema para esse futuro provocar sossego e felicidade para os cidadãos. Bem sei, nem o sábio, nem o sociólogo entram nas bibliotecas (se as possuírem) dos ministros, ajudantes de ministros, assessores, magistrados e outros decisores, sem esquecer os deputados, muitos deles a alardearem escrófulas risíveis na sua formação educacional e cívica. Se nos dermos ao trabalho de analisar sem vesguice o panorama de convulsão permanente no sector da educação, encontramos as alavancas causadoras de muitos dos malefícios estruturantes, do caruncho silencioso da apatia das populações, fora da roda do pé na bola, coscuvilhice das redes sociais e convivialidades contra o tédio que nos assola. Vejam os indicadores culturais, por exemplo na leitura a esmagadora maioria é por razões de utilidade passageira. Caros leitores: façam o favor de desculpar uma singela catilinária de quem tenta perceber a causa das coisas.

O pírtigo

Acredito piamente que as e os professores de ciências-agrárias, nestes tempos em a técnica surge em muitos relatórios referentes aos saberes de fecundar a terra e dela serem colhidos os frutos, à frente da ciência o pírtigo faça parte da arqueologia postergada para os arqueólogos elaborarem teses para a vidinha académica e segurar o assento profissional. Leitor empenhado de Terry Eaglaton, entendo a permanente funcionalidade dos utensílios de antanho, numa epistemologia abrangente retirando desse conceito saberes sobre os comportamentos e práticas do viver nas comunidades em plena fruição da ciência e da tecnologia como em devido tempo profetizou o sábio Aldous Huxley. Ora os malhadores eram exímios na colocação sincopada, cantada sonoramente nas espigas a debulhar sem ofender a cobiçada palha destinada a alimentar ruminantes, encher fronhas e colchões, fabricar colmos e beirados, enxergas cujo destino era incerto: amores escondidos, maleitas expostas para a mendicidade render mais, papel higiénico porcino na altura da matança e demais artes rústicas em voga até à quase desertificação do interior, sem esquecer o litoral das palhotas e demais construções como podemos perceber lendo os dicionários e corografias de ciências puras, aplicadas, históricas, sociais e agricultura. Ora, no mar encapelado da política nacional o Chefe, o vigilante apurado, António Costa ganhava honorabilidade se visionasse os filmes sobre as fainas agrícolas de Giacometti, no intuito de afinar o modelo de escolha dos futuros governantes através do movimento perfeito, ensarilhado, do pírtigo a bater a espiga. Se a curiosidade for intensa, pode recorrer aos ofícios de Berta Nunes, capataz da Federação local a fim de convencer o Senhor Gonçalves, dono e diligente operacional do restaurante Javali (parabéns pela distinção outorgada pelo Guia Michelin), o qual nas escassas horas vagas esculpe miniaturas em madeira, pedindo-lhe o favor de esculpir um malho (Santos Silva gosta de malhar na direita) cujo pírtigo o entusiasme a não se enganar nas escolhas, como se tem enganado repetidamente obrigando o Presidente Marcelo, Celinho, afirmou o humorista, a engrossar a voz à maneira de pai tirano dos filmes portugueses dos Silva e Vasco Santana castigavam os dislates do salazarismo através do riso para gozo de Leitão de Barros e Manuel Oliveira. O pírtigo é na minha modesta opinião o vigoroso antídoto contra os jecos vorazes, sem esquecer as mancebas marca Jamila Madeira e Cia, uns e outras em irmandade partidária no exercício de sugar na teta do Orçamento. Os professores clamam, as professoras esganiçam-se a pedir o respeito do governo, ficando em estado profunda agonia quando se lhes vem à cabeça a senhora que embolsou meio milhão de euros da falida TAP, também penso num pau de marmeleiro a sacudir a roupa dos membros da administração da empresa pública voadora porém suspendo o pensamento transferindo-o para Costa e Nuno Santos dupla de tomo à espera de áspero castigo nas próximas eleições legislativas, isto se emergir oposição de qualidade porque para já falta-lhe fibra à prova de água, inundações e torrentes. Pírtigo senhor Costa!

