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Mundo Terceiro

Boas tardes meus caros! Hoje vou falar de características da classe média em países com diferenças sociais abissais, do género, imaginem o Cabo da Roca: cá em cima está o tilorilo-rico a tirar selfies com o mar azul imenso como pano de fundo, lá em baixo está o tilorilo-miserável, algures no fundo do penhasco, somente à espera que o mar venha recolher os seus restos mortais.  É no máximo um ser vivo e, quando o resto do pessoal está bem disposto, um ser humaninho. Este tipo de traços comuns não tem bandeiras nem credos. Disseminados por todo o planeta, Ásia, África e Américas são onde mais facilmente se podem encontrar estes espécimes de "classe média". São sociedades socialmente partidas, entendendo-se aqui partidas não como conceito sociológico, mas mais como conceito futebolístico. Isto é, são sociedades como aqueles jogos de futebol (partidos) em que o tempo de jogo e a resistência dos jogadores se aproximam inexoravelmente do fim, o treinador exaspera sem ninguém lhe dar ouvidos, os adeptos estão à beira do colapso nervoso e deixa de haver qualquer organização tática na busca por um resultado positivo, substituída por doses infinitas de adrenalina, o coração na boca, nos pés, na cabeça e nas mãos, unhas roídas, cigarros atrás de cigarros, estamos por tudo, e uma fé nítida e imensurável de que agora é que vai ser, sim, o milagre está prestes, prestes a acontecer. É nesse efémero e desesperado momento em que tudo passa a ser perfeitamente natural e possível e o céu e o inferno dão as mãos e sustêm a respiração na mesma expectativa que o tecido social destas sociedades se encontra. Partido como os jogos de futebol. Qualquer semelhança com a coincidência é pura realidade. Exemplo cabal: reportagem de um jornal semanário o ano passado sobre uma recente vaga de imigrantes, algo do género “Portugal Nova Miami”. E diz às tantas um jovem casal “se disséssemos aos nossos amigos que aqui não temos empregada e temos de cozinhar e tratar das coisas todas da casa eles iriam rir-se de nós. Tivemos de aprender a fazer tudo do zero”. Dito assim soa apenas a estúpido e um bocado arrogante. Se eles fossem os recém-casados príncipes de Inglaterra – não dotados de inteligência suficiente para dizer isto desta forma – até se compreenderia. Quer dizer, compreender-se-ia no caso do príncipe, não tanto no caso da bela e plebeia princesa. Enfim, se eu me deixar de coisas e disser que ela se tratava de uma jovem e comum psicóloga e ele de um ainda mais comum actor de teatro à procura de trabalho esta afirmação passa imediatamente a ser bastante estúpida, desnecessariamente arrogante e autenticamente terceiro mundista.

Uma pessoa de um país europeu minimamente ocidentalizado sente aqui um folhado misto de sentimentos desconfortáveis. Entre a pura (e ufana) parvoíce, o preciso e frio retrato de uma sociedade através de uma mera afirmação e a vergonha alheia, tanto pelos próprios como pelas desgraçadas que têm de andar a estrelar ovos e a fazer as camas desta nobreza de absolutistas pré-Revolução Francesa. Não sou adepto, nem sequer presidente-adepto de violência, mas acho que todo o banal casal de classe média, constituído por duas pessoas com profissões irritantemente triviais, que dissesse coisas destas, deveria ter em algum momento da sua existência o direito a levar duas metafóricas e bem assentes chapadas à antiga portuguesa para sua própria proteção. Não na esperança de que isso lhes trouxesse lucidez, mas com o intuito de os poupar ao intimamente ridículo das suas próprias afirmações terceiro-mundistas de cada vez que tivessem de sair do seu quintal para outro, socialmente, melhorzito. Quanto às temáticas recorrentes como a insegurança, a criminalidade, a corrupção, o binómio interior-litoral, a educação ou as condições socio-económicas menos favoráveis de grande parte da população é dever do homem dedicar o seu dia-a-dia a travar estas batalhas, onde quer que seja. Todos os cidadãos com fé na humanidade acreditam que podemos fazer do amanhã um dia um pouco melhor. Em relação aos referidos cidadãozinhos-bonequinhos deste tipo de classe média pouco ou nada há a fazer. Gente que não cresceu asfixiada pelos problemas acima, que conhece a realidade do seu país (?) e ainda assim enche o peito para proclamar barbaridades desta natureza é gente sem grande remédio e menos interesse. No pódio dos exemplos mais paradigmáticos do que é o terceiro mundo, para mim, esta gente têm um destacadíssimo, merecido e inquestionável primeiro lugar.  

O Piquenicão é já no próximo Domingo na Sr.ª da Assunção

Ter, 12/06/2018 - 09:59


Olá familiazinha!

