Falta de água pressupõe “mudança de chip” e uma gestão mais eficiente do recurso

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Ter, 20/09/2022 - 15:44


Agência Portuguesa do Ambiente promoveu, em Valpaços, sessão de participação pública para gerir a água na região hidrográfica do Douro

Hoje em dia, está a chover menos cerca de 15 a 20% que o dito normal, aquilo a que, pelo menos, assistíamos até há bem pouco tempo. Os números são do vice-presidente da Associação Portuguesa do Ambiente (APA), que deixa assente que todos bem sabemos que “também choverá menos no futuro”. Assim, com menos chuva e, por isso, menos água, algo impera: “temos que mudar o chip, temos que ser mais eficientes, usando melhor a água que temos”.

É urgente começar a gerir bem o uso da água

Pimenta Machado revelou- -se alarmado, na semana passada, em Valpaços, com a forma como utilizamos a água e como, grande parte, a deixamos perder. No âmbito de uma sessão de participação pública, promovida pela APA, que decorreu na Casa do Vinho valpacense, por causa do Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Douro, que prevê perceber, entre os cidadãos e os decisores, como utilizar melhor a água, Pimenta Machado referiu que “temos tendência a acreditar que a melhor maneira é meter mais água no sistema mas aprendemos todos, este ano, que não”. Ou seja, “temos barragens, o que não temos é agua nelas”. Por isso, “muitas vezes dizemos que queremos mais barragens mas temos é que nos adaptar àquilo que o território oferece”. E, se oferece menos água, é óbvio que “o caminho é geri-la melhor, até porque sabemos bem o que o futuro nos reserva, que o recurso vai ser cada vez mais escasso”. Numa sessão, onde, quinta- -feira da semana passada, participaram, além do vice- -presidente da APA, Carla Alves, Directora Regional de Agricultura e Pescas do Norte, Jorge Pires, vereador da câmara de Valpaços, e João Álvaro, da Águas do Interior Norte (AdIN), Pimenta Machado, sublinhando que o plano é fulcral ao “envolver as pessoas e as suas opiniões”, deixou mais números e esclareceu que “esta região gasta, anualmente, cerca de 800 milhões de metros cúbicos de água”. 79% deste valor é gasto com a agricultura, 20% com o consumo humano e o resto, cerca de 1%, com a indústria. Os números não enganam. A grande maioria da água faz falta para regar, mas ela “é vital” para todo o resto. Sabendo bem o ano que estamos a passar, que é o segundo mais seco desde que há registo, ou seja, desde 1931, o vice-presidente da APA acrescentou assim que “temos que olhar para a água como um recurso escasso, que o é”. Portanto, nessa perspectiva de gestão eficiente, “é necessário envolver as pessoas e fazer com que as suas ideias contem para que todas se revejam depois no plano, que tem como objectivo a promoção da gestão sustentável dos recursos hídricos”.

É preciso parar de perder água

Dizendo que “a gestão da água é um dos maiores desafios do futuro” e, por isso, é importante a discussão do seu planeamento, tendo em conta a valorização e protecção ambiental, social e económica, o vice-presidente da APA, nesta que foi já a segunda sessão de participação pública, vincou ainda que “não é aceitável que, por exemplo, na agricultura, 35% da água seja perdida por ineficiência”. Afirmando que “este é também um grande prejuízo ambiental”, Pimenta Machado referiu ainda que não é só na agricultura que o cenário está mau. “No sector urbano, em termos médios, perdem-se cerca de 30% da água, nesta região hidrográfica do Douro”. Sobre este grande problema, as perdas de água, também falou João Álvaro, da AdIN. Segundo avançou, nos municípios que compõe a empresa, constituída em 2019, Freixo de Espada à Cinta, Torre de Moncorvo, Mesão Frio, Murça, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião e Vila Real, as perdas estão a diminuir. “Estes municípios apresentavam valores, em 2019, entre os 65 e os 75% de água não facturada. É um valor insustentável mas temos vindo a fazer um caminho de decréscimo e apresentam-se já valores substancialmente mais baixos”, esclareceu, lembrando que “a primeira preocupação de Portugal, nos anos 90, quando se focou mais na melhoria do sector da água, as questões de perdas de água não foram fulcrais” e “essa é uma preocupação recente”.