Larápio

Texto dedicado a uma senhora perspicaz e inteligente

Não estou autori- zado a contar o episódio, apenas a referir o porquê do hoje em desuso vocábulo – larápio -. Há alguns anos a se- nhora via um canal de televisão quando a determinada altura surgiu na pantalha a imagem de um figurão de alto coturno da nossa sociedade. A senho- ra levantou a cabeça, disse para o filho: se aquele que ali está for como o pai, é um larápio! Ora, ao ouvir os detalhes da afirmação entendi reter a atenção no termo – larápio –, visto a considerar eficaz em termos semânticos para a viva imagem do ratoneiro a fugir velozmente com o produto da rapina qual milhafre ou gavião a reter nas garras o pintainho descuidado privando a galinha alvoroçada do estouvado e, a dona do futuro pica no chão, como agora os frequentadores de restaurantes dizem numa referência envernizada à ruralidade. Bem sei, agora os larápios deram lugar aos cavalheiros de casaca (filme o Ladrão de casaca) os quais, nos intervalos de almoços, nos gabinetes opacos onde gizam jogadas golpistas em que larapiam dezenas e dezenas de milhões de euros, atirando para cima dos ombros dos contribuintes a responsabilidade de pagarem o escamoteamento dos lustrosos roubos. Larápio ladino ou não, de bicicletas, (genial o filme do neo-realismo italiano realizado pelo Senhor V. de Sica) recorda o biscateiro de secos-emolhados relapso a trabalhar nas segundas-feiras, terças e quintas ao contrário dos argentários sempre activos na ânsia de atingirem o estatuto de plutocratas descritos primorosamente no mais que esgotado livro O Plutocrata do filósofo Orlando Vitorino. Larápio é o palhaço pobre a contrastar a roupa puída contra as lantejoulas do Augusto, o larápio rouba um corte de fazenda, o Augusto toca violino enquanto o faz-tudo consegue entender a mensa- gem em notas musicais surripiando as carteiras dos espectadores nos circos de onde financeiramente vale tudo até esbulhar a família de os olhos bem abertos. O País tem assistido a cenas deste teor na destruição do cânone de a roupa suja da parentela lava-se em privado. O exemplo dos pri- mos DDT e Ricciardi desmente a velha máxima de os esqueletos de todas as famílias não devem sair dos armários. Tretas! Sendo esta a primeira crónica publicada no ano de 2023, não podia começar melhor, a justi- ça não sai do estado comatoso, o governo imita o Gargantua de Rabelais (come tudo), o Professor Marcelo após a desvinculação da Ritinha além de aguadeiro governamental é passa culpas relativamente a casos e casinhos da lavra da turma do chefe António Costa. Bom Ano Novo. Incluindo os larápios que também são gente. Na guerra e na paz!

Gal Costa e…

Foi no alfacinha Porão da Nau/Convés que ouvi a voz quente, sensual, arrebatadora de Gal Costa. A partir daí procurei engordar a colecção de discos com as suas admiráveis criações das quais destaco Índia e a banda sonora da famosa telenovela Gabriela Cravo e Canela. Se a voz cálida, coleante, num fundo do tempo a escorrer entre os dedos, tal qual a areia escorre quando enterramos os pés nos areais finos das praias é perenidade para lá da finitude. A baiana musa maior do tropicalismo emparceirava com Caetano Veloso e a sua irmã Maria Betânia feia como os trovões a intonar no estilo da mexicana Chavela Vargas, contribuíram de modo decisivo para a mundialização da música brasileira sem esquecer, antes pelo contrário, a Bossa Nova, Nara Leão e a portuguesa de nascença Carmem Miranda. Ainda adolescente, comecei a trautear canções de cantores brasileiros muito em voga no defunto Rádio Clube Português, a par da oficiosa Emissora Nacional que as difundiam e eu ouvia vibrando das tabernas quando passava nas ruas tal como escutava as notas altissonantes do Pardal sem Rabo a comandar o Terço de corneteiros do Batalhão de Caçadores Nº 3. Cantores do outro lado do Atlântico, as apresentavam nas verbenas estivais, principalmente durante as Festas da cidade no mês de Agosto. Lembro-me do Odir Odilon, da Mara Abrantes a qual ficou e morreu em Portugal. Já de Luís Gonzaga (onde estás coração?) e Caubi Peixoto restam-me fiapos de êxitos seus. A Gal Costa manteve a voz entonação/intonação sem quebras a cimentar a sua aura de cantora até ao fim abrupto dos seus 77 anos, não se sabendo quais foram as causas do desaparecimento do nosso convívio. Resta-me reunir os seus discos em vinil e compactos, escutá-los repetidamente aumentando a saudade como tenho do Marânus (Teixeira de Pascoaes), Montesinho e Nogueira berças do meu orgulho de ser transmontano de raiz telúrica regada com água ribatejana.

