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Milhões ao Panteão, já!

O Panteão Nacional, fundado em 26 de Setembro de 1836, nunca demonstrou ter suficiente préstimo material ou imaterial. Por isso os responsáveis agora lhe franqueiam as portas para eventos de maior aparato e mais requintada etiqueta, ainda que continue a haver interessados em povoá-lo com fantasmas e mitos da sua estima privada.

Está instalado na Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, cidade que já foi capital de um império pioneiro da mundialização e campeão do humanismo (que muitos lamentavelmente persistem em vilipendiar), destinando-se, de acordo com as Leis que o regulamentam, a “homenagear e a perpetuar a memória de portugueses que muito se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”.

Lisboa que está transformada numa desvairada estância turística, pouso oficial de presidentes, ministros e deputados de uma paradoxal república popular, sem lei nem grei, que definha a olhos vistos por mais que o balão da economia infle, com a maior parte do território a ser pasto de chamas e votado a imparável processo de ermamento.

Lisboa que aboca as mais afamadas cabeças pensadoras da política e das artes nacionais, em que pontificam destacados activistas mais moralistas que o Papa, que procuram impor-se aos demais com todas as artes e manhas, se arvoram em donos exclusivos da democracia e que tentam reescrever a História a seu bel-prazer, como o atestam as movimentações públicas para impor os novos inquilinos da Igreja de Santa Engrácia, ao arrepio da Nação.

Acontece que a verdadeira homenagem e perpetuação da memória dos heróis mais genuínos é feita nos pergaminhos e tratados históricos, pelo povo que os admira e reverência, que preserva as suas obras, lê os seus livros, canta as suas músicas, enaltece e beneficia dos seus feitos. Acresce que os verdadeiros heróis demoram um certo tempo a consolidar-se e a libertar-se da mesquinhez dos vivos.

A glorificação ou denegação das personalidades históricas relevantes não pode ser desígnio subterrâneo de partidos políticos, sinédrios, clubes de futebol, associações amadoras e tertúlias, nem resultar do entusiasmo efémero de uns tantos correligionários.

Não contesto o valor das personalidade representadas no panteão de Santa Engrácia embora questione a justeza do mérito de algumas delas para tanto, considerando as que são presentemente apontadas, o que também me leva a estranhar que os brilhantes humoristas nacionais não reclamem um cenotáfio do Zé Povinho, tal qual o imortalizou o seu criador Raphael Bordallo Pinheiro. Sem tirar nem pôr, manguito incluso.

E, a ser verdade que as escolhas obedecem a ditames partidários, clubistas ou a afectos pessoais, pergunto: porque não introduzir também um critério regionalista?

E por que razão não foi ainda conferido tão enaltecido privilégio a Aníbal Augusto Milhais, o mítico soldado Milhões, já que heroicidade a teve de sobejo e os seus feitos transbordaram as fronteiras nacionais? Terá sido por ser transmontano? Por ser soldado raso? Porque mal sabia ler e escrever? Ou pura e simplesmente porque não cantava fado?

A resposta, portanto, só poderá ser: Milhões ao Panteão e já!

Desculpem-me. É o brio de ser trasmontano a falar, o desejo de que Trás-os-Montes de uma vez por todas deixe de ser tratado como uma cortinha e os transmontanos olhados como hortelões, emigrantes in-

veterados, carne bruta para ca-

nhão.

 

Este texto não se conforma com

o novo Acordo Ortográfico

 

Qual Bandarra?

Os mitos nascem de circunstâncias relevantes associadas a determinadas coincidências a que alguém atribui uma pretensa relação causa/efeito. A adaptação popular do relato e o acréscimo de alguns pormenores ficcionais faz o resto. A conveniência para justificar e sustentar determinada tese ou teoria, completa o quadro. Ilustro esta afirmação com uma lenda do tempo da Segunda Grande Guerra.

