A Europa do medo

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Ter, 20/12/2016 - 17:02


Há 102 anos o mundo resvalou para o festival de sangue porque a displicência de alguns poderosos da velha Europa, dados a festas e cerimoniais, não distinguiram uma mesa de bridge dos campos de batalha e se perderam a beber champanhe, enquanto ouviam relatórios de serviços secretos, também eles impregnados de vénias e salamaleques, como se o mundo fosse uma réplica dos corredores dos palácios por onde rebolavam a sua fulgurante insensatez.

Segundo cronistas de alcova, os quatro anos que a guerra durou, como o seu cortejo de mortos, estropiados, gazeados enlouquecidos, maltrapilhos desesperados e outros horrores indizíveis, terão levado a arrependimentos, nalguns casos até às lágrimas.

Mas a história não se compadeceu e a Europa mergulhou no fosso obscuro, onde vermes trabalharam a lama que a fez escorregar, outra vez, vertiginosamente, para a guerra, onde o refinamento sádico teve os seus dias de glória.

De entre as brumas sulfurosas do quase apocalipse emergiram figuras que lideraram décadas de regeneração da Europa, a caminho de um tempo que poderia ter-nos conduzido a um papel determinante nos próximos séculos.

No entanto, a mesquinhez, o imediatismo guloso e o comodismo decadentista voltaram à tona, alastrando como mancha de azeite rançoso, conduzindo-nos ao “cul-de-sac” em que nos vamos arrepiando com a morte todos os dias, até que a gadanha triunfante espalhe os nossos despojos sobre o verde da esperança que não alcançaremos.

Parece que nós, os europeus, não demonstramos capacidade de nos elevarmos da miséria moral e da cobardia, permitindo que medrem arautos da fragmentação que nos tornará presa fácil dos lobos do futuro.

Em vez de avançarmos para a construção de um aparelho de defesa, que seria poderosamente esmagador, gastamos os dias a coçar a sarna da dissensão, mesmo quando se repetem as humilhações, ontem em Berlim, deixando-nos no limite da vergonha, porque repetidas sem cerimónia, pisando ostensivamente os nossos princípios e ofendendo a essência da civilização que construímos.

O atentado, também de ontem, na Turquia, contra o embaixador russo, pode ser um sinal do agudizar da violência massiva. Se, entretanto, a Europa persistir nos caprichos e pieguices poderemos acordar num tempo em que cada país do extremo ocidente da Eurásia estará alegremente a funcionar como peça de um xadrez, jogado por mestres da frieza e da determinação mortíferas.

Depois de Átila, Gengis Khan, Saladino e do otomano Solimão, que cercou Viena em 1529, vale a pena lembrar que a vitória no mar de Lepanto foi a nossa nesga de sorte, há mais de quatro séculos. Devíamos ter aprendido a lição, mas tudo parece indicar que estaremos condenados a aceitar o medo com uma condição das nossas vidas.

A Europa precisa de avançar rapidamente para uma união política de facto, para uma estrutura militar comum, para uma união económica que lhe garanta a prosperidade, de modo a poder agir com firmeza no contexto de um mundo que, definitivamente, não está para cobardes, porque é preciso enfrentar sem hesitações os cães danados que estão a disseminar a pestilência moral neste mundo.