António Machado

No início da década sessenta do século passado chegou a Bragança o lisboeta Machado, mais tarde Machadinho para os amigos em dias e noites de feéricas exaltações a arrancarem estrídulas gargalhadas aos convivas. Instalado no burgo bragançano a exercer a (na altura) o quase desconhecido múnus de professor do ensino especializado de crianças descapacita- das, depressa conquistou a generalizada simpatia das pessoas, dada a sua bonomia e integração numa terra na qual os fo- rasteiros eram olhados e escrutinados pormenori- zadamente. Vivíamos em ditadura, a cidade também enfermava da execrável acção gerada no coio dos bufos (Legião Portuguesa), a PIDE morava em Quintanilha, por isso todos os cuidados eram poucos. O professor praticava a modalidade de futebol, depressa pas- sou a envergar a camisola do Desportivo, o seu estilo viril agradava aos «tifosos», a tal integração era completa. Porém, An- tónio Machado ensaiou com pleno êxito o dificul- toso papel de animador das noites de uma cidade embiocada, bafienta, in- vejosa e dotada de baias conservadoras no que tange às diversões nocturnas. Logo de seguida aventura-se no intrincado universo das artes culinárias, na restauração, constituindo uma auspiciosa revelação a presença do restaurante Académico no Festival Nacional de Gastronomia em Santarém. O Académico firmou raízes, granjeou fiel clientela, mi- lhares de pessoas conhe- ceram várias especialida- des da magnifica cozinha transmontana, António Machado passou a ser fi- gura emblemática no e do Festival da sápida cozinha tradicional portuguesa. Nas últimas edições do certame gastronómico, o Machadinho fez-se representar pelo filho Nuno. A representação tem sido briosa, mesmo exemplar, no entanto, porque ele faz muita falta tenho tentado saber qual a causa do afastamento para lá das etéreas respostas de circunstância. E, o Nuno informou-me dos padecimentos de saúde que o têm apoquentado desde há tempos a esta parte. Em face deste informe de- cidi escrever esta crónica, com o intuito de o poder alegrar incentivando-o a resistir com todas as ga- nas à maleita, de maneira a regressar rapidamente ao nosso pleno convívio em que possamos revisitar o passado, revolvendo a memória dos momentos de ampla plenitude dos sentidos que encerro na Carmina Burana. Forte abraço para ti querido Machadinho, Bragançano de gema como se tivesses nascido na Vila ou no bairro de Além-do-Rio.

Chuva Bendita

Há dias, meses, até dois anos, a entoar a mesma litania – não chove, não chove, não chove –, na quarta-feira, dia 18 de Outubro !!!, acordei ao som celestial de grossos pingos de chuva a baterem nas vidraças (termo em desuso) do quarto, parafraseando Augusto Gil fui ver: não era o som burocrático do chuveiro, era o da chuva grossa a recordar-me as zurvadas empurradas pelos ventos das serras de Nogueira e Montezinho. Temeroso ante a possibilidade de rebate falso como Judas vendedor/ traidor reservei aturada atenção à persistência da bendita musicalidade da chuva como se estivesse a dançar qual Fred Astaire, ou a ouvir deliciado o sagrado contido na obra Water Music de Handel num concerto no grande auditório da Gulbenkian. Ao longo do dia, não imitei os guarda-fiscais peritos na arte de praticar o ioga espanhol (siesta), nas matas e bosques das terras transmontanas, nada de semelhante, de tempos a tempos vasculhei os céus sem telescópio no temor de o chaveiro do Paraíso ordenar ao estilo espanhol o corte da vital fonte de vida. Ou porque o senhor São Pedro principiou a acolher os vernáculos protestos deste seguidor de S. Tomé, ou em vista da desolação da paisagem portuguesa, a bênção molhada prosseguiu noite fora de forma no dia seguinte os pregoeiros dos canais por cabo anunciaram a continuação do maná levando-me a pensar na imagem do pescador de Almas existente na pequena e graciosa de Lagarelhos, de barbas canosas, de chaves na mão esquerda, vestindo folgada túnica azul. E, agora? Agora solicito-lhe, penhoradamente, a continuada colheita das águas pluviais pelo menos até ao dia 29 de Junho (Ele sabe qual é razão) de forma a barragens, lagos, poços, rios e riachos ganharem volume aquífero podermos ficar libertos da chantagem dos émulos de Sancho Pança, os patos nadarem nos rios que atravessam Gimonde, as cegonhas aspergirem as asas molhadas, sem esquecer os cães vadios disporem da ventura de beberem água no tanque de S. Vicente, que nunca foi cheio de caldo para desejo do dono de um perdigueiro (?) esperançado na satisfação da endémica gula do canídeo. Os curiosos perguntem ao engenheiro Manuel Vaz Pires a identidade do Senhor em causa. O Manel Vaz Pires pertenceu ao glorioso grupo das viagens de (re) conhecimento do Distrito de… Bragança. Obviamente! PS. Espero não rer feri- do susceptibilidades espúrias.