Antes de mais, uma saudação amiga a todos aqueles que nos lêem no estrangeiro, pois comemorámos, no domingo passado, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. É muito bom ouvir dizer aos nossos emigrantes que nos escutam em suas casas onde quer que estejam, porque assim é um bocadinho como viverem nas suas terras. O tio Luís, pastor de Moás (Vinhais), disse-nos que agora os pastores andam a dar banho às ovelhas. O facto é que já não me lembro de ter visto as chaminés a fumegar em pleno mês de Junho. Mas, com a bênção dos santos populares não há previsão de mais chuva nos próximos dias.

Quem nos deixou a todos boquiabertos foi a nossa tia Cristina, padeira de Argozelo (Vimioso), quando nos disse que tem uma porca com quatro anos e meio, que já pariu nove vezes e trouxe 18 a 20 leitões de cada vez, sendo que alguns têm de ser criados a biberão com leite de cabra. Esta sim! é uma porca de fazer dinheiro.

Quando eu era criança tive de ser criado pelos meus avós porque a minha mãe era muito doente. Esteve internada durante ano e meio, quando abriu o hospital de Bragança e chegou a pesar 36 quilos.

Esteve despedida dos médicos, o facto é que festejou no passado dia 7 de Junho 78 anos. É caso para dizer “mulher doente, mulher para sempre!”. Penso que a melhor prenda para a minha mãe era ter saúde, porque já fez muitas cadeiras da universidade do sofrimento.

De parabéns também estiveram a ministra dos aniversários, tia Silvina(56), de Vila Seca (Armamar)Maria José (73), das Quintas da Seara (Bragança); Amadeu Rocha (83), de Salsas (Bragança); Manuel António (38), de Vinhais; Leonel Lázaro (44), de Souto da Velha (Torre de Moncorvo); Jéssica Costa (11), de Ervões (Valpaços); Maria do Carmo Azevedo (60), de Penas Roias (Mogadouro); Fernando Rocha Lopes (70), de Salsas (Bragança); Manuel Drulovik (48) de Esturãos (Valpaços); Fátima (81), de Ala (Macedo de Cavaleiros); Delmino Vaz (66), de Grijó de Parada e por fim, a nossa pastora, Maria da Glória, de Vilar Seco (Vimioso) que fez 60 anos e teve a surpresa da presença no seu aniversário de todos os seus filhos emigrados. Que continuemos a poder festejar a vida de todos estes nossos amigos. E agora vamos aos exercícios de aquecimento para o 29.º Piquenicão da nossa família.

Nós, os “TransmonTansos”!

Trás-os-Montes, entendido como Miguel Torga o delimitou e rebaptizou de Reino Maravilhoso, “um berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda à Régua”, é tão-somente, uma parte desse mal-amado país que os machuchos políticos levianamente apodam de “interior”. Se pelo menos uma vez na vida fossem coerentes chamar-lhe-iam sim de “exterior”, já que teimam em colocá-lo fora da Nação.

Não cairei na estultícia de dizer, parafraseando uma conhecida expressão popular, que de boas intenções está o inferno cheio. O “interior”, melhor direi. Mas não tenho qualquer rebuço em afirmar que de palavreado e promessas de circunstância estão fartos e enfastiados todos os transmontanos que não enjeitam as origens.

Fartos de que esses políticos impostores sistematicamente os tomem como “transmontansos”, embora o façam à socapa. Incluindo os parolos autarcas da casa, esses sim verdadeiros tansos, que teimam em desprezar a cultura e os criativos seus conterrâneos. Ó Junqueiro, ó Coelho, ó Alves, ó Pascoais, ó Nadir, ó Cardoso, ó Luís Vaz, perdoai-lhes que eles parecem saber o que dizem mas não sabem o que fazem!

Tropecei, há dias, numa página da Internet do Jornal de Negócios que abordava com o pormenor até então não noticiado, a cerimónia de apresentação ao Presidente da República e ao Primeiro-ministro, no passado 18 de Maio, no Museu dos Coches, em Lisboa, de um conjunto de propostas consideradas "radicais" laboriosamente preparadas por um autodenominado Movimento pelo Interior, com a finalidade de revitalizar as regiões ditas de baixa densidade populacional.

Confesso que fiquei descoroçoado. Primeiro porque lá se dizia que depois desse acto solene o dito Movimento pelo Interior se extinguiria, quando parecia ser um movimento duradoiro, redundando, quiçá, num alargado partido regional e regionalista, capaz de fazer valer as suas ideias na Assembleia da República ou mesmo num eventual Governo.

