Bilhete-Postal

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Vindos de Espanha atravessámos Bragança rumo ao Ribatejo. Seria mácula persistente não estacionar na cidade de modo a dois acompanhantes vislumbrarem três ou quatro referências marcantes, dando azo à fixação de imagens na memória e nos instrumentos de fixação tão bem enunciados pela Susan Sontag.
É, que, esses companheiros de viagem possuíam uma vaga ideia de Bragança baseada em lugares-comuns dentro da linha do Anatómico Jocoso, e mais não digo neste bilhete-postal.
Fomos ao Centro de Arte Contemporânea, depois de encaminhar os visitantes fui à cafetaria, a sempre amável Dona Lili recebeu-me afectuosamente, pedi-lhe para não se esquecer dos doces e lambiscos brigantinos no «cardápio», enquanto bebia água engarrafada observei crianças a brincarem no espaço relvado, pais a cuidarem, a lerem. Muito bem.
Não podia esquecer o Museu Abade Baçal. Uma Senhora sorridente recebe-nos simpaticamente. Os apressados viajantes vão observar as colecções, fico no átrio a contemplar fotografias evocativas do Senhor Abade e dilectos Amigos. A Sontag teria escrito palavras prenhas de alacridade ante tais visões.
Lavados os olhos pergunto à Senhora se posso ver e comprar publicações referentes ao Museu, baixa os olhos, quase em murmúrio diz-me não existirem. Folheio uma exposta. Está esgotada. Vejo outras relativas a Museus de terras vizinhas, durienses. Pois, o Douro!
Pergunto à funcionária pelas actas ou relatos impressos dos ditos falados no decorrer das rememorações ocorridas em 2015, salientadoras dos cento e cinquenta anos do nascimento do cidadão Francisco Manuel Alves. Não existiam!
Passei ao jardim contíguo de tão gratas recordações, pisei a relva na intenção de saber a identidade das árvores crescidas e dos arbustos, anonimato total.
Porque reputo de vital conhecermos as raízes da nossa ancestralidade, levei-os ao Castelo, o adiantado da hora não permitiu franquearmos as portas do Museu Militar e do Museu da Máscara, permitiu isso sim contemplarmos o Pelourinho, a Igreja de Santa Maria, a Domus, lavar os olhos a observarmos o refulgente cromatismo de lonjuras e proximidades. Circunscrevendo tudo quanto as muralhas encerram expliquei as razões de Dom Álvaro Cunqueiro ao comparar Bragança a Sedan. O viajado galego, notável gourmet, dono de escrita divertida, orgulhoso do seu galeguismo sempre se distanciou do chauvinismo pateta a impedir o reconhecimento de outras gentes e outras terras. Dadas as explicações zarpei satisfeito, tinha cumprido o meu dever.
No dia 16 deste mês voltei a Bragança, nova passagem meteórica, ainda assim ganhei prazer a saberes trocando opiniões sobre a cidade do nosso enlevo com dois cidadãos atentos conhecedores das realidades locais, atentos aos desafios soprados de outros lados especialistas no ganho em todos os tabuleiros.
À noite, o Alberto (Beto) Fernandes explicou-me a diferença entre trabalhar com um motor e ser seu dono, revelou aguçado entendimento sobre o acessório e o essencial no tocante à afirmação bragançana no confronto ou competição entre as cidades da Região e do Norte. Aprendi, mais sedimentei a convicção de não ser do Norte, sim Transmontano, do Nordeste, da Terra Fria (o que faz toda a diferença).

Armando Fernandes