O projecto EKUI e o sucesso que levou à distinção da empreendedora Celmira Macedo

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Ter, 16/11/2021 - 12:01


Celmira Macedo foi distinguida em Bilbau por ser uma das melhores na área do empreendedorismo e inovação social graças ao projecto EKUI, uma metodologia de alfabetização única. Ao Jornal Nordeste contou como tudo se desenvolveu ao longo de 18 anos

Celmira Macedo foi distinguida, recentemente, em Bilbau, Espanha, fazendo agora parte da Ashoka Fellow, uma organização, fundada nos Estados Unidos da América, que reúne empreendedores sociais de todo o mundo. Tudo começou quando, em 2003, a empreendedora, natural de Alfândega da Fé, decidiu arregaçar as mangas e criar um projecto inovador, depois de ter percebido que os métodos de ensino utilizados ainda são os mesmos de há dezenas de anos. Foi enquanto professora de ensino especial que se apercebeu que há muito a mudar nas escolas para tornar o ensino mais inclusivo. A vontade de querer “fazer justiça”, que tem desde pequena, quando foi alvo de discriminação por ter vindo de Angola depois da Guerra Colonial, foi o seu motor para criar o EKUI. “No meu ano de doutoramento consegui identificar que metodologias eram necessárias, mas havia outro problema. Essas metodologias que eram multissensoriais e que eram eficazes, não eram inclusivas. Portanto havia dois mundos que eu gostaria de unir e que consegui unir através da metodologia EKUI”, explicou Celmira Macedo. O projecto EKUI consiste num baralho de cartas inovador que junta fonética, braille, língua gestual e o alfabeto tradicional, permitindo que todas as crianças sejam incluídas na aprendizagem da alfabetização. A metodologia foca-se na “identificação das letras do alfabeto”, no “entendimento de que as letras têm sons, gestos, movimentos motores”. Em Portugal, há 1,7 milhões de pessoas com dificuldades na leitura, na escrita e também na fala. Só em 2018, o Ministério da Educação criou uma lei que obriga as escolas a usar metodologias de desenho universal na aprendizagem. O projecto EKUI é o primeiro no país que inclui diferentes formas de aprender o alfabeto e Celmira Macedo acredita que através dele, a aprendizagem é mais rápida. “É uma metodologia que inclui todos e mais alguns e não deixa ninguém para trás”, afirmou. Primeiramente, a empreendedora social começou por fazer investigação, que lhe durou três anos, e depois foi implementado a metodologia com os seus alunos. A seguir angariou fundos para criar um projecto-piloto que fizesse chegar o EKUI a mais escolas do país e só em 2015 chegou finalmente a uma escola, em Vila Nova de Gaia. Actualmente já passou por mais de 400 estabelecimentos de ensino em Portugal e até já chegou a outros 12 país. Mas até que esta meta fosse alcançada, Celmira Macedo disse ter encontrado algumas barreiras durante o caminho, nomeadamente a resistência dos professores em mudar o método de ensino. “A classe de docentes está envelhecida, mais de 50% dos professores já têm muitos anos nas escolas e como é uma metodologia disruptiva, há muita resistência do género ‘porque tenho que ensinar de forma diferente da que aprendi?’”, disse. Mas quando o projecto começou a ser implementado, também a opinião dos docentes mudou. “Quando começam a perceber que, utilizando a metodologia EKUI, associada às metodologias que já usavam, a aprendizagem era mais rápida, mais motivadora e mais inclusiva, foram os próprios professores e pais que começaram a divulgar a metodologia EKUI”, acrescentou. A distinção atribuída em Espanha foi um reconhecimento de um trabalho que tem vindo a desenvolver ao longo destes 18 anos, mas mais que isso, é “um sonho”. “Entrar na Ashoka é um objectivo que todos os empreendedores sociais do mundo têm, é um sonho até mais do que um objectivo. Nunca pensei entrar na Ashoka, não porque não acreditasse na minha carreira enquanto empreendedora ou trabalho que desenvolvo, mas porque a qualidade dos colegas, ou seja das pessoas que entram na organização, é muito alta e são os melhores do mundo na área da inovação e empreendedorismo social”, contou. Para além disso, a Ashoka irá fazer chegar o projecto aos 90 países que pertencem a esta rede. “Desde que se soube desta notícia, já tive várias propostas de editoras para escreverem o livro da EKUI, já tive vários financiadores que querem apoiar, porque nós queremos criar uma plataforma e não tínhamos como, e claro depois temos uma rede dentro a Ashoka que nos ajuda a impulsionar o projecto a nível mundial”, explicou. O que se segue agora é acabar o manual EKUI, que será também traduzido para Espanhol e Inglês. As novidades não ficam por aqui e no próximo ano a alfandeguense vai também lançar um conto infantil, que já foi escrito, está agora a ser ilustrado. “A história surge em 2015 com uma educadora de infância que inventou com os seus alunos uma história sobre o EKUI e a Celita, que sou eu, e então eu peguei nessa história e transformei-a no EKUI e no monstro das barreiras. O EKUI é aquele boneco que aparece nas cartas, que é um super-herói, que tem amigos que também são super-heróis, um amigo cego, um surdo, outro amigo tem cadeira de rodas, e juntos vão de cidade em cidade, de país em país lutar contra o monstro das barreiras”, contou. Celmira Macedo é doutorada em Educação Especial pela Universidade de Salamanca e investigadora no Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos da Universidade Católica de Braga, onde está agora a tirar o pós doutoramento.

Jornalista: 
Ângela Pais