Descoroçoado porque o tal Movimento pelo Interior remeteu para o livre arbítrio do Governo a eventual aplicação das medidas em apreço. Claro que o Governo, ainda que o seu Primeiro-ministro sempre se mostre sorridentemente receptivo, não vai pôr em práctica nenhuma das medidas elencadas, por maior bondade que elas possam ter. O mais certo é remetê-las para as calendas gregas ou directamente para o Museu das Descobertas.

O mesmo se não diria se do grupo proponente fizessem parte administradores da EDP ou da China National Petroleum, por exemplo, cujas directivas receberiam de pronto o beneplácito governamental, mesmo que implicassem o afogamento ou o envenenamento do Reino Maravilhoso, como aconteceu, com o vale do Tua.

Descoroçoado também porque, tanto quanto me foi dado saber, as 24 medidas propostas são meramente administrativas, avulsas, desenquadradas de um indispensável modelo de desenvolvimento, ao arrepio de princípios fundamentais garantes do respeito pela ecologia, cultura e tradições transmontanas.

 Visam, principalmente, trazer gente a granel para a região, sem ter em conta o óptimo populacional ajustado à capacidade das terras, dos rios e dos ares, salvaguardando os habitats e a qualidade de vida a que os “transmontansos”, ainda assim, é suposto terem direito.

Por certo, nenhum “transmontanso” que se preze, a si, à sua família e à terra, gostaria de ver ressurgir em Vila Real uma cópia do Casal Ventoso, uma imitação do Bairro do Aleixo em Chaves ou uma nova Reboleira em Bragança, para não falar em lixeiras orgânicas a céu aberto ou nucleares a céu fechado. Imagine-se o que seria se descobrissem petróleo no Vale da Vilariça ou na Veiga de Chaves!

Descoroçoado, sobretudo, porque nós, os “transmontansos” continuamos a não ser tidos em conta o que só demonstra que não é o nosso bem-estar que preocupa tais machuchos políticos.

 Havemos de concluir, ainda assim, que tudo não passa do usual fogo-de-artifício, foguetes de estalo e de lágrimas que animam as romarias partidárias. Mas que não estão livres de causar incêndios. Cuidado!

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

DEPOIS DELES… seremos nós

Por toda a parte ouve-se dizer que os tempos estão a mudar, as pessoas também e da educação nem se fala. Para ser sincero, desde que me recordo sempre ouvi dizer isto, sobretudo no que se refere ao tempo. Nesse campo, quis acreditar que só dali a muitos anos é que se veriam as mudanças e, quando ouvi dizer que Portugal iria passar para um clima tropical achava graça a tais previsões, sobretudo quando vinham acompanhadas com a apocalíptica frase: “Caras ao fim do mundo…”. Parece que os anos não passaram e, efetivamente, tudo mudou.

Nos dias de hoje, associa-se o conceito de “mudança” a “transformação” e este a “desenvolvimento”, jamais a “retrocesso”. Talvez a desvalorização das ciências sociais e humanas tenha conduzido a um raciocínio unidirecional, esquecendo-se que na vida só há duas certezas: o nascer e o morrer. Para o resto há sempre mais que um caminho ou, se quisermos num pensamento mais filosófico: mais do que uma via.

Da altura em que escutava: “Caras ao fim do mundo…”, recordo uma história, inúmeras vezes repetida pelos mais seniores que, já libertos dos campos, sentavam-se nas soleiras das portas, vestidos de negro, contrastando com as paredes caídas de branco. Em traços gerais, contavam eles:

“Tempos houve, em que havia um povo, onde, quando os pais estavam caras a morrer, (caras significava perto de…), quando os pais estavam caras a morrer, o filho mais velho tinha a obrigação de pegar no pai às costas e levá-lo para um cabeço onde o deixava, só, com uma manta para se cobrir.

Um dia, já o verão ia quase no fim, chegou a vez do filho de um homem, considerado o mais sábio da aldeia, também o levar para tal monte. Quando lá chegaram, o filho pousou o homem sábio no chão e ia dar-lhe a manta, cumprindo a tradição. Tranquilamente, o velho sábio, sentado no chão, levantou os olhos e disse:

- Não filho, leva a manta e guarda-a para quando o teu filho te trouxer para aqui. Como dizes, e é verdade, a mim pouco tempo me resta de vida. Já tu, nunca saberás quanto tempo terás depois de aqui chegar.

Reza a história que, com os olhos rasos de lágrimas, o filho pegou no pai, e regressaram a casa, acabando assim com a tradição de abandonar os pais no tal cabeço.”

