Estamos a ficar com os azeites

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Ter, 10/12/2019 - 01:49


A oliveira, o seu fruto e o azeite que dele se extrai são referências fundamentais das civilizações mediterrânicas, associadas a confortos de divindades e às aspirações humanas na partilha das essências do que consideram as delícias da imortalidade.
Associamos o azeite à luz que nos guia nas trevas, à purificação do corpo, à celebração da vida, apesar de também conhecermos ditos jocosos que o relegam para realidades enjoativas, rançosas e escorregadias, fruto de modas em tempos de idolatria do sintético, do processado, do adulterado, aparentemente cómodo, eficaz, rápido, com consequências que se hão-de ver, se calhar.
O Nordeste Transmontano tem sofrido os efeitos nefastos do isolamento que a história lhe foi impondo, abafando-lhe o alento e esvaziando-lhe a alma. Mesmo assim, quando olhado com olhos de ver, pressentia-se não haver razão para lhe assacar a condição de verdadeiro degredo.
Talvez se tenha chegado tarde ao reconhecimento de potencialidades únicas, apesar da aventura notável que foi o empreendimento do Cachão há mais de meio século, que se perdeu nas noites do desleixo acomodado às miragens de prosperidade que haveria de cá chegar, mais cedo ou mais tarde, porque sobraria de prometido milagre nacional, abençoado por todos os santos da Europa.
Mesmo assim, ainda foi possível identificar produtos que teriam futuro no sector agroalimentar, nomeadamente as carnes, o azeite, os frutos secos ou o vinho. Não faltaram proclamações e acções de sensibilização para a aposta na especificidade, na qualidade, na produção tradicional, porque por aí se chegaria a mercados com alto poder de compra, refinados, com garantias de continuidade.
O reconhecimento das produções da região foi aparecendo: vinhos, azeites, carnes certificadas foram premiados a nível internacional, mas a generalidade dos produtores viu-se confrontada com a exiguidade do universo de consumidores, reinstalando-se o instinto de sobrevivência, quando não aconteceu o abandono por falta de rentabilidade ou exaustão de quem gastara a vida a lutar contra o destino. Assim se explica a redução vertiginosa de cabeças de gado bovino e dos efectivos de ovinos e caprinos, estes com as perdas conexas de outro produto para palatos exigentes, os queijos com carácter muito próprio.
Enquanto a castanha e a amêndoa parecem ter, no horizonte imediato, garantias de rendimentos interessantes e o vinho também continua a fazer caminho, o azeite da região está, desde há três anos, a confrontar-se com um problema que pode comprometer-lhe o futuro.
O preço pago aos produtores de azeitona está em queda e os transformadores já recusam o próprio fruto, porque não colocam o azeite no mercado com rentabilidades aceitáveis. Por isso, um número significativo de pequenos produtores poderão conhecer sérias dificuldades para manter a actividade ou sujeitar-se a ficar com os azeites. Aqui nos confrontamos, mais uma vez, com o absurdo: a qualidade afinal serve-nos de pouco.
Ficar com os azeites também é expressão idiomática que utilizamos para referir irritação, mau humor ou fúria, sentimentos que tendem a não se arredar das nossas vidas.