Sem comida e já sem reservas criadores da região são obrigados a vender os animais

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Ter, 23/05/2023 - 09:56


2023 poderá ser muito pior que 2022 porque voltarão a faltar forragens mas desta vez não há reservas como havia em 2021

A seca que se fez sentir em 2022, em todo o território, sendo que Trás-os-Montes não escapou àquele marasmo, complicou a vida a quem cria animais. Pouco ou nada se produziu e o que valeu para salvar um pouco a situação foi existirem, em termos de forragens, algumas reservas de 2021. Mas bem, 2023 está a ir pelo caminho que está, chuva nem vê-la, e espera-se, por isso, que, como nada se produziu em 2022, seja ainda pior. Porque agora reservas… que reservas? Perante um cenário assim, os criadores da região começam a ficar sem alternativas. O único caminho parece mesmo passar por ir vendendo os animais.

Vender animais para não os ver morrer à fome

Aníbal Ferreira, de Quintela de Lampaças, no concelho de Bragança, é um dos criadores de animais que já não sabe o que fazer à vida. Não há comida para dar aos animais e não resta muito mais do que vende-los. O criador de Quintela de Lampaças, que tem 95 cabras da Raça Preta de Montesinho, 155 ovelhas da Raça Churra Galega Bragançana Branca e 18 vacas, quando questionado sobre quais são, neste momento, as grandes dores dos agricultores da região, responde de imediato, sem sequer, praticamente, pensar: a seca. “Com o que se passa, não sei como vamos resolver o problema de lhe dar de comer”, rematou, dizendo ainda que “este ano está o dobro de pior do que o ano passado”. Não havendo nem fenos, aveia ou centeio, ou seja “não há nada”, pouco mais resta que fazer se não deixar o gado ir embora, buscando outra sorte. “Já tive de reduzir ao efectivo das vacas. Tinha 30 e agora só tenho 18. Vendia- -as no ano passado por falta de comida”, explicou. “Como dava para aguentar? Mal deu para estas”, frisou ainda. As cabras e ovelhas deverão ir pelo mesmo caminho. “Tenho de reduzir se não vão morrer todas à fome. Não me resta alternativa”. E quem as compre até há mas “só se for para a morte”. “Se eu não tenho nada para lhe dar de comer os outros também não têm”, esclareceu. Num cenário assim “faziam falta ajudas”. Mas há alguma coisa, nesses termos, ou não? Parece que é como a comida. Pouco ou nada. “Vai tudo lá para baixo. Para aqui não vem nada”, lamentou Aníbal Ferreira, que diz que vai estando toda a gente numa situação semelhante em que, não tendo como alimentar os animais, acabam por se desfazer deles e, por isso, “não compensa ter nada”.

“Não há como continuar”

Hilário Pires, de Nunes, no concelho de Bragança, também seguiu a tendência da venda. Não restava outra opção. Neste momento tem 140 ovelhas da Raça Churra Galega Bragançana Branca. Mas já teve 200. Por altura do Natal vendeu 60. “Vendi porque os mantimentos eram poucos. O feno era pouco e este ano, se vamos pelo mesmo caminho, ainda vai ser pior. Não chove e está tudo a secar”, rematou, dizendo que “já não há comida nenhuma para dar aos animais”. A erva que havia espigou e “por baixo daquilo não há mais nada”. Por isso, “tem mesmo que chover nos próximos dias e, mesmo assim, já não se salva grande coisa”. Neste momento não pensa vender mais animais até porque, agora, “ninguém as compra”. “Em Dezembro compravam-nas para as ter para ter a retenção para fazer o subsidio mas agora não há quem compre uma ovelha. Mas, se assim continuar, tem de se continuar a diminuir. Não há como continuar”, vincou. Por agora, o criador, que, por não ter chovido, ainda nem sequer os terrenos lavrou para cultivar milho, diz que “faziam falta era ajudas”, mas, isso, “nem vê-las”. Sendo que “era preciso muita coisa” para ajudar os criadores e agricultores transmontanos, Hilário Pires diz que era necessário, antes de mais e para já, que chovesse. Não chovendo, era preciso “ajuda por parte do Estado” e, não havendo também essa ajuda, “era necessário haver regadio”.