Quando hoje tanto se discute a proteção de dados, os direitos dos animais e o direito ao próprio corpo que se baseia num princípio básico da liberdade individual, ainda não vi nas sociedades democrático-liberais a necessária sensibilidade para discutir os direitos que o sénior tem em relação ao seu projeto de vida ou à apropriação a que tem direito de ser dono e senhor do seu corpo e dos seus afetos. Que princípio ou direito pode um filho evocar para internar um pai num lar ou que legitimidade tem uma residência geriátrica de acolher um cidadão, consciente, de pleno direito, contra a sua vontade? Que legitimidade tem um filho de decidir como os seus progenitores devem viver os seus afetos ou, direi, mesmo a sua sexualidade, apenas e só porque têm setenta ou mais anos? Onde estão salvaguardados os direitos, as liberdades e as garantias destes cidadãos?

A maior contradição deste tempo passa, sobretudo, porque durante uma vida apregoa-se o amor, a partilha, o direito à liberdade, mas a mentalidade dos decisores e de quem concebe o modelo de sociedade atual, recusa aceitar que os que hoje são institucionalizados é a geração que viveu a sua juventude nos anos 60 e que lutando por esses valores abriram caminhos novos para os filhos e netos que hoje lhe negam esses direitos. Ironicamente, os adultos de hoje orgulham-se de prolongar a vida dos mais velhos dando-lhes mais conforto, melhor alimentação e melhores cuidados de saúde e é louvável. Sarcasticamente, ou nem isso, continua-se a considerar que “esta peça de roupa não lhe fica bem por causa da idade” ou que “não o(a) vamos levar para a praia connosco porque…” mas até insistimos para que participem no encontro de idosos que a autarquia organiza nos mesmos moldes que juntou as crianças no dia um de junho. E, então, dormirem os dois em cama de casal, nem pensar! - É provável que velhinha psicanálise freudiana ajude a explicar tais reações. No entanto, o tempo é que não espera, e os que hoje decidem pelos seus pais, são os que amanhã irão fazer o mesmo percurso, talvez ao empurrão ou em camisas-de-força porque serão levados contra a sua vontade.

Vendo os últimos dias de um homem nesta perspetiva, talvez seja mais fácil entender porque se quis legalizar a eutanásia: é que sempre é mais fácil por fim à vida, mesmo que de forma consciente, do que viver privados de afetos e sem ser donos do nosso destino seja pelo tempo que for. Mas cuidado porque depois deles, seremos nós…

MUNDO NOVO - (Outras Praias)

No passado dia 5 de junho comemorou-se o dia mundial do ambiente. Neste mundo complexo que nos calhou em sorte e cuja sorte todos nós traçamos, no dia a dia, são contraditórios os sinais que me chegam.

Em Portugal há mais de quarenta praias com índice zero de poluição, sete delas no concelho de Torres Vedras e duas no interior (nas albufeiras de Santa Luzia em Pampilhosa da Serra e de Castelo de Bode em Tomar). Por outro lado chegam notícias dantescas sobre o uso e desperdício de plástico, com a acumulação incomportável nos oceanos, a exigir mudanças drásticas enquanto morrem cada vez mais animais marinhos por ingerirem sacos e outros artefactos baseados em polímeros. Em sentido contrário, chegou à minha caixa de correio eletrónico uma mensagem da Presidente da Fundação, Isabel Mota, apresentando o Projeto Gulbenkian Sustentável sinalizando o rompimento da instituição com o ciclo do ouro negro que, por sinal, proporcionou ao seu fundador a fortuna que esteve na base do legado que generosamente nos deixou.

É bom assinalar que esta mudança não é de agora. Em sintonia com a reconhecida mudança de cor do

ouro que antes de ser preto foi exclusivamente amarelo e que nos dias de hoje é, sobretudo, cinzento: a maior fonte de riqueza dos dias de hoje está na "indústria" do conhecimento.

Uma simples consulta à lista ordenada das maiores empresas mundiais facilmente se constata que os lugares que há duas dezenas de anos eram da Exxon Mobil, da Shell, da Chevron e da BP, estão agora ocupados pela Google, Microsoft, Amazon e Apple.

Ciência, cultura e competência são, desde sempre, imagens de marca da Gulbenkian. Conhecimento valioso e reconhecido, sendo-lhe transversal, tem uma especial concentração e atinge altos níveis de reconhecimento no Instituto Gulbenkian de Ciência. Mas se as instalações de Oeiras estão muitíssimo bem capacitadas no que diz respeito a massa cinzenta já  no que concerne às instalações físicas o cenário é radicalmente diferente à luz do novo alinhamento crescente na Avenida de Berna. O cinquentenário complexo edificado nas imediações dos Jardins do Palácio do Marquês de Pombal, apesar das muitas melhorias ali feitas nos últimos anos, continua com necessidade de melhorias na eficiência energética a que se somam uma configuração funcionalmente desajustada (à luz dos tempos atuais) e, pior que isso, foi construído em leito de cheia provocando grandes e frequentes arrepios sempre que a ribeira da Lage transborda ou quando as marés vivas ameaçam de inundação os pisos

inferiores dos vários edifícios da rua da Quinta Grande.