Timur-e-Lang (Timur o Coxo) que ficou conhecido como Tamerlão assumiu-se como descendente de Gengis Kahan, segundo alguns historiadores, apenas para legitimar o poder que exerceu sobre o largo império que conquistou. Com o objetivo de provar que efetivamente o guerreiro uzbeque tinha entre os seus antepassados o famoso conquistador mongol, o investigador soviético Mikahil Gerasimov solicitou autorização para exumar o cadáver, que lhe foi concedida, dizem que, diretamente por Estaline, em 1941. O mausuléu de Tamerlão, no Uzbequistão, está coberto por uma enorme laje em jade onde está gravada, a mando deste, a inscrição: “Quando eu ascender dos mortos, o mundo vai tremer”. Constou que dentro do respetivo caixão havia uma segunda frase, em árabe, dizendo: “Quem abrir o meu túmulo soltará um invasor mais terrível que eu!”. Poucos dias depois a URSS era invadida pelas tropas hitlerianas dando início à tremenda operação Barbarossa que dizimou milhões de russos.

Um segundo facto veio consolidar a lenda da “maldição”: na véspera da batalha de Estalinegrado, que marcou a inversão no curso do conflito, o esqueleto do guerreiro medieval foi devolvido à sua tumba, observando um rigoro ritual muçulmano. Obviamente que é fácil tentar associar estes factos entre si e é isso que a superstição popular faz. Mas cumpre olhar para todos estes fenómenos com os olhos da razão. A decisão de invadir o túmulo e abrir o caixão foi tomada e executada em alguns dias. Não é razoável sustentar que a invasão, que começou a ser planeada um ano antes, possa estar de alguma forma ligada a tal acontecimento. É igualmente ridículo sustentar que foi a devolução dos restos mortais que inverteu a sorte da invasão germânica. Não é displicente, contudo, aceitar que sabendo das crenças supersticiosas de muitos dos combatentes, a chefia militar, sabendo da sua superioridade estratégica, tenha feito coincidir o re-enterro com as vésperas do contra-ataque, para elevar o moral das tropas. Obviamente que, depois, não foi possível conter a disseminação da crença, mas nada mais há do que isso, coincidência de datas, ocasional, a primeira, provavelmente, forçada, a segunda.

O mesmo se passa, no meu entendimento, com as chamadas profecias do Bandarra que, segundo o que nos foi ensinado na escola, prenunciavam o regresso de D. Sebastião. Uma análise racional aos factos, facilmente releva a incongruência de tal teoria. Gonçalo Annes Bandarra morreu em Trancoso, em 1556, tinha o jovem príncipe, dois anos de idade. Ou seja, quando as trovas foram feitas e divulgadas, ainda não tinha nascido o rei que haveria de sucumbir em Alcácer Quibir. Como poderia o sapateiro de Trancoso apelar à vinda em qualquer manhã de nevoeiro de alguém que ainda nem existia? Mesmo quem possa acreditar nos poderes proféticos do artesão não pode defender tal teoria porque se assim fosse, haveria necessidade de explicar o rotundo falhanço da “previsão” pois é da história que nenhum cavaleiro salvador chegou, nem em manhã de nevoeiro, nem em tarde de nebilina! O anúncio de Gonçalo Annes referia-se não a um chefe militar, mas à ansiada vinda do Messias que os judeus esperavam e que, por essa altura, agitou a comunidade marrana portuguesa e espanhola. Este espírito messiânico varreu a Peninsula Ibérica e foi, de alguma forma, fomentada por D. João III, que recebeu o suposto mensageiro e percursor do Messias, David Reuveni, a quem inclusivamente prometeu ajuda e fazer uma pausa na perseguição aos marranos. Uma leitura atenta das estrofes em questão, mostra claramente que “aquele” que se esperava e anunciava seria “um pastor valente” ... “com huma limgua sagaz”, mais conformado a um líder espiritual do que a um libertador comandante militar. Aliás, o Santo Ofício, que não dormia em serviço, disso se convenceu pois prendeu e sancionou o poeta e proibiu a divulgação da obra.

Obviamente que a posterior “adaptação” serviu os interesses da Casa de Bragança e, seguramente, não seria a comunidade marrana que viria, naquela altura e naquelas circunstâncias, reclamar o sentido diferente e verdadeiro da coletânea de trovas que assim “passaram à história”.

