Nós jogamos sempre nas de perder

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Seg, 11/05/2020 - 22:44


A nossa gente reconhece bem a situação dos desgraçados que, nas festas e romarias, se iam chegando a uma roda de homens, desenhada numa sombra conveniente, a deslado do baile, mas não muito longe de alguma tasquinha, para tentarem a sorte de multiplicar uma notita por três ou quatro e sentir o alívio de um bolso mais composto, pelo menos nos dias seguintes.
Muitas vezes o resultado da aventura era ficarem lisos, tesinhos como lâmpadas, condenados a voltar, cabisbaixos, para casa, maldizendo a sorte madrasta e resignados à necessidade de redobrar esforços para recuperar o perdido, prometendo não voltar a cair na tentação porque, afinal, os donos do baralho encontravam sempre forma de os levar a apostar nas cartas de perder.
Também o nordeste, nomeadamente o distrito de Bragança, tem sentido algumas vezes a vertigem da esperança que lhe resta para tentar inverter a condição a que se chegou.
Assim se foi consolidando a disponibilidade para seguir conselhos dos que mandam nas capitais, de quem se espera boa fé e atenção para atenuar os efeitos dos riscos que é preciso correr.
As dificuldades para quem decidiu permanecer por cá são conhecidas, inegáveis e até arrasadoras, com as consequências de esvaziamento demográfico e envelhecimento acelerado.  Mesmo assim, aqui e ali, floresceram promessas de futuro menos penoso, talvez relativamente tranquilo, porque pareciam capazes de gerar valor e salários para alguns milhares, mantendo gente de idades promissoras com vontade de continuar nestas terras.
Eis que, entretanto, desaba sobre o mundo a tragédia que sabemos, com consequências dolorosas para todos, mas que poderão ser muito graves para esta região. Os suportes do optimismo estão sob ameaças que não queríamos ver concretizadas: se a indústria de alguma dimensão, ligada aos componentes automóveis, for desactivada será uma verdadeira catástrofe; se o ensino superior, com reconhecidos méritos e impacto económico, especialmente em Bragança e Mirandela, mas também no resto do distrito, vir as dinâmicas de crescimento interrompidas ou, pior ainda, se entrar em perda de alunos nacionais e internacionais, a catástrofe duplica ou triplica e a economia local dificilmente se livrará da asfixia.
Se lhe juntarmos as dificuldades de escoamento de produtos agrícolas e pecuários de qualidade, nomeadamente de carnes certificadas, fumeiros, vinhos, azeites e se o turismo local, cultural e de património não encontrar visitantes, então se assistirá à agonia irreversível.
Essas tinham sido as apostas que déramos como certas. Mas quando se vai ouvindo que há unidades hoteleiras que podem fechar portas, restaurantes de referência que podem seguir o mesmo caminho e mesmo pequenas empresas que animam o quotidiano (cafés, lojas de pronto a vestir, de electrodomésticos e outras a deixarem os seus proprietários a pensar na vida) fica-se com a sensação amarga de que, mais uma vez, teremos apostado nas de perder, embora estivéssemos convencidos de que havia boas hipóteses de ganhar.
Claro que aqui ficou um olhar pessimista e a vida pode surpreender-nos com o seu lado melhor. Que os deuses nos ouçam.

Teófilo Vaz