VIRA MAL AIO

O Chef com o toque enterrado até às orelhas, de olhos saltitões e sorriso mofino, acabava de colocar a comida na travessa, chegava ao guichet da cozinha fazia-a deslizar na pedra de mármore e gritava: vira malaio! A Amelinha ficava irritada, mormente no serviço de jantar pois o chefe da cozinha do restaurante Machado-Cura nessa altura carregava nos decibéis tanto quanto Catarina Martins carregou na última campanha eleitoral a gritar lobo, lobo! A senhora tal como Pedro tramou-se e tramou a maioria dos funcionários do BE pois a gritaria levou os envernizados betinhos de esquerda a abrigarem-se no guarda-sol socialista. O Chef, minhoto de Bra- ga, gostava de reconfortar o palato e a garganta com amiudados goles de tinto, quando entendia cozinhava primorosamente batendo aos pontos os cozinheiros da concorrência culinária – Moderno, Poças e Pousada –, as restantes casas de comeres não suportavam os custos de um cozinheiro em exclusividade de funções. O Vira Malaio fumava enquanto cirandava entre tachos e panelas, no entanto, não constou ter sido encontrada uma pirisca no arroz, cousa comentada acidamente nos cafés da cidade. Os cozinheiros vindos de fora eram brindados com sorrisos depreciativos das Mestras de um cozinha tradicional/regional apurada, bem calibrada dentro do cânone – farta, forte, fechada –, em si mesma, a grande excepção era o colorau picante vindo do outro lado da fronteira. Mesmo os famosos ervanços (grão-de-bico) samoranos eram objecto de purulentos comentários dos taberneiros e proprietários, de calças vincadas, dos ditos restaurantes do burgo, especialistas na diferenciação de alheiras e tabafeias. Não por acaso o SNI publicou em página de grafismo cativante a lista das mais relevantes composições culinárias de Bragança que os Vira Malaios se esforçavam em aprender, pois rodriguinhos gastronómicos mereciam a mesma atenção concedida ao enchido de sobras do porco, que os rapazes da Lombada chamavam Buitielo ,que o antropólogo Ernesto Veiga de Oliveira estudou durante muito tempo. Hoje, o enchido ganhou esporas de cavaleiro e cavalga/surfa a onda da «modernidade» deixando os amigos dos salpicões muito felizes. Pudera! Aproxima-se o tempo sazonal das matanças, dos enchidos de massa, de sangue (também ex- travagantes composições lapuzes) e de carne. Ao contrário do que bonifrates e mouriscas dizem e escrevem os comeres da Terra Fria estão a perder soberania, estatuto e rigor. Aqui deixo o alerta às Confrarias de Bragança, ao Óscar Gonçalves e seus camaradas de profissão, ao perspicaz Alberto Fernandes, a todos quantos admiram a genuinidade ancestral tão bem expos- ta por Mestre Gil a ver para entender. Anda por aí muita gente a escrever sem consultar e ouvir as fontes primárias porque dá muito trabalho, desconhecem quanto penou o pai do Teatro Português para registar pómulos obscuros, autênticos nós-cegos da então dieta alimentar dos pobres, pobres de pedir enjeitados de tudo por todos. Esperemos que esses sinistros exemplos não voltem!

