Portas que Abril não abriu

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Ter, 23/04/2019 - 10:10


Esperou-se por Abril de Janeiro a Dezembro, anos e anos, como se a Primavera viesse sempre em tons de Inverno, sem flores de todas as cores nem sol prometedor de dias claros, apesar de vivermos num país de céu azul como poucos.

A natureza pulsava aos seus ritmos, enquanto as gerações se consumiam num torpor passadista, renegando o futuro, enrodilhadas no medo, cabisbaixas, torcidas até à alma.

Não foram únicas essas décadas nos mais de oito séculos de um reino quase pasmado, transformado em república breve de baronias sem rasgo, que se esfumaram nos lumes da intriga, da traição, da politiquice.

Estava o caminho aberto para os profetas da desgraça, de dedo em riste contra o mundo, a murmurar pragas temíveis e ameaças apocalípticas. Assim se instalou o regime arcaizante, um ambiente social e cultural retrógrada, que humilhou o país perante o resto do mundo civilizado.

Mas, a pulsão vital é força irresistível, mesmo se o passar do tempo nos convence da secura estéril do deserto. E Abril, finalmente, chegou há quarenta e cinco anos, para o bem e para o mal, porque a condição humana não muda numa madrugada, por mais empolgante que seja a cor da aurora.

Era o tempo para a liberdade, a igualdade e a fraternidade, duzentos anos depois da tomada da Bastilha. Mas, a festa foi curta. Havia quem não estivesse por flores, apesar dos cravos fotografados nos canos das espingardas por idealistas inveterados.

Também se falava na democratização e no desenvolvimento, para além da inevitável descolonização, retorno à dimensão natural do reino.

A democratização esteve em sério risco, quando o próprio MFA desvalorizou a democracia representativa, inspirado por experiências ditas revolucionárias, que se preparavam para replicar a tomada do palácio de Inverno de S. Petersburgo, ocorrida cinquenta e sete anos antes, na Rússia. Foi preciso muita coragem e determinação de algumas figuras que hão-de merecer um lugar na história, para que não se fechasse a porta da liberdade, com fragor, na cara dos espantados portugueses. Depois foi-se construindo um sistema democrático, que tem funcionado, mesmo se lhe vamos percebendo algumas brechas.

Há, no entanto, portas que não se abriram, estiveram entreabertas, mas parecem destinadas a fechar-se para sempre, as do desenvolvimento equilibrado do país.

Como noutros momentos históricos, a gestão torpe do imediato, o populismo eleitoralista e o novo riquismo ridículo conduziram-nos às condições em que nos encontramos: o país reduzido à faixa costeira, provavelmente de forma irreversível, porque não há decisões estratégicas que permitam vislumbrar alterações nas dinâmicas sociais, económicas e demográficas. Já toda a gente vai dando por adquirido, governantes ou cidadãos, que é mal sem remédio, numa espécie de eutanásia passiva, senão praticada por omissão deliberada ou pelo privilégio ostensivo da zona costeira, agravando a debilidade do resto do território.

Por isso, o Abril da esperança pode vir a revelar-se um verdadeiro fiasco histórico.

 

Teófilo Vaz