A lei do pimba

Boa tarde minha gente. Espero que este Verão esteja a ser como manda a lei. Por falar em Verão, hoje vou destrinçar o pimba. Destrinçar como se fosse com uma daquelas tesouras de cortar frangos assados. Comecemos pela terminologia. Música ligeira ou música pimba. Bem, pimba soa mais popular e para o efeito é o que se quer. Além disso ligeira é uma palavra muito anos 80, 90 no máximo. Pimba só se usa para este fim, por isso fiquemos com o pimba até porque este tipo de música não costuma de ser de meias palavras ou ter medo delas. Primeiro, este não é um fenómeno tão recente nem nasce com as festas e o dinheiro dos emigrantes. Até porque antes disso sempre houve festas nas aldeias. Não tinham nada a ver com as de agora, bem-entendido, mas festa é festa. E como dantes não havia tanto entretém talvez até tivessem mais espírito. O tira-teimas fica ao critério de quem viveu umas e outras. Nesses tempos já havia conjuntos, feitos de música e instrumentos a sério, como o ‘Maria Albertina’ ou o ‘António Mafra’, por exemplo. E já nesse tempo as canções eram polvilhadas a trocadilhos apimentados. Atentem na discografia do ‘Conjunto António Mafra’. Aquelas letras antes do 25 de Abril, sim senhor, é do Quim Barreiros lhes tirar o chapéu. Sérgio Godinho ou Sitiados musicaram muita coisa deles. O João Aguardela dizia, inclusive, que era uma das suas bandas favoritas. ‘Maria Albertina’ era uma cena mais Jorge Ferreira: ai, o emigrante, Nossa Senhora, minha mãe, meu pai, não saía muito daí. O que só mostra que já nessa época havia diferentes abordagens. Bem, o que é que mudou então? O que mudou foi o mundo. A sociedade, os tempos, um milhão de coisas. Veio a democracia, a Europa, as auto-estradas e com isso a facilidade de fazer as coisas, o electrónico, a linguagem desimpedida, dinheiro, a indústria das festas populares, os meios de comunicação, o bom, o mau e todos em geral. No meio deste barulho, outra questão, uma das maiores falácias do pimba é dizer que os artistas não sabem nada de música. Não é verdade, os nossos maiores artistas do género são grandes músicos e compositores e têm por norma uma grande e reconhecida cultura musical. É claro que há muitos que não percebem nem querem perceber nada do assunto, sinal de que há mercado para todos, mas este é um aspecto em que sem dúvida pagam os justos e os pescadores. Depois há a apresentação, a imagem. No que diz respeito ao guarda-roupa uma mulher bonita facilmente vira pirosa em cima de um palco, embora não deixe de ser uma mulher bonita nem deixe de estar pirosa. Mulher bonita mas pirosa é uma dicotomia muito música pimba. Já o homem tem orgulho em ostentar o modo pimba como escolhe a indumentária. Aqui creio que não há dicotomia nenhuma. Faz parte, o guarda-roupa leva o artista pimba para outra dimensão. Uma dimensão única e inigualável onde o expoente máximo da expressão artística pode ser apreciado itinerantemente nas t-shirts do José Malhoa. Deveria haver uns óscares do pimba: e o melhor guarda-roupa vai para… Depois temos o modelo de jogo. As comissões de festas podem escolher, consoante o pressuposto que têm, se querem jogar em 4-3-3 ofensivo em regime de pensão completa com artista acompanhado de bailarinas em rotatividade, banda larga e pirotecnia e ou se querem jogar apenas com um ponta de lança perdido no meio da defesa contrária, sem eira nem banda e com a música ultracongelada que é só pôr no micro-ondas e servir. Segue-se a comunicação com o público. O tempo dos palcos em atrelados de tractores acabou. Por isso agora é difícil levar os artistas a beber copos depois da actuação e fazer uns ‘after parties’ daqueles que iam directamente para os anais da história da humanidade rural. Com o século 21 e a facilidade de deslocação o artista tem três espectáculos na mesma noite por isso tem de sair daqui a correr para Penalva do Castelo e ainda vai acabar a noite a Alijó. Esteve aqui uma hora a tocar sem emoção nenhuma, mas não é que seja má pessoa ou se esteja a borrifar para si e para a sua aldeia. É só excesso de trabalho. Se quiser ter alguma interacção com ele, o mais fácil é apanhá-lo amanhã de manhã no Você na TV. Depois há os que montam e desmontam os palcos, músicos, bailarinas, gajos do som, etc., todos os que fazem a máquina funcionar. Muitas mais características haverá a destrinçar mas termino com a do perfil do público. O público é bastante heterogéneo na medida em que consiste em quase toda a gente à face de Portugal e das comunidades portuguesas. Há os que sim senhor, já não compram as cassetes nas estações de serviço mas continuam a levar os seus artistas muito a peito e a ligar para a Romântica FM ou para a Rádio Lusitânia de Lausanne a pedir “aquela” para dedicar à cunhada porque apesar de ser Setembro, Agosto está quase aí à porta. E depois há o lado oposto, os que dizem, não a minha cena é o indie, por exemplo adorei ver aqueles australianos, os “The BigPiss” no Primavera Sound, mas na verdade já estiveram em mais concertos da Banda Lusa e do Nel Monteiro do que das outras todas juntas. Acontece a todos. A lei da natureza é implacável e a lei do pimba é a lei do pimba. Até breve, um abraço ou um beijinho.