Recentemente, foram construídos alguns institutos de investigação, na capital que, naturalmente, evitaram estes problemas tendo, para o efeito, consultado os responsáveis do IGC aproveitando o conhecimento ali adquirido. Tiveram, é certo e contrariamente a este último, a vantagem de construirem os respetivos edifícios de raiz coisa que não se pode fazer sem investimentos elevados, cuja disponibilidade não é frequente. Nos últimos anos foi feito um esforço de modernização, também neste capítulo, dentro das limitações que as naturais condicionantes impunham.

Contudo, numa altura em que o imobiliário está em alta, valorizando, como nunca as atuais instalações, que a Câmara de Oeiras reafirma o seu empenho na valorização e desenvolvimento do cluster científico e que precisa de uma funcionalidade âncora para o mega projeto de renovação do espaço da antiga Fundição de Oeiras, estão criadas condições como nunca houve no passado e, suponho, dificilmente se repetirão no futuro para se poder construir, de raiz, um edifício ecológico, eficiente, económico, funcional e seguro.

Se a Faculdade de Medicina quando avançou com o IMM e a Fundação Champalimaud quando decidiu construir o CCfU não dispensaram o know how acumulado pelo IGC ao longo dos últimos anos e dele tiraram o respetivo proveito, seria difícil de entender que, a mesma Fundação não tire igual benefício do conhecimento por si adquirido e desenvolvido. 

Turismo Sustentável e Coesão Territorial – Caso das Terras de Trás-os-Montes - Parte 1

Portugal como destino turístico tem um conjunto de fatores distintivos de atratividade e competitividade como: a posição geoestratégica, entre a Europa, a América e a África que nos permite, face à nossa posição periférica relativa ao centro da europa, onde se concentra a economia e os grandes fluxos de cidadãos, contrapor uma visão atlântica próxima de mercados mais amplos; ser um dos países mais antigos do mundo, com a fronteira continental mais estável da europa, praticamente inalterada desde o século XIII, sendo a mais antiga nação da europa; ter sido o país que iniciou o caminho da globalização.

Por outro lado, a língua portuguesa é a 5.ª mais falada no mundo, o que lhe permite ligações históricas e culturais com vários povos e uma imagem de povo aberto, com capacidade de acolher e de se integrar em culturas diversas; o povo português tem facilidade de falar línguas estrangeiras e cultiva a tradição de bem receber; integra a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, mercado com elevado potencial, também para o turismo; beneficia de um clima mediterrânico moderado pela influência do atlântico, muito favorável ao turismo e de uma extensa faixa costeira com potencial turístico elevado.

Portugal é um dos países do mundo (22.º) com melhores infraestruturas, tem bons serviços tecnológicos e serviços de saúde de qualidade, infraestruturas culturais e de lazer de qualidade; tem um território diversificado, património natural de elevada biodiversidade e um vasto património cultural, é um dos países mais seguros do mundo.

A Organização Mundial do Turismo reconhece a importância crescente do turismo na economia global, considerando-o uma oportunidade para a prosperidade dos povos e dos territórios. Os seus efeitos fazem-se sentir no alojamento, na restauração, nos serviços de transporte, na animação turística e de forma indireta em diversas outras atividades económicas. Estima que um em cada dez empregos a nível mundial esteja diretamente ligado ao setor do turismo;  

De acordo com o Banco de Portugal, o turismo é um dos setores que mais contribui para a recuperação da economia portuguesa. As receitas do turismo tiveram no período de 2012 a 2016, um crescimento médio de 10,2%. O crescimento da atividade turística teve reflexos positivos nas taxas de ocupação dos quartos, no número de dormidas, no rendimento médio por quarto disponível, na redução da sazonalidade e no emprego;

Em 2016 as receitas do turismo foram de 12,7 mil milhões de euros, representaram 16,7% do total das exportações portuguesas, ano em que se registou o valor de 55 milhões de dormidas e 19,1 milhões de hóspedes;

Os principais mercados geradores de receitas turísticas em Portugal estão na Europa. Cinco países (França, Reino Unido, Espanha, Alemanha e Países Baixos) representam 65% das receitas totais;

Portugal e Espanha são países com posição relevante no turismo a nível mundial, juntos são o primeiro destino turístico do mundo. Portugal é, segundo a Organização Mundial de Turismo, o 26.º país em receitas turísticas, ocupa a 15.ª posição como destino competitivo, venceu em 2017 o prémio de melhor destino turístico do mundo. O país vizinho ocupa a 3.ª posição em termos de receitas e nos anos de 2015 e 2016 conseguiu atingir a 1.ª posição como destino turístico mais competitivo do mundo, sucesso atribuído à oferta cultural e natural em combinação com o serviço de apoio aos turistas; 

Portugal que tem como principais portas de entrada turística, Lisboa, Porto e Faro e por isso se foca quase totalmente no litoral, não pode deixar de promover o turismo no Interior, fortalecendo novas portas de entrada a partir do país, que em termos turísticos é muito forte, trabalhando de forma mais integrada, em particular com as suas regiões fronteiriças, a interface territorial entre os dois países.

