Irracionalidade e remorsos

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Ter, 20/02/2018 - 10:10


Na semana finda, iniciada a quaresma cristã, tivemos oportunidade de observar dois protagonistas maiores da política nacional a proclamar o seu arrependimento por se terem perdido décadas dando livre curso à irracionalidade do desprezo pelo território e pelas gentes do interior.
Na Idade Média eram famosas as procissões de flagelantes, que se sangravam na esperança da salvação, mesmo que os pecados que carregavam fossem iníquos, desumanos, naturalmente irracionais.
António Costa, na sexta-feira, em Bragança, lançou o mote, quando declarou que o país tem agora “uma oportunidade extraordinária de conseguir valorizar o que desvalorizou irracionalmente ao longo de décadas”. Referia-se ao interior em geral e ao nordeste transmontano em particular, onde viera no âmbito do roteiro do conhecimento e inovação, uma novíssima iniciativa do Governo.
Retomou o que dissera há quase um ano, também em Bragança, durante as  jornadas parlamentares socialistas, quando ainda podia acenar com a Unidade de Missão para o Desenvolvimento do Interior que, entretanto, conheceu o fraco destino de se estatelar contra a indiferença dos fragaredos milenares, que já viram passar tempos infindos, povoados de misérias, irracionalidades e vergonhas.
Também há 23 anos, por entre o pio dos estorninhos a acomodar-se nas tílias da Praça Cavaleiro de Ferreira, António Guterres deixara promessa de, finalmente, Bragança recuperar o lugar que lhe cabia no mapa do país. Os resultados todos os sabemos e sentimos, no corpo e na alma
O arrependimento é uma acto virtuoso, se for autêntico e não simples forma de aliviar pesos na consciência, para logo voltar aos trilhos da omissão e do adiamento de decisões que poderiam permitir a reversão do descalabro económico, social, cultural e demográfico que esmaga gerações que arriscaram o tempo útil da sua vida na esperança de outros tempos para esta nossa terra.
Curiosamente, no domingo, o novo líder do PSD também entrou na penitência, dedicando ao interior alguns minutos do seu discurso. Em tom irónico retomou a assunção do pecado ao referir que o país está “irracionalmente concentrado e centralizado”, dando a entender que com a sua liderança poderá haver outras políticas.
Assim quase nos sentíamos em verdadeira via sacra, dolorida, mas esperançada na redenção, já dispensávamos os azorragues a rasgarem o lombo dos pecadores, não fora a crueza do saber de experiência feito, que não nos deixa ser compassivos com quem não teve escrúpulos de nos relegar para as proximidades do abismo histórico.
Lembraremos sempre, com amargura, a década de esvaziamento frenético dos serviços no interior, que foi o consulado de Cavaco Silva, ao contrário do que deveria ter-se feito se houvesse coragem para travar as pulsões, pelos vistos irracionais, que determinam a política do país.
Não basta fazer o papel de carpideiras. Eram precisos outros sinais de coragem para assumir os riscos de desagradar à turba da festa do imediatismo e assim abrir os caminhos de um futuro que devolva ao país a possibilidade de continuar a fazer história na comunidade mundial.

Teófilo Vaz