Bom regresso letivo para todos!

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O céu de porcelana reflete ondas de luz que ficaram demasiado tempo prisioneiras. Pela manhã, tudo é inundado de azul; a transparência do ar peroliza as ervas que cintilam. Ao cair da tarde, o ouro derrama-se e escorre sobre as colinas e os vales. A ceifa dos campos parece ter cansado as fouces, e os frutos superam a promessa das flores, os verdes- -violetas dos cachos de uva sob as borlas das ramadas, os figos roliços sob as suas folhas de bronze e o incomparável perfume das primeiras maçãs na sua queda ou no descanso da fruteira plácida da linda dona de casa. Tudo parece um pouco mais pesado, lento, lânguido neste verão que quase não o foi, que tenta recuperar e se atarda. Pela cidade, nalguns jardins, canteiros e vasos, os jardineiros compuseram para o regalo dos nossos olhos algumas paletes impressionistas, alguns jogos florais. Os bancos convidam-nos cordialmente a parar alguns instantes, só o tempo de dar graças à delicada educação dos espaços -alguns espaços novos na cidade - e sobretudo a escutar. Ouvem-se as polifonias da cidade voltar como sempre neste tempo de regresso às aulas – os gritos das crianças nos recreios das escolas e o piar dos enxames de estorninhos nas piedosas tílias. “ Meu Deus meu Deus, a vida está aí, simples e tranquila” ensina-nos o poeta, tranquila pela presença do céu, pela da árvore que balança os seus ramos. Simples ser vivo que participa por sua vez e com todas as suas forças no canto da criação em toda a sua evidência. A vida está bem presente, podemos louvá-la no oásis das igrejas abertas, no seu silêncio ou nos arbustos de velas, a oração sempre prestes a jorrar, em nós, em direção a Deus, para nós. E talvez a oração nunca tenha sido tão necessária e vital como hoje, nestas férias algo ao inverso, neste verão algo atípico em que os acontecimentos do mundo e os sobressaltos da terra reverteram, no sentido acima abaixo, e parecendo laborar, subtraindo dia após dia todos os símbolos destas férias tão esperados e cujas memórias embelezam as recordações – a despreocupação, os risos, a deliciosa leveza, os passeios, a pausa sobre a partição dos meses que passam. Certamente, os motivos das lágrimas, dos alarmes e da aflição não faltam, urbi et orbi, e talvez a nossa sobrecarga crónica os faça parecer mais pesados, mais temerosos ainda do que o rochedo de Sísifo que agora nos sentimos incapazes de empurrar, exceto a nossa contínua lamentação. É certo, temos muitas vezes o sentimento de ficar presos no tempo estático da infelicidade. E a nossa alma? O Espírito maravilhoso e móbil que a bafeja, se soubermos guardá-la porosa em relação à esperança e aos sinais dos quais o céu e os céus abundam? Sinais, coincidências, lições de coisas e de sabedoria. Os céus, vemos a sua suavidade voltar nos apaziguamentos do verão indiano. Quanto aos Céus, têm a sua agenda e as suas festas, e quem amuaria perante as mesmas. Mais afastados do profano desta vez, a Sra da Serra ou do Naso tão perto de nós. A do S. Gregório, mais longe, S. Jerónimo e sua amiga Santa Paula a quem devemos a Vulgata latina. Nenhuma resignação nestes ídolos festivos. Firmes no desmoronamento do seu século e ardentes no reverdejar da fé, e até outubro as festas das duas Santas Teresas, lutadoras cada uma à sua maneira, fortes contra as derrelições do seu tempo, abandonadas ao amor de Deus mas nunca resignadas, nada de capitulação com elas. A Castelhana e a Normanda. E a festa de Francisco de Assis e a sua lição de alegria perfeita (meus tempos de Cernache do Bonjardim!) – “ a força de vencer-se”. Vencer a nossa inclinação para a morosidade. Tantas vidas legadas por nós, cujos modelos purificam os nossos olhares, curam as nossas tentações de se afundar na acédia e convidando-nos, que digo eu, obrigando-nos a erguer-nos, a tomar na nossa vez o nosso tempo, custe o que custar, a fim de tentar, aguerridamente, prodigar um pouco dessa luz que revigora e ilumina, para que esta faça brotar sobre os nossos e mais longe ainda talvez a insubstituível fé naquilo que o homem tem de melhor - o amor, a alegria, a coragem da esperança. Recordemos estas palavras de Sta Teresa: “ Basta-me colocar os olhos no santo Evangelho, logo respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr”. Corramos, corramos, mais admirativos e determinados sabendo ainda que esta frase da “pequena” Teresa foi escrita algumas horas antes de morrer, o corpo mortificado por dores terríveis, depois de pensar que Deus a havia abandonado. Teria ouvido nesse momento a profunda resposta que lhe lançava, através da noite dos tempos, posto no horizonte com todos os outros santos, santo Inácio que continua a lembrar-nos: “ Quem possui a palavra de Jesus pode ouvir mesmo o seu silêncio.”

Adriano Valadar