A Região Norte tem, na perspetiva da promoção turística, um grande potencial em termos de património natural e cultural, que exige uma promoção mais integrada em termos regionais, com maior benefício económico para a região no seu todo, criadas as condições o crescimento turístico em Trás-os-Montes e Alto Douro e não exclusivamente na orla litoral e cidades próximas.

 Portugal pretende com a “Estratégia Turismo 2027”, afirmar o turismo em todo o território e posicionar Portugal como um dos destinos mais competitivos e sustentáveis do mundo, valorizando num dos seus eixos a oferta turística cultural, tendo por base o conjunto de bens patrimoniais com dimensão histórica, identitária e de religiosidade. Ora, para isso, não pode deixar de estabelecer metas específicas para o Interior, contando com os seus ativos, sob pena de a linha de fratura entre o Portugal despovoado e envelhecido e a estreita faixa da orla costeira, se acentuar.

A Região Norte é de entre as Regiões NUT II do País, a que dispõe de maior número de monumentos nacionais (272) e de imóveis de interesse público (961). Dispõe de um vasto património cultural e natural onde se incluem quatro bens inscritos na Lista do Património Mundial da UNESCO (Porto, Guimarães, Douro e Vale do Côa), o Gerês/Xurês e a Meseta Ibérica, espaços que integram a Rede Mundial de Reservas da Biosfera da UNESCO, um Parque Nacional, quatro Parques Naturais e várias Paisagens Protegidas de interesse nacional e local, dezanove Sítios de Interesse Comunitário e seis zonas de proteção especial integradas na Rede Natura 2000.  Em Trás-os-Montes e Alto Douro está muita da riqueza patrimonial e ambiental que deve ser mobilizada para o desenvolvimento sustentável. 

O desenvolvimento sustentável do turismo obriga-nos a equacionar as grandes tendências mundiais: as alterações climáticas, seus efeitos sobre a vida humana e a economia; o forte crescimento e urbanização da população mundial; a limitação de recursos do planeta e a luta pela sua posse; a pobreza e a fome; as desigualdades crescentes.

Por outro sabe-se que, o forte crescimento da população mundial, o aumento de rendimento em países de economias emergentes, o impulso da globalização, a redução de preços, a maior facilidade nas fronteiras e que viajar é essencial à promoção dos negócios e à qualidade de vida, são um conjunto de fatores quer contribuem para que as perspetivas de crescimento do turismo a nível mundial sejam elevadas. No ano de 1950 o número de turistas era de 50 milhões, em 2016 foram contabilizados 1,24 mil milhões e prevê-se que no ano de 2030 atinja o valor de 1,8 mil milhões.

É no âmbito do contexto acima referido que o turismo tem que ser pensado em termos globais, num cenário de crescimento económico inteligente e inclusivo, com utilização eficiente dos recursos no sentido de minimizar impacto das atividades humanas sobre o planeta.

A sustentabilidade económica, social e ambiental é a nova tendência de pensamento para o turismo global. O turismo bem concebido e gerido deve contribuir para o crescimento económico, para a criação de emprego, para a redução das desigualdades, para a paz, através de uma maior compreensão cultural e religiosa entre os povos.

O Fórum Económico Mundial, na análise de tendências para o turismo global, acentua que as preferências dos turistas se alteram, que novos produtos e destinos turísticos competem no mercado global, que a oferta turística e os turistas estão cada dia mais alinhados com questões como, a sustentabilidade ambiental e o respeito pelos hábitos das diversas culturas e religiões.

Portugal, em particular Trás-os-Montes e Alto Douro estão bem posicionados para uma mudança de paradigma, como destino turístico sustentável e beneficiar dessa nova sensibilidade dos turistas. Necessita ter visão e orientações simples e claras para que essa mudança seja assumida, num contexto de crescimento turístico, em que se exige elevada formação das profissões do setor e adequação de competências às necessidades do mercado, em que no âmbito da política pública e dos negócios, se exige sejam conciliados os interesses dos turistas, da indústria e serviços, com o interesse das comunidades locais e do meio ambiente.