Pedradas no futebol

Após o desastre dos andrades (portis- tas) ante o Bruges, cidade onde vive uma bra- gançana do meu tempo, do jet-set da Praça da Sé dos anos sessenta do século passado, vários energú- menos entretiveram-se a aguardar o carro da famí- lia do treinador Conceição, para o apedrejarem civili- zadamente arremessando bocados de granito, xisto, quartzo e mica contra a sua viatura. O estúpido atentado, provocou enor- me comoção nas redac- ções chorosas, em virtude do falecimento da rainha do reino desunido, provocando a saída para as ruas de Lisboa, devidamente ataviado, do Sr. Magina polícia Intendente, qual Pina Manique a examinar bolsos e bolsas como se fossem caixas forradas de livros proibidos do rol do Santo Ofício de triste me- mória. Ao que as pantalhas da CNN, SIC, CMTV e oficiosa RTP informam, o fundista e acólitos já estão identifi- cados, por tão formidável proeza o cavalheiro Ma- gina e demais detectives aguardam serem conde- corados no próximo 10 de Junho ante proposta de José Luís Carneiro, de- vendo os penduricalhos serem apostos na casaca azul de gala por Marcelo supremo chanceler das ordens honoríficas portu- guesas. Nem mais! Ora, nos anos sessenta do século passado na esteira da década antece- dente a escolha da equi- pa que ia disputar uma das zonas da 3ª divisão no distrito de Bragança confinava-se a Bragança e Mirandela, só se alargan- do alguns anos depois. A rivalidade passava dos resmungos recíprocos de narros para lá e para cá, até ao violento acertar nas viaturas dos forasteiros, passando pelos enfrenta- mentos dentro das quatro linhas do campo. A cousa com laivos épicos possuía vários actores de diferen- tes escalões e respectivas representações, jogadores ordeiros e respeitados, o grande e sorridente capi- tão Xico Ferreira e o im- pecável Luís Mesquita, o pendular Frias, o Dionísio de tremenda mão zurda no GDB, o Policarpo avançado do Mirandela. No leque dos sarrafeiros, a legião dos passa a bola não pas- sa o homem placado que esperneia no áspero cam- po pelado, alargava-se nos dois lados de tal modo que prefiro restringir-me a re- ferenciar o Moisés, o Rodi- nhas e o Tita no GDB, o Vi- nhas, o Mário e o Macedo no Mirandela. Os despiques na assis- tência levavam a cenas de “mosquitos por cordas”, os mais ferozes de língua seriam o tenente da GNR, comandante da secção ca- nhota salazarista na vila de Mirandela, agora refe- rida como princesa do Tua (o saudoso Roger enfure- cia-se com a ridícula ca- talogação), enquanto nas hostes bragançanas, o ad- vogado Eduardo Gonçal- ves semeava impropérios condenatórios dos dislates dos árbitros. No que tange a árbitros Armando (Bom- badas) e Salazar deixaram em herança acções grotes- cas a favorecer o Despor- tivo, os apitadores vindos de fora quando metiam a pata na poça (o campo após uma boa chuvada exibia muitas) entornava-se o «caldo» daí perseguições até à Mosca (estação), sen- do empregues calhaus, pe- dras, e demais auxiliares de iradas manifestações de vernáculo vocabular da nossa língua charra. Nos prélios no «está- dio» do Toural a presença de trovadores/trotadores incansáveis a dar voltas e voltas era habitual, de tempos a tempos, inci- tavam os jogadores bra- dando os nomes da sua afeição. O Senhor Veloso (Cabeça de Pau), distin- guia-se dada abrangência do clamor sem recurso a chistes de afrontamento. Agora, o «Mundo da bola» toldou-se, as tecno- logias de ponta são mais perigosas que as navalhas de ponta e mola, as claques quais émulas dos rapazes de Al Capone imperam no «jardim das delícias» do referido desporto-rei, o negócio da compra e ven- da dos atletas pouco varia relativamente ao mercado de escravos de todos os colonialismos. As multi- dões aplaudem!