 

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Gabriel Pereira (n. Mirandela, 1629)

Foi seu pai Manuel Pereira, natural de Chacim. Pertencia a uma família de mercadores, com dois irmãos casados em Torre de Moncorvo. Uma filha de Manuel e de sua primeira mulher (Brites da Costa), chamou-se Filipa Pereira e na sua descendência, nasceu Jacob Rodrigues Pereira,(1) que se notabilizou em França, com a criação de um alfabeto para educação dos surdos-mudos.

Isabel Antónia se chamou a segunda mulher de Manuel, mãe de Gabriel. Era natural de Mirandela, filha de André António e Maria Luís. Por esta parte, se ligam à família Isidro, de Torre de Moncorvo.(2)

Manuel Pereira e Isabel Antónia estabeleceram morada em Mirandela, dedicando-se ao comércio de panos. Ali lhe nasceram os filhos, nomeadamente o Gabriel Pereira, pelo ano de 1629, que, como o pai, seguiu a vida de mercador.

Casou com Violante Nunes, que lhe deu uma filha que batizaram com o nome de Isabel Antónia, a qual viria a casar com Gaspar da Fonseca Henriques, mercador, natural de Trancoso, estabelecido depois em Mirandela.

Ficando viúvo, casou segunda vez com Grácia Mendes, de Trancoso, irmã do dito Gaspar da Fonseca, filhos, ambos de Francisco da Fonseca Henriques, mercador em Trancoso e rendeiro, mais conhecido pela alcunha de Manico. Temos, assim, Gabriel Pereira sogro e cunhado de Gaspar da Fonseca Henriques.

Em casa de Grácia e Gabriel vivia também uma irmã deste, chamada Violante Pereira, que nunca casou, aleijada de um pé e de uma mão, o que a não livrou de ser presa pela inquisição.

Dos filhos do casal, diremos que o mais velho se chamou Manuel Henriques Pereira, nascido por 1658. Frequentou a universidade de Coimbra, onde se formou advogado. Foi escrivão dos Contos do Reino, uma espécie de diretor-geral de Finanças, dos nossos dias.(3) O facto de ser um alto funcionário do Estado e ter de assistir em Lisboa, não o impediu de criar uma boa casa agrícola em Carvalhais, junto a Mirandela, chegando mesmo a ser o maior produtor de linho da região. Em Carvalhais construiu também uma bela moradia que durou até aos anos de 1970. Foi contemplado com várias mercês pelo rei D. Pedro II.(4)

Outro dos filhos do casal chamou-se, como o avô materno, Francisco da Fonseca Henriques e passou à história com o epíteto de Dr. Mirandela, o célebre médico do rei D. João V.

Um terceiro filho do casal foi batizado com o nome de Fernando. Nasceu no dia em que a inquisição prendeu Gabriel Pereira e tinha pouco mais de meio ano quando a mãe foi igualmente levada para a cadeia de Coimbra. Dele, nenhuma outra notícia encontramos, depreendendo que terá falecido em criança. 