Por outro não pode conceber-se o desenvolvimento sustentável do turismo em Portugal, sem pensar no território no seu conjunto, concentrando-o a oferta e a procura de forma maciça em meia dúzia de cidades, inclusive criando problemas de equilíbrio e de perda de qualidade em determinados centros urbanos, quando se sabe que as várias regiões do País se complementam e enriquecem a oferta turística e se deseja, que todas beneficiem da conjugação entre a melhoria da oferta e o aumento da procura. 

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Pedro Henriques da Mesquita (Moncorvo, 1589 - Coimbra, 1638 )

Um dos filhos de Pero Henriques, o Cavaleiro, chamou-se Francisco Vaz, o Amarelo, de alcunha e viveu em Torre de Moncorvo, casado com Maria Vaz, que lhe deu 5 filhos e 3 filhas. Por 1618, quando em Moncorvo começou uma nova vaga de prisões, Maria Vaz era já falecida e Francisco, vendo prender o irmão Domingos, abalou com os filhos solteiros para Medina del Campo, Castela. Dali passaram a Madrid, onde permaneceram 2/3 anos, acabando por fixar residência em Pastrana, onde viviam já uns parentes de Maria Vaz.

Dos filhos de Francisco, fixemos o nome de dois que, passaremos a designar como os irmãos Munhóz. Um deles era o nosso biografado, Pedro da Mesquita, que tinha uns 28 anos quando saiu de Moncorvo. Seria ainda solteiro quando rumou a Pastrana, vindo a casar mais tarde, com Mécia de Penha, natural de Vila Franca de Lampaças.

O outro, Diogo da Mesquita Munhóz, era 5 anos mais novo e casou com Genebra Henriques, da família Eminente, de Vila Flor, terra onde fixaram residência.

Pedro e Diogo eram mercadores e trabalhavam em conjunto, levando e trazendo linhos e tecidos, entre Portugal e Espanha. Possivelmente a sua rede de negócios estender-se-ia a outros familiares, nomeadamente aos irmãos e cunhados.

Na vaga de prisões de que atrás se falou foram levados vários tios dos Munhóz, que os denunciaram como judaizantes, pelo que lhe foram abertos os respetivos processos na inquisição de Coimbra que, em 16.5.1636, emitiu um decreto de prisão, escrevendo, nomeadamente:

- … Prisão de Pero Henriques e Diogo Henriques, ambos irmãos, naturais de Torre de Moncorvo (…) de onde se ausentaram mudando os nomes e de presente se chamam Diogo da Mesquita Munhóz e Pedro da Mesquita Munhóz… (1)

Obviamente que o decreto de prisão foi enviado aos comissários da inquisição existentes em Trás-os-Montes. Especialmente atento e vigilante ficaria o comissário Francisco Luís, arcediago de Mirandela no cabido da sé de Miranda do Douro.

Quase um ano depois, em 16.4.1637, “com muita diligência e com alguns espias”, o arcediago prendeu os irmãos Munhóz, no decurso de uma das suas viagens de negócios entre Pastrana e Trás-os-Montes. Pedro foi preso na alfândega da cidade de Miranda quando estava despachando 7 cargas de linhos e lenços que levava para Castela. (2) Diogo foi preso em Rossas, junto a Bragança, onde iria acertar algum negócio. (3)

Juntamente com as mercadorias e o dinheiro que traziam, foi apreendido a Diogo Munhóz um papel que trazia dentro de “uma caixa de folha de lata, com um cordão de seda encarnada cosida e lacrada em um pano de estopa”. Era uma certidão, assinada pelo cirurgião-mor do hospital real de Madrid, Andrés de Tamajo, dizendo que, por causa de uma doença venérea, tinha sido necessário cortar-lhe o prepúcio.

Presos os dois mercadores, sequestrados os bens e garantidos os 20 mil réis estipulados para as despesas de alimentação (4) e transporte de cada um deles para Coimbra, tratou o comissário de fazer um relato minucioso da ação, tudo enviando para Coimbra. Manuel Escobar foi o homem escolhido para dirigir a leva dos prisioneiros que foram entregues ao alcaide dos cárceres em 29.4.1637.

Sobre o processo de Diogo Munhóz, diremos que a certidão assinada em 1620 pelo Dr. Tamajo lhe foi de vital importância, já que os três médicos de Coimbra que o observaram, todos concluíram que o corte do prepúcio não fora motivado por qualquer doença, mas sim da circuncisão que lhe terão feito. A certidão, possivelmente falsificada, seria um mero disfarce. O caso era de extrema gravidade. Ele, porém, continuava a defender-se com a certidão e não houve outro remédio senão contactar a inquisição de Toledo para averiguar da veracidade da certidão. E sendo interrogado o dito cirurgião pelos inquisidores espanhóis, confessou lembrar-se do caso e de a assinar. (5)

De resto, processo correu normal, já que Diogo Henriques da Mesquita, aliás, Diogo da Mesquita Munhóz, logo confessou suas culpas e pediu misericórdia. Acabou condenado em cárcere e hábito perpétuo, no auto da fé de 30.10.1638.

