O baile dos bombeiros

PUB.

Ter, 03/09/2019 - 03:47


O conceito de Estado como entidade que exerce a soberania em representação da vontade de cidadãos livres e activos tem história breve. Se relembrarmos tempos medievais, iremos encontrar modelos de exercício do poder que se sustentavam na afirmação da força pura e dura, com os reis a reclamar como propriedade sua os territórios e as comunidades, às quais concediam ou retiravam direitos ao sabor dos seus desígnios, que não correspondiam aos interesses dos povos que governavam.
As populações iam encontrando formas de organização para gerir as actividades económicas, estabelecer obrigações mútuas e garantir solidariedades fundamentais. Ainda restam memórias de experiências seculares desta organização social, nomeadamente na nossa região, como é o caso de Rio de Onor, Guadramil e outras povoações da Alta Lombada.
Associações humanitárias com vocações diversas são herdeiras desse modelo de solidariedade, onde a dádiva voluntária é expressão nobre da condição humana. Os bombeiros voluntários, hoje espalhados por todo o país, continuam a fazer esse caminho, mas denotam dificuldades de adaptação às necessidades duma sociedade que sofreu profundas alterações demográficas, económicas e culturais, a exigir profissionalismo, que o voluntariado não pode garantir.
Não tem havido vontade política para fazer as mudanças necessárias: criar uma estrutura militarizada que assuma as funções de protecção real da população. Por isso, continuam a ser indispensáveis as corporações, que reflectem as virtudes e os pecados dos tempos que se vão vivendo.
Na era democrática foi-se acentuando a tendência para olhar para o associativismo como área de intervenção político-partidária. É habitual que as forças políticas estabeleçam objectivos de influência nas instituições, nomeadamente IPSS, clubes desportivos ou bombeiros, porque as encaram como instrumentos na gestão das dinâmicas que pretendem favoráveis.
Antes não era melhor. O regime do Estado Novo não poupava esforços para as controlar, sem se preocupar em promover verdadeiros serviços de protecção civil ou de assistência na doença e na sinistralidade. Hoje os serviços prestados não são comparáveis e, principalmente no interior, os bombeiros são instituições que ainda podem, temporariamente, iludir um desemprego estrutural sem retorno.
Note-se que, nas cidades maiores, há muito que se optou por bombeiros profissionais, militarizados, cujo funcionamento não depende de jogos políticos, de eventuais interesses, nem sequer de penachos mais ou menos vistosos.
É verdade que as corporações de bombeiros tiveram, durante décadas, um papel integrador em muitas comunidades, mas hoje já ninguém está à espera que se siga o exemplo do príncipe Afonso, irmão do rei D. Carlos, que fundou uma associação e participava nas acções de emergência, em Lisboa, conduzindo um automóvel e gritando “arreda” aos transeuntes distraídos.
Aqui chegados vale a pena rever o filme de Milos Forman, realizador checoslovaco, cujo título foi adoptado para este editorial.