Agricultura de precisão e culturas de sequeiro são o futuro

A falta de água deixa grandes desafios à agricultura. Carla Alves, que diz que “este é um ano difícil para a agricultura”, já que à seca se juntam todas as questões relaccionadas com as alterações climáticas, esclareceu que “hoje os agricultores estão a utilizar de forma mais eficiente”. Perante o cenário, esta é uma boa novidade mas é preciso mais. “Abrimos um apoio para os agricultores, que foi a construção de charcas para haver reservatórios nas explorações”, disse a Directora Regional de Agricultura e Pescas do Norte sobre esta ajuda aos agricultores, sendo que a dotação para este apoio foi de 16 milhões de euros e no Norte foram aprovados 104 dos 230 projectos a nível nacional. No que toca à própria gestão e disponibilidade da água, Carla Alves avançou ainda outro investimento de grande importância é a agricultura de precisão. “Falo da aquisição de equipamento especifico para a rega, como sensores, para incorporar tecnologia, conhecimento e inovação”. Refira-se que este aviso está aberto ate ao final de Outubro. A dotação total são 24 milhões de euros. Ajudar os agricultores não basta. É preciso mostrar-lhes que o caminho deve passar pela aposta nas culturas de sequeiro. Se há falta de água tem que se investir em plantas que não precisem assim tanto dela. Mas bem, mostrar o caminho não é suficiente. É preciso ajudar e, para isso, também há apoios. “Uma das medidas que temos aberta é para culturas tradicionais. Passa por um apoio à plantação de árvores, como o castanheiro, figueira, medronheiro, alfarrobeira, mas, claro que, nem todas se aplicam aqui”, explicou a directora regional.

Rabaçal secou

No concelho que recebeu esta iniciativa da APA também há, claro, problemas de água. O concelho, inserido na Terra Quente, “é altamente deficitário de água”, quer para consumo humano, quer para a agricultura. “É um problema que já não vem de agora mas tem vindo a agravar-se”, explicou o vereador, Jorge Pires, que, em jeito de ilustrar o que ali se está a passar, lembrou que o Rio Rabaçal, sem que pouco o fizesse prever, secou e comprometeu-se assim o abastecimento de água às populações. Além das populações, comprometida está também a agricultura. “Temos problemas de armazenamento de água, sendo que somos o concelho com mais explorações agrícolas do país. Temos inúmeras empresas que dependem da agricultura e precisamos de fixar as pessoas e para as fixar temos que criar rentabilidade às explorações. Por isso, precisamos de água”, assinalou o vereador, que, ainda assim, espera que o futuro, neste campo, sorria, já que o concelho pode ganhar, em breve, um aproveitamento hidroagrícola em Padrela, sendo que o projecto para a sua construção já foi aprovado. Ainda assim, isto não basta. Há, neste momento, um outro aproveitamento identificado como necessário, em Canaveses. Com ele “ficariam resolvidos boa parte dos problemas de falta de água”. Mas, “é preciso avançar rapidamente”.

Opiniões divergem

Na sessão também participou João Barros, vice- -presidente da Associação dos Agricultores de Trás-os- -Montes. Esclareceu que “a associação reivindica, desde 2010, que, por exemplo, a Barragem do Sabor deixe de ser hidroeléctrica e passe a ser hidroagrícola. Na opinião de João Barros, este era um bom começo para aquela zona. E, se nada se fizer, muito se pode comprometer. “Temos uma fraca rentabilidade por causa da seca. Se não tivermos água, a maior parte dos nossos terrenos vai deixar de ser cultivada porque não vale a pena”. O vice-presidente deixou como exemplo o Alentejo que, desde que ganhou o Alqueva, deixou de ser só gado, cortiça e cereal para passar a ser o maior produtor de azeite e de amêndoa do país. Não muito a favor de mais barragens é Rui Cortes, do Movimento Douro Vivo. Assinalando que a sua construção “vai trazer consequências ao nível da alteração dos ecossistemas e da própria qualidade da água”, entende que o caminho também passa pela gestão eficaz deste recurso e aplaude o plano, que “apresenta aspectos importantes, nomeadamente a requalificação dos ecossistemas e até a recriação das galerias ripícolas”, portanto “aponta para a melhoria do estado ecológico das massas de água”, que “é o que importa”.

Jornalista: 
Carina Alves