Mais complicado foi o processo de Pedro Henriques da Mesquita, que foi queimado no mesmo auto da fé. A sentença é muito clara e elucidativa do curso do processo e da sua vivência religiosa dentro dos cárceres:

- Por serem suas confissões muito estreitas, mostrando que confessaria mais alguma coisa se nesta mesa se contentassem com isso (…) nem confessar as guaias (6) que fez no cárcere (…) nem confessar que deixava de comer carne de porco no cárcere (…) e estar o réu tão entranhado na lei de Moisés que por sua guarda fez nestes cárceres muitos jejuns judaicos, como dizem os vigias e o réu confessou declarando também que se não podia ver livre da dita crença (…) e o réu pretendia embuçar com as contradições e repugnâncias de sua crença em que, mesmo ensinado e advertido com grande miudeza, respondia como pessoa de pouco juízo e capacidade, sendo de bom entendimento e muito acautelado no que mostrava não querer responder a propósito…

Cristão ou judeu? Bem ou mal julgado? Só Deus o saberá. Por nós temos a certeza de que Deus aceitará que rezemos a seguinte oração que Pedro da Mesquita Munhóz costumava rezar:

Perdóname Señor que te he ofendido,

perdona al miserable que te llama,

perdóname Señor que me he perdido.

No me condenes Señor a la eterna llama,

antes vuelve tus ojos a mirarme.

Sufre el que por amarte se desama,

valga pera contigo confessarme,

válgame ante Ti llorara mi ofensa

y pliegote un poco de escucharme,

que se tu graça disto me despensa

e me ayudas Señor, en lo que digo

servirá el escucharme de defensa.

Pecador soy, Señor, tu eres testigo,

que a tus ojos divinos no hay negarlo,

pues desde mininés andas conmigo,

que aunque a Ti el dissimularlo

era tiempo perdido. E no por eso lache

de amar mi mal o ejecutarlo,

mas quien te podrá contar  aquel processo

y aquel larga historia de mis males,

que el corazón me ahoga com su peso.

Verguenza he de pensar en los mortalhes

pecados, que en tus ojos cometía,

com que lachaba atrás los animales.

Quien duda pues que quando te offendía,

tu grande misericordia me miraba.

 

Notas:

1-ANTT, inq. Coimbra, pº 7067, de Diogo da Mesquita Munhóz; pº 5770, de Pedro Henriques da Mesquita.

2-Pº 7067 - Relatório feito pelo notário do santo ofício em Miranda do Douro, Francisco de Chaves: - Em companhia deste preso ia seu irmão Manuel da Mesquita Henriques, solteiro, que levava sete cargas de lenço para Castela e por me parecer que nelas ia fazenda do preso, as sequestrei…

3-IDEM : - Por me constar que o dito Diogo da Mesquita Munhóz partira do lugar de Duas Igrejas, em companhia de seu irmão Manuel de Mesquita Henriques e Francisco Vaz Faro e de outro mercador que não sei o nome (Pedro Munhóz?), todos de Vila Flor e que antes de eu tornar a esta cidade, o dito Diogo da Mesquita se apartara dos mais. E depois de eu o ter buscado, os vi na alfândega onde os companheiros estavam despachando as mercadorias que levavam, como em outras partes, e por o não achar, nem notícia dele, de mandado do senhor comissário me pus a cavalo para me ir em seu alcance pelo caminho que vai para Castela, e por me dizer o comissário que levasse gente comigo, chamei Manuel de Escobar, cidadão desta cidade e meirinho nela, e ambos fomos (…) e no lugar de Rossas o prendi e trouxe a esta cidade…

4-Do inventário dos bens que trazia o Diogo, consta “um macho que ao tempo de sua prisão se vendeu na praça de Miranda por 12500 réis e uma escopeta por 1500 réis”. Dos restantes bens foi logo passada ordem pelo arcediago para o juiz de fora de Vila Flor inventariar. Não sabemos se alguma das 13 cargas que o grupo estava despachando na alfândega era de Diogo, uma vez que 7 delas seriam de seu irmão.

5-A operação não foi feita pelo Dr. Tamajo mas pelo médico português, cristão-novo, então residente em Madrid e que, por 1630, deixou se foi para a Flandres, Manuel Nunes de Leão, apresentado como “cirujano e romancista”.

6-Guaias são orações em forma de lamentos, com inclinações simultâneas do corpo e da cabeça, com as mãos levantadas e abertas. Há quem veja nesta forma de rezar a origem do Fado, a original canção portuguesa.