Trabalhar por gosto

José Alberto Silva, de Soeira, no concelho de Vinhais, tem 330 ovelhas da Raça Churra Galega Bragançana Branca. Em termos de alimentação também está do lado dos que se queixam. A verdade é que encontrar alguém que diga que não está a passar dificuldades é como encontrar uma agulha num palheiro. Acreditando que “2023 vai ser pior do que 2022”, porque “a seca está a vir mais cedo e a água já está a falhar”, diz que “vai havendo muito pouco o que dar de comer aos animais”. “Já no ano passado houve poucas forragens e este ano é que não há mesmo. O ano passado ainda nos valíamos das que tínhamos, mas agora não”, vincou José Alberto Silva. Para este criador também as ajudas, ou melhor, a falta delas, é um grande problema. Mas essa questão já é velha. “Faltam incentivos. Embora digam que os há, os que dão são poucos. Não há jovens a apostar nisto e os anos estão a vir cada vez mais duros, em termos de clima”, explicou, dizendo que “as ajudas são poucas” e, “embora vão ajudando, para se pôr a carne a um preço mais ou menos não se pode e, basicamente, está a trabalhar-se por gosto”.

“Este ano será pior do que o passado”

Humberto Figueiredo, do Zeive, em Bragança, tem ovelhas e porcos. Tem 250 ovinos. “Já tive mais, mas tive que se reduzir porque os custos cada vez são mais e os lucros cada vez menos”, começou por contar. Quanto à grande questão, falta de comida, bem, o cenário também o vê dramático. “O gado quando enchia bem a barriga era na Primavera, no mês de Maio e de Junho. Agora passa necessidades. A erva só desparecia no fim de Junho e a meio de Maio, agora, já não a há”, esclareceu Humberto Figueiredo, que, vendo que “choveu pouco e faz muito vento”, também diz que “este ano será pior do que o passado”. Perante a falta de comida e o ter de a comprar, sendo que nem há bem onde nem a quem, os custos para manter os animais aumentam. Resta um caminho, aumentar ao preço a que se vendem os amimais para consumo. Mas resulta? Não. Não é essa a perspectiva deste criador. “Os borregos venderam-se bem no Natal. Mas a Páscoa foi a mais ruim que já vi em toda a minha vida. Não se vendeu quase nada. O pessoal das grandes superfícies foi buscá-los ao estrangeiro e os nossos ficaram nos campos”, explicou Humberto Figueiredo, que também diz que “aos criadores da região falta muita coisa” porque “os apoios são cada vez mais pequenos, estão sempre a cortar”. Sobre esta matéria disse ainda que “as ajudas do Estado são só para os alentejanos”. “Aqui não chega nada, está tudo esquecido”. Vincou ainda que “não se admite que os da Serra da Estrela tenham apoios e mais apoios” e que recebam, por ovelha, “160 euros”, ao passo que aqui, por cada uma, se recebem “30 a 35”.

“As coisas vão complicar-se”

Segundo Manuel Rodrigues, secretário-técnico da Raça Churra Galega Bragançana Branca e da Raça Churra Galega Bragançana Preta, “há cada vez mais sócios”. Ou seja, parece que, afinal, até há mais gente a apostar na pecuária e que, assim sendo, é porque valerá a pena e não há todos estes problemas relatados pelos criadores. Mas não é bem assim, há mais associados, mas não há mais animais. Significa isto que quem opta por os ter já não quer grandes explorações. “Os sócios têm cada vez menos animais porque os custos de produção são cada vez mais altos e o tempo vêm cada vez pior”, explicou Manuel Rodrigues. O que mais amedronta quem cria animais, conforme também disse o secretário- -técnico, “são os custos de produção, sendo que o gasóleo, na altura, disparou e as rações estão a preços muito altos”. A seca também não dá descanso e o próprio secretário-técnico, que ouve, diariamente, lamentos, o confirma. “Ainda só estamos em Maio mas, como não tem chovido, as coisas vão complicar-se e pode vir a ser pior do que no ano passado. Mas vamos ter esperança”, explicou, dizendo ainda que, “caso nada melhore, é obvio que os criadores vão reduzir ao efectivo e já o estão a fazer”. O preço da carne, que “já está um bocadinho alto”, não dá para “subir” mais porque “depois as pessoas também não compram”. Ou seja, este ano, vai gastar-se, novamente, mais que normal para criar os animais, mas vendê-los a um preço mais alto, que cubra o que se gastou, não deverá ser alternativa viável. Quem pratique preços mais altos, a fim de compensar gastos que teve para alimentar o gado, corre sérios riscos de ficar com ele nas mãos. A nível nacional, há mais de 15 500 ovinos de Raça Churra Galega Bragançana Branca e 3 600 de Raça Churra Galega Bragançana Preta, conforme contou Manuel Rodrigues, à margem do XXVI Concurso Nacional de Ovinos da Raça Churra Galega Bragançana Branca, do VI Concurso Nacional da Raça Churra Galega Bragançana Preta e do VII Concurso Nacional da Cabra Preta de Montesinho, que decorreram na sexta-feira, no Recinto de Promoção e Valorização de Raças Autóctones, em Bragança.

Jornalista: 
Carina Alves