O ano de 1662 foi terrível em Trás-os-Montes, no que respeita à perseguição inquisitorial. Só em maio desse ano foi decretada a prisão de 78 cristãos-novos Trasmontanos.(5) A vila de Mirandela não foi exceção, constando daquela lista 19 decretados, incluindo a família de Gabriel Pereira e Grácia Mendes que foi toda arrastada pelo vendaval.(6)

Gabriel Pereira foi preso ao início do mês de Junho de 1662,(7) juntamente com outros 5 cristãos-novos, todos aparentados. Como parentes eram vários outros presos na mesma altura em Chacim, Vila Flor, T. Moncorvo e outras terras. O responsável pela condução até Coimbra da coluna de Mirandela foi Miguel Pina, de Torre de Moncorvo, certamente familiar da inquisição, como era recomendado pelo regimento do santo ofício.

As celas da cadeia estariam então superlotadas, e assim se explica que o metessem em uma delas com dois conhecidos seus: João Mendes, de Trancoso e Manuel da Fonseca, de Lebução. Este último, inclusivamente, frequentava a sua casa, em Mirandela e era conhecido como o maior passador de cristãos-novos para Castela.

Olhando o processo de Gabriel Pereira, verifica-se que ele foi acusado de judaizar, por 32 pessoas, a grande maioria familiares, mais ou menos próximos. Por sua vez, ele confessou que se tinha declarado por judeu ou feito cerimónias judaicas com umas 70 pessoas. Era a atitude normal, para ver o seu processo despachado mais facilmente: denunciar todos os familiares e amigos, para não falhar nenhum e ser acusado de diminuto. De resto, confessou que fora ensinado na religião mosaica em casa de seu pai, por sua meia-irmã Filipa Pereira e que se declarou com seu pai e seus irmãos. O seu processo nada apresenta de especial, se bem que constitua instrumento importante para identificação de muita “gente da nação” que com ele se relacionava. Ficou concluído ao cabo de quase dois anos de meio, saindo ele condenado em cárcere e hábito perpétuo, com sequestro de bens, no auto da fé de 26.10.1664.

Voltemos a Mirandela, ao casamento de Gabriel e Grácia. A casa onde ficaram a morar situava-se junto ao palácio dos Pinto Cardoso, senhores do opulento morgadio de Santiago, uma casa que ainda hoje embeleza a antiga Praça intramuros da vila, classificada de monumento nacional, mais conhecida como o palácio dos Condes de Vinhais. No dizer de Grácia, “eram umas casas muito fermosas, em que viviam, que de uma banda a outra partiam com casas de“ Manuel Rodrigues e Jorge da Mesquita, cristãos-novos, irmãos entre si, parentes de Gabriel Pereira, que com ele foram presos.

Os primeiros tempos de vida do casal não seriam fáceis pois que ela se foi de volta a viver em Trancoso, dizendo alguns que o marido lhe dava maus tratos. Outros dizem que se foi por motivos de doença, derivada do clima de Mirandela e que foi curar-se na casa paterna. Facto é que por algum tempo ele assistia em Mirandela e ela em Trancoso. E terão mesmo planeado ir viver para Trancoso, pois que venderam a casa a André Cardoso Pinto, o que os citados parentes seus vizinhos lhe não perdoariam.

Depois, foi na Rua de Santo António, que estabeleceram morada. Era uma casa de sobrado, que ele comprara, 6 ou 7 anos atrás, a António Lopes,(8) cristão-novo, o Mourisquinho, de alcunha. No r/chão tinham a sua loja de fazendas, avaliando-se o recheio em 450 mil réis, quando foi preso.

Dizia-se mercador mas podemos também classifica-lo como industrial de moagem de pão, pois tinha uma azenha no rio Tua, junto a Chelas, equipada com 2 pedras de moer e que valia 150 mil réis. Tinha também diversas propriedades agrícolas para cultivo de cereais, além de uma vinha e uns olivais. Para o serviço de transporte de fazendas, especialmente para as feiras e para o trato das terras, tinha dois machos e com ele trabalhava de empregado um moço solteiro dos lados de Monforte Rio Livre.

