Manuel Vaz Pires

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O auto proclamado estado do interior

Foi no passado dia 2 de Fevereiro que um grupo de cidadãos do País proclamou, “urbi et orbi”, a sua constituição em Movimento pelo Interior para estudo e resolução das questões de interioridade. (Parecia que se tinham constituído assistentes de um hipotético processo “Interior versus Estado”, que aquele moveu a este por reiterada denegação de Justiça por acção ou omissão desde 1976 até à actualidade.) O dito Movimento é constituído por 2 autarcas, três professores de Politécnicos e dois empresários. A estes “Cavaleiros do Apocalipse” juntou-se, por fim, Silva Peneda e entende-se mal porquê, por duas razões: 1.º – se é para mostrar que não sabe, é redundante, escusava de lá ir; 2.º – se é para mostrar que sabia, fica-lhe mal porque já o podia ter evidenciado quando ocupou cargos de poder.
O dito Movimento diz que vai reunir mais vezes para esclarecimento e recolha de contributos que relevem e depois dessa ronda compromete-se a apresentar 6 medidas que serão as panaceias para os males da desertificação, interioridade e abandono. Porquê 6? Sem fazer um levantamento, sem definir objectivos, sem avaliar das necessidades e sem as valorar, sem programar e calendarizar estratégias, como sabem que são 6 medidas? Ou será que as 6 medidas já pertencem à “Lei Mental” e só é preciso arranjar justificação para a sua formalização? Um pouco em jeito daqueles concursos em que o ganhador já se sabe quem é. Lendo o artigo de Jorge Nunes verifica-se que as 6 medidas já existem faltando apenas arranjar interioridade e desertificação que as justifiquem.
Olhando para a constituição do Movimento entende-se bem a presença do Sr. Nabeiro, um patriarca que investiu na sua terra, como uma tentativa de conquistar outros pelo seu exemplo. Suponho que a presença do Sr. Fernando Nunes, presidente da Visabeira terá a mesma explicação. Os três homens dos Politécnicos estão lá por duas razões: uma é conferir o estatuto científico às conclusões que o Movimento produzir (uma espécie de caução de qualidade); outra é na qualidade de parte interessada porque a diminuição da população pode pôr os Politécnicos em risco. Pois bem, as partes interessadas nunca foram aquelas que produziram melhores raciocínios. (“Não é grande Juízo aquele que é só de Capelo que não de Borla” A. Perdigão) Mas quem eu não aceito nessa Comissão, são os autarcas. Os autarcas são parte interessadíssima no processo. Portanto que façam como quiserem, que se constituam em lobby ou que de qualquer outra maneira lutem pelos seus interesses mas que não se escondam detrás de um Movimento pretensamente científico que irá concluir aquilo que eles querem concluído. Assim, não!
Álvaro Amaro, da C.M. da Guarda e Rui Santos da C.M. de Vila Real são os autarcas do Movimento. Álvaro Amaro, com uma entrada de leão, disse que vão propor ao Governo “medidas radicais, até mesmo violentas”. Um outro, Jorge Nunes, ex-autarca de Bragança que não pertencendo à Comissão Instaladora do Movimento, apareceu agora na figura de pivot com um longo artigo no Jornal Nordeste e tem por lema propor “políticas de ruptura”. Não sei o que isso é como também não sei o que são “medidas violentas” mas uma análise ligeira à demografia dos concelhos que eles geriram ou gerem talvez nos explique a razão destes chavões sindicalistas de mau gosto. Assim: fazendo uma análise comparativa entre os anos 1981 e 2011 das populações dos concelhos e das respectivas sedes temos:
Uma conclusão é mais ou menos óbvia: todas as sedes de concelho aumentaram a população enquanto a parte rural perdeu, com especial incidência no caso de Bragança. Repare-se que o concelho de Bragança manteve mais ou menos a mesma população mas a cidade de Bragança teve um acréscimo de mais de 7500 pessoas. Logo, a parte rural do concelho perdeu mais de 7500 habitantes. Todas as sedes de concelho parasitaram o resto do concelho assim como o litoral parasitou o interior. Rigorosamente igual ao que se passou no País. Logo, se entendermos a mobilidade demográfica para o litoral como razão das políticas dos sucessivos governos, assim podemos concluir que as causas próximas da desertificação da parte rural destes concelhos se devem, pelo menos em parte, às políticas dos seus Presidentes de Câmara. De que se queixam então? Para quem virar as “medidas violentas” e as “políticas de ruptura”? E enquanto aquele discurso saloio sobre o despesismo lisboeta com as auto-estradas, com as travessias do Tejo, com a Expo, com o Europeu de Futebol, com o Centro Cultural de Belém, com o Aeroporto e com o TGV ia subindo de tom, nós cá íamos fazendo o Polis, o Procom, o Teatro, o aeródromo, o centro comercial, o conservatório de música, o parque de estacionamento subterrâneo, o Museu da Ciência Viva, o Museu Militar, o Museu da Máscara, o Museu da Judiaria, o Brigantia EcoPark, o Mercado Municipal, o Shopping, o auditório Paulo Quintela, o Centro Graça Morais, o parque de desportos radicais, o parque de campismo, as piscinas, os multiusos, a arena, o terminal de camionagem, o Politécnico e nem todos isentos de tiques provincianos de megalomania e de novo riquismo. (curiosamente os dois únicos espaços de lazer no Verão, as nossas duas “praias”, a presa de Oleirinhos e o Rebolo, foram desactivadas). Claro que ao “cheiro desta canela” o concelho se despovoou. Mas, perguntarão: então estas obras não eram necessárias? Embora tenha muitas reservas em relação a muitas delas, direi que sim. Mas a questão que aqui se põe é que o Estado dentro do quadro de procedimentos que adoptou não só permitiu como contribuiu para que aquelas obras se fizessem. Não tem, pois, cabimento a queixa, já insuportável, da falta de obras no interior em contraponto ao seu excesso no litoral. Melhor fariam que se penitenciassem dos gastos autenticamente despropositados e irracionais com o saneamento e ETAR(s) em aldeias onde era já previsível a drástica redução da sua população. (lembro que os bairros das Antas no Porto tinham na fossa séptica a sua solução sanitária quando já nós aqui exibíamos emissário de esgotos e ETAR na aldeia mais recôndita.) Hoje temos uma série de equipamentos, que o bom senso diria para não serem feitos, sem serventia. Estes gastos podem contabilizá-los na rúbrica de “esbanjamentos”.
E como consegue falar Nunes do municipalismo como factor de coesão nacional? Então o fosso entre aldeias e cidade não se alargou desmesuradamente nos últimos tempos? E onde foram feitos os investimentos de monta? Nas aldeias ou na cidade? Como se vê o municipalismo promoveu não a coesão social mas sim a sua diferenciação nos limites territoriais da sua influência. Mas é entre municípios vizinhos que essa “coesão” é mais visível. Todos estamos lembrados de um episódio que não teve importância mas revelador. Foi assim: quando os Serviços do Ambiente, depois de chumbarem o projecto da barragem de Veiguinhas, sugeriram como alternativa para o abastecimento de água a Bragança a água da barragem do Azibo, a Câmara de Macedo de Cavaleiros opôs-se frontalmente, numa atitude de um egoísmo e de falta de solidariedade que chocou. Por aqui se vê como o municipalismo está na vanguarda da defesa da coesão nacional. Outro bom exemplo da defesa da coesão nacional é, rigorosamente, aquilo que vocês, os do “Auto proclamado Estado do Interior”, estão a fazer ao país com a criação de dois tipos de municípios. Mas onde V. vão ver o que é coesão Nacional é quando forem fazer a delimitação dos espaços, litoral e interior. Estamos ansiosos.
De qualquer forma a desertificação das aldeias é um corolário lógico do desenvolvimento. Não tem nada de dramático. Dramático é ver dramatizar estes avanços civilizacionais criando um caldo de cultura para atitudes que ainda não sabemos bem o que são. O que são as “políticas de ruptura” e as “medidas radicais, até violentas” e o que se pretende com isso? De toda a maneira a aldeia acabou porque está a acabar a agricultura de subsistência, essa “arte de empobrecer alegremente”. Hoje, eles querem os filhos a estudar e acham que há mais vida para além da agricultura. Doravante o perfil tipo do agricultor é o de um empresário agrícola, que só faz 2 ou 3 culturas em que é especialista, mecanizado a 100%, vive na sede de concelho e faz férias. E os filhos quando chegam a casa já não vão ordenhar a cabra nem vão à erva para os coelhos. Os filhos depois das aulas vão para a música, para o desporto ou para as explicações. E isto é incompatível com a aldeia. Aldeia, jamais. Não sei o quis dizer Jorge Nunes com “É preciso apostar nas explorações familiares viáveis, agrícolas, de pastorícia…” mas parece-me um completo “non sense” aconselhar alguém a um regresso a um passado de que todos fugiram. Fico, até, sem saber que país querem alguns. Será que querem o Portugal dos anos 60 em que mais de 40% da população activa trabalhava na agricultura e que por isso teve de exportar milhão e meio de portugueses para França? Ou quererão um país moderno, evoluído onde a população activa na agricultura é pouco mais que residual? Repare-se que actualmente em Portugal ainda temos 6,3% da população activa a trabalhar na agricultura mas em França só já são 2,1% e nos Estados Unidos 1,2%.
Acho que toda a gente tem mais ou menos interiorizada a ideia que a aldeia, tal como a registámos, findou. Insistir na ideia que aquele espaço bucólico dos “Simples” de Guerra Junqueiro se pode manter e perpetuar se não é grotesco é pelos menos ridículo. Mas esse discurso cala fundo e tem os seus efeitos naqueles para quem “minha aldeia é todo o Mundo…”, para quem o sentimento suplanta em muito a razão. É ver a quantidade de casas novas, em aldeias desertificadas, que não têm qualquer serventia nem para os proprietários nem para a aldeia nem para o país mas que em muitos casos representam as poupanças de uma vida. E esse discurso não deixa de ter, aí, responsabilidades. Insistir na ideia da manutenção da ruralidade só já entendo como a maneira de preservar aquilo que alguém chamou, um dia, de “reservas morais da Nação” como último reduto de uma aspiração política.
Em relação aos fluxos migratórios para o litoral ou para as grandes cidades não sei como é que o Movimento pensa estancar ou mesmo inverter esta tendência. Isto porque segundo dados publicados pela ONU, em 1950 viviam 746 milhões de pessoas em cidades. Em 2014 esse número ascendeu a 3,9 mil milhões. Em 2014, 54% das pessoas eram urbanas e espera-se que em 2050 sejam 66%. Também diz que em 1990 153 milhões de pessoas viviam em 10 megacidades e em 2014 são 453 milhões a viver em 28 megacidades. Estes números revelam fluxos migratórios resultantes de dinâmicas sociais lentas, inexoráveis mas sempre no mesmo sentido. Serão invertíveis?
Uma das propostas avançadas no artigo de Jorge Nunes é a da discriminação fiscal positiva para o interior. Fixemo-nos nas reduções de 30% no IRS. A proposta de redução de 30% do IRS parece-me pouco menos que uma “boutade” que só a demagogia ou o populismo conseguem aceitar. Se não, vejamos: os trabalhadores por conta de outrem vencem por tabelas Nacionais. Quer sejam da função pública quer tenham contractos de trabalho individuais ou colectivos. Nesse aspecto os de cá estão como os de lá. Onde não estão iguais é no cabaz de compras (conjunto de bens essenciais cujo custo nos dá a indicação do custo de vida). Ora o cabaz de compras do interior é muito mais barato que o das grandes cidades com especial relevância para as rúbricas “habitação” e “transportes”. Como se vê, nesta matéria, a desigualdade é favorável ao interior. Além disso o IRS é um imposto progressivo. E os impostos progressivos são a menina dos olhos da fiscalidade em democracia porque neles está explicita a preocupação pela equidade e pela tentativa de redução do fosso que separa os rendimentos de uns dos dos outros. Fazer um corte cego, ainda por cima proporcional, é subverter completamente a filosofia da fiscalidade moderna. E já agora pergunta-se: porquê fazer uma redução no imposto a pagar por um alto funcionário do Estado ou um empresário de sucesso que residam em Bragança em detrimento de um empregado têxtil do Vale do Ave ou um merceeiro de bairro dos Guindais?

“Comidos de cebolada”

Longe vão os tempos em que discutíamos acaloradamente os defeitos e virtudes das empresas públicas e privadas. Os de Direita sempre defensores das empresas privadas e da livre concorrência e os de Esquerda defensores de um forte sector empresarial do Estado. Havia argumentos bons de um lado e do outro e até alguma Direita era sensível a argumentos de Esquerda tais como: para um Estado o ser de verdade tem de controlar, obrigatoriamente, a banca, o sector dos transportes e o da energia. São sectores nos quais