PUB.

Prelúdios do natal a nordeste

PUB.

Todos os anos repetimos gestos, emoções à beira deste natal transmontano. Um natal onde a neve já raramente se faz anunciar na memória do esplendor doutros invernos antiquíssimos em que os lobos desciam ao povoado e os netos se aconchegavam no colo da avó embrulhados no xaile, refúgio de todos os perigos e de todos os males.
Por isso, cá estamos neste prelúdio do natal, do acontecimento que mudou a História, com a diáspora fantástica dos Apóstolos que partiram pelo Mundo desenhando peixes nas encruzilhadas e anunciando que o madeiro onde o Nazareno, nascido em Belém, foi crucificado, se resolveu em Paz, Fraternidade e Amor.
As bases do cristianismo são verdadeiramente simples na sua estrutura formal, mas duma exigência ímpar que impõe ao homem uma mudança de vida, rompendo com os privilégios, e com uma imensidão de religiões vinculadas, profundamente, pelas culturas milenares.
Assim, o nosso natal é o natal possível neste caldo de culturas, de mitos, de lendas, de religiões, de crenças. O nosso natal é também o natal do capitalismo atento ao fenómeno da cultura de massas, reinventando um Pai Natal “presenteiro” que se faz ao mundo na abastança dos presentes, das compras, do consumismo, tudo condimentado com a candura bucólica das renas meigas e serviçais. 
E mesmo neste nordeste transmontano onde o cristianismo se impôs de uma forma definitiva a outras religiões, na altura do natal afloram manifestações ancestrais de outros ritos e outras práticas de iniciação, de apelo à vida e à mudança que se manifestam nos “caretos”, nas Festas iniciáticas dos rapazes, em símbolos que resistiram ao tempo.
A grandeza de um Povo, que tem uma cultura e um património a preservar, é esta capacidade de conciliar, sem conflitos, nem fundamentalismos, o profano e o religioso.
E as grandes considerações sobre a pobreza, os sem-abrigo, os sem Pátria, os famintos, os excluídos, cheiram a falso, porque invariavelmente, nós iremos cumprir todos os rituais do Natal, neste afago quente das “prendinhas” de papel brilhante e laços que fascinaram a nossa infância. E mais uma vez a cultura impõem-se ao religioso, ao fundamento do natal, escrito na pobreza dum estábulo nas cercanias de Belém.
E depois do natal tudo regressa ao mesmo. Os governantes voltarão a visitar o nordeste, fazendo-se anunciar com pompa e circunstâncias, trazendo medidas avulso para promover o desenvolvimento, (crescimento) não entendendo que não há nada a desenvolver se não se tomarem medidas de fundo que travem o verdadeiro problema que é a desertificação. Não há crianças a nordeste, não há futuro. É preciso criar atratividade que traga outras mulheres, outros homens, outras crianças para povoarem o nordeste.
E depois do natal e dos mil e um jantares de natal, tão fraternos e solidários, tudo volta ao quotidiano. E o gestor, o dirigente de nomeação política, de novo se acoutará no conforto do seu gabinete, pago pelo povo e não recebe os cidadãos, pois isso é tarefa menor dos funcionários do guiché. E o povo humilde que vem das aldeias do nordeste não resolve os seus problemas enredados nas teias da burocracia. E como é possível o dirigente ficar impávido e sereno no seu gabinete, em vez de se tornar presente, amigável e resolutivo?! Abrir as portas é o segredo. É por causa de alguns governantes, de alguns dirigentes que o Estado, às vezes, parece uma organização legitimada, vocacionada para complicar, enredar, para fazer mal aos cidadãos.
Admiro-me como os humilhados e ofendidos não saem à rua e gritam às portas de algumas instituições: - Afinal, quem manda aqui?! 
Mas o natal é esperança, é a madrugada dum novo dia, talvez mais feliz, solidário e fraterno. Por isso, temos que agarrar a esperança, nem que seja a última esperança, pelo futuro, pelo nordeste.
Um bom natal para todos.

Fernando Calado