 

Notas:

1 -ANDRADE e GUIMARÃES – Jacob (Francisco) Rodrigues Pereira Cidadão do Mundo, Sefardita e Trasmontano, ed. Lema d’Origem, Porto, 2014.

2 – IDEM – OS ISIDRO, a Epopeia de uma Família de Cristãos-Novos de Torre de Moncorvo, ed. Lema d’Origem, Porto, 2012

3 - TT/Chancelaria de D. Pedro II, lv. 32, f. 148v – Carta de Provedor dos Contos do Reino, dada em 29.11.1685, com o ordenado de 120 mil réis.

4 - Idem, lv.53,f.81v –Alvará para Manuel Pereira da Fonseca, hebreu de nação, ter um tostão por dia, dado em 20.12.1698. Idem, lv. 26, f. 66 – Documento de emprazamento de umas propriedades em Carvalhais ao licenciado Manuel Pereira da Fonseca, irmão do Dr. Francisco da Fonseca Henriques.

5 - Inq. Coimbra, Decretados, lv 71 (1640-1773).

6 - Inq. Coimbra, pº 2773, de Gabriel Pereira; pº 5289, de Grácia Mendes; pº 5659, de Violante Pereira; pº 6882, de Isabel Antónia; pº 6654, de Gaspar da Fonseca.

7 - ANDRADE e GUIMARÃES – O Dr. Francisco da Fonseca Henriques e a sua Família na Inquisição de Coimbra, in Brigantia, vol. XXVI, pp. 189-225, Bragança. 2006.

8 - Inq. Coimbra, pº 4258. António Lopes saiu no auto-da-fé de 9.7.1663. Faleceu em Mirandela em outubro de 1664. Morava na Rua da Ponte, junto à casa do morgado Luís Sequeira, construtor da capela de S. José.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Gabriel Pereira (n. Mirandela, 1629)

Foi seu pai Manuel Pereira, natural de Chacim. Pertencia a uma família de mercadores, com dois irmãos casados em Torre de Moncorvo. Uma filha de Manuel e de sua primeira mulher (Brites da Costa), chamou-se Filipa Pereira e na sua descendência, nasceu Jacob Rodrigues Pereira,(1) que se notabilizou em França, com a criação de um alfabeto para educação dos surdos-mudos.

Isabel Antónia se chamou a segunda mulher de Manuel, mãe de Gabriel. Era natural de Mirandela, filha de André António e Maria Luís. Por esta parte, se ligam à família Isidro, de Torre de Moncorvo.(2)

Manuel Pereira e Isabel Antónia estabeleceram morada em Mirandela, dedicando-se ao comércio de panos. Ali lhe nasceram os filhos, nomeadamente o Gabriel Pereira, pelo ano de 1629, que, como o pai, seguiu a vida de mercador.

Casou com Violante Nunes, que lhe deu uma filha que batizaram com o nome de Isabel Antónia, a qual viria a casar com Gaspar da Fonseca Henriques, mercador, natural de Trancoso, estabelecido depois em Mirandela.

Ficando viúvo, casou segunda vez com Grácia Mendes, de Trancoso, irmã do dito Gaspar da Fonseca, filhos, ambos de Francisco da Fonseca Henriques, mercador em Trancoso e rendeiro, mais conhecido pela alcunha de Manico. Temos, assim, Gabriel Pereira sogro e cunhado de Gaspar da Fonseca Henriques.

Em casa de Grácia e Gabriel vivia também uma irmã deste, chamada Violante Pereira, que nunca casou, aleijada de um pé e de uma mão, o que a não livrou de ser presa pela inquisição.

Dos filhos do casal, diremos que o mais velho se chamou Manuel Henriques Pereira, nascido por 1658. Frequentou a universidade de Coimbra, onde se formou advogado. Foi escrivão dos Contos do Reino, uma espécie de diretor-geral de Finanças, dos nossos dias.(3) O facto de ser um alto funcionário do Estado e ter de assistir em Lisboa, não o impediu de criar uma boa casa agrícola em Carvalhais, junto a Mirandela, chegando mesmo a ser o maior produtor de linho da região. Em Carvalhais construiu também uma bela moradia que durou até aos anos de 1970. Foi contemplado com várias mercês pelo rei D. Pedro II.(4)

Outro dos filhos do casal chamou-se, como o avô materno, Francisco da Fonseca Henriques e passou à história com o epíteto de Dr. Mirandela, o célebre médico do rei D. João V.

