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Da política e dos afetos a nordeste

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A política é uma ciência com um método e um objeto que se tem vindo a apurar com o devir histórico tendente a uma maior objetividade dentro da epistemologia das ciências humanas e sociais. Contudo, a política assenta primorosamente no sentido prático da “polis”, que tende a cuidar da cidade, da vida do quotidiano, do bem-estar dos cidadãos, privilegiando a moral, os bons costumes e o sentido estético dos espaços. O que quer dizer que a política para além do rigor científico funciona também com um empirismo assumido, dentro dos laços de boa vizinhança, de amizade, de afetos que leva a reconhecer os pares no âmbito do pensamento ideológico e a olhar os outros como adversários políticos. E aqui entram as emoções construídas e solidificadas ao longo de tantos anos em que lado a lado se lutou pelas mesmas ideias e pelos mesmos ideais. A dado passo os partidos políticos criam uma espécie de irmandade que assenta mais na dimensão afetiva do que na racionalidade política.

Longe vai o tempo em que os partidos se reuniam nas suas sedes partidárias, quase diariamente, com paixão, debatendo ideias, consolidando estratégias, às vezes conspirando. Mas havia o sentido da pertença, da participação efetiva na tomada de decisões políticas quer a nível regional, quer a nível nacional.

As eleições autárquicas aproximam-se e assistimos a uma pré campanha morna, sem entusiamo, sem paixão, a luta partidária esmoreceu penosamente para prejuízo da democracia.

Quando Carlos Guerra assumiu legitimante, em eleições democráticas, a liderança do Partido Socialista do distrito de Bragança adivinhavam-se grandes reformas, e pensava-se que o sangue novo da juventude e o entusiasmo de militantes que há algum tempo andavam arredados das lides partidárias trouxesse uma nova dinâmica ao PS. O presidente da distrital do Partido Socialista de Bragança começou por dispensar da comissão política distrital alguns dos “históricos” do PS bragançano, ou seja o núcleo duro do anterior presidente Mota Andrade. E isso poderia contribuir para renovar o partido, arejar as ideias, experimentar novos saberes. E Carlos Guerra continuou a sua saga reformista e em entrevista aos jornais anunciou que ia dispensar, nas próximas autárquicas, os dois vereadores, Vítor Prada e André Novo que tinham dado provas de grande competência e reconhecimento público. Com estas declarações muitos militantes do PS ficaram expectantes em relação aos novos elementos das listas autárquicas que iriam dar força e vigor ao Partido Socialista. Contudo, este entusiamo esmoreceu-se quando constataram que o Partido Socialista, liderado por Carlos Guerra e também candidato à Câmara Municipal, não tem listas de candidatos à junta de freguesia dum número significativo de aldeias do concelho de Bragança, coisa que nunca tinha acontecido na história da democracia pós 25 de abril.

A explicação para esta ocorrência podia passar pelo facto de o meio rural ter cada vez menos gente e pelo facto do PSD estar no poder na Câmara Municipal. Mas temos também que ter em conta que o PS está no poder, com grande pujança, a nível nacional. Por isso, numa análise primária e sem nenhuma consistência científica acho que o que faltou ao PS na constituição das listas foi a relação de afeto com as populações, a relação de amizade que se consolida ao longo de muitos anos. Os militantes de base habituaram-se a serem reconhecidos na amizade, no abraço, na visita à adega, no café na cidade, na consideração por parte dos dirigentes distritais e concelhios. Falhou o conhecimento do latente, do imaginário rural que se reflete, muitas vezes, no que não se diz, mas se sente com o coração à beira dos longos invernos e dos tórridos verões em que se mata o porco, se faz o fumeiro, se vai à missa do galo, se encomendam as almas, se recordam as segadas, as acarrejas, as malhas, as canções dolentes de embalar, se ralha por um palmo de terra e logo se fazem as pazes nas grandes desgraças.

Há coisas que não se aprendem na escola pois só a racionalidade não chega quando as emoções prevalecem e explicam o real.      

Não é saudável que o poder se concentre num único partido, em prol da democracia, por isso, desejamos que o PS reforce o seu empenhamento e entusiasmo no combate autárquico para que em outubro não tenhamos que recordar a antiquíssima saudação dos gladiadores romanos: “Ave César! Os que vão morrer te saúdam!”

Fernando Calado