Um terceiro filho do casal foi batizado com o nome de Fernando. Nasceu no dia em que a inquisição prendeu Gabriel Pereira e tinha pouco mais de meio ano quando a mãe foi igualmente levada para a cadeia de Coimbra. Dele, nenhuma outra notícia encontramos, depreendendo que terá falecido em criança. 

O ano de 1662 foi terrível em Trás-os-Montes, no que respeita à perseguição inquisitorial. Só em maio desse ano foi decretada a prisão de 78 cristãos-novos Trasmontanos.(5) A vila de Mirandela não foi exceção, constando daquela lista 19 decretados, incluindo a família de Gabriel Pereira e Grácia Mendes que foi toda arrastada pelo vendaval.(6)

Gabriel Pereira foi preso ao início do mês de Junho de 1662,(7) juntamente com outros 5 cristãos-novos, todos aparentados. Como parentes eram vários outros presos na mesma altura em Chacim, Vila Flor, T. Moncorvo e outras terras. O responsável pela condução até Coimbra da coluna de Mirandela foi Miguel Pina, de Torre de Moncorvo, certamente familiar da inquisição, como era recomendado pelo regimento do santo ofício.

As celas da cadeia estariam então superlotadas, e assim se explica que o metessem em uma delas com dois conhecidos seus: João Mendes, de Trancoso e Manuel da Fonseca, de Lebução. Este último, inclusivamente, frequentava a sua casa, em Mirandela e era conhecido como o maior passador de cristãos-novos para Castela.

Olhando o processo de Gabriel Pereira, verifica-se que ele foi acusado de judaizar, por 32 pessoas, a grande maioria familiares, mais ou menos próximos. Por sua vez, ele confessou que se tinha declarado por judeu ou feito cerimónias judaicas com umas 70 pessoas. Era a atitude normal, para ver o seu processo despachado mais facilmente: denunciar todos os familiares e amigos, para não falhar nenhum e ser acusado de diminuto. De resto, confessou que fora ensinado na religião mosaica em casa de seu pai, por sua meia-irmã Filipa Pereira e que se declarou com seu pai e seus irmãos. O seu processo nada apresenta de especial, se bem que constitua instrumento importante para identificação de muita “gente da nação” que com ele se relacionava. Ficou concluído ao cabo de quase dois anos de meio, saindo ele condenado em cárcere e hábito perpétuo, com sequestro de bens, no auto da fé de 26.10.1664.

Voltemos a Mirandela, ao casamento de Gabriel e Grácia. A casa onde ficaram a morar situava-se junto ao palácio dos Pinto Cardoso, senhores do opulento morgadio de Santiago, uma casa que ainda hoje embeleza a antiga Praça intramuros da vila, classificada de monumento nacional, mais conhecida como o palácio dos Condes de Vinhais. No dizer de Grácia, “eram umas casas muito fermosas, em que viviam, que de uma banda a outra partiam com casas de“ Manuel Rodrigues e Jorge da Mesquita, cristãos-novos, irmãos entre si, parentes de Gabriel Pereira, que com ele foram presos.

Os primeiros tempos de vida do casal não seriam fáceis pois que ela se foi de volta a viver em Trancoso, dizendo alguns que o marido lhe dava maus tratos. Outros dizem que se foi por motivos de doença, derivada do clima de Mirandela e que foi curar-se na casa paterna. Facto é que por algum tempo ele assistia em Mirandela e ela em Trancoso. E terão mesmo planeado ir viver para Trancoso, pois que venderam a casa a André Cardoso Pinto, o que os citados parentes seus vizinhos lhe não perdoariam.

Depois, foi na Rua de Santo António, que estabeleceram morada. Era uma casa de sobrado, que ele comprara, 6 ou 7 anos atrás, a António Lopes,(8) cristão-novo, o Mourisquinho, de alcunha. No r/chão tinham a sua loja de fazendas, avaliando-se o recheio em 450 mil réis, quando foi preso.

Dizia-se mercador mas podemos também classifica-lo como industrial de moagem de pão, pois tinha uma azenha no rio Tua, junto a Chelas, equipada com 2 pedras de moer e que valia 150 mil réis. Tinha também diversas propriedades agrícolas para cultivo de cereais, além de uma vinha e uns olivais. Para o serviço de transporte de fazendas, especialmente para as feiras e para o trato das terras, tinha dois machos e com ele trabalhava de empregado um moço solteiro dos lados de Monforte Rio Livre.

 

Notas:

1 -ANDRADE e GUIMARÃES – Jacob (Francisco) Rodrigues Pereira Cidadão do Mundo, Sefardita e Trasmontano, ed. Lema d’Origem, Porto, 2014.

2 – IDEM – OS ISIDRO, a Epopeia de uma Família de Cristãos-Novos de Torre de Moncorvo, ed. Lema d’Origem, Porto, 2012

3 - TT/Chancelaria de D. Pedro II, lv. 32, f. 148v – Carta de Provedor dos Contos do Reino, dada em 29.11.1685, com o ordenado de 120 mil réis.

4 - Idem, lv.53,f.81v –Alvará para Manuel Pereira da Fonseca, hebreu de nação, ter um tostão por dia, dado em 20.12.1698. Idem, lv. 26, f. 66 – Documento de emprazamento de umas propriedades em Carvalhais ao licenciado Manuel Pereira da Fonseca, irmão do Dr. Francisco da Fonseca Henriques.

5 - Inq. Coimbra, Decretados, lv 71 (1640-1773).

6 - Inq. Coimbra, pº 2773, de Gabriel Pereira; pº 5289, de Grácia Mendes; pº 5659, de Violante Pereira; pº 6882, de Isabel Antónia; pº 6654, de Gaspar da Fonseca.

7 - ANDRADE e GUIMARÃES – O Dr. Francisco da Fonseca Henriques e a sua Família na Inquisição de Coimbra, in Brigantia, vol. XXVI, pp. 189-225, Bragança. 2006.

8 - Inq. Coimbra, pº 4258. António Lopes saiu no auto-da-fé de 9.7.1663. Faleceu em Mirandela em outubro de 1664. Morava na Rua da Ponte, junto à casa do morgado Luís Sequeira, construtor da capela de S. José.

O cantoneiro da navalha criativa

Ter, 04/09/2018 - 10:51


Olá gentinha boa e amiga!

Já estamos a viver o mês de Setembro e as novenas da Sr.ª da Serra já começaram, este ano com temperaturas de Verão. O tio Adérito Pinela, de Sacoias (Bragança), que todos os anos vai de novena para a serra, disse-me que nunca se recorda de ter dormido sem lençóis nem cobertores na serra.

Na semana passada recebi a melhor ‘medalha’ em todos estes anos ao comando da família: ia eu a caminho da rádio e na Av. Sá Carneiro ouço duas senhoras que falavam do meu trabalho. Paro e olho para as duas para ver se as conhecia. Uma delas perguntou-me o que é que eu precisava… e mal comecei a falar, conheceram-me a voz e a tia Fátima Queijo, uma brigantina que nos liga da Suíça, agarrou-se a mim com muita emoção, a chorar, enquanto me dizia que a ninguém passa pela cabeça a companhia que a Família do Tio João faz a quem está no estrangeiro, porque se sentem em casa quando nos escutam.

Esta semana estiveram de aniversário Luís Ventura (60), de Caçarelhos (Vimioso); os gémeos Paulo e Duarte (34), irmãos do Marco de Estorãos (Valpaços); a tia Aldinha Vieira (75), de Bragança; Corina (47), de Grijó (Bragança); Denérida (67), de S. Julião de Palácios (Bragança); Francisco Pinto (95), de Valpaços; Gina (53), de Milhão e Cátia Beatriz (30), de Grijó (Bragança). Que tenham sempre saúde e muitos mais anos de vida.

Agora vamos conhecer melhor o nosso tio Eugénio Hipólito Medeiros (mais conhecido como Cantoneiro), de Nuzedo de Baixo, marido da nossa célebre tia Neves, que, com uma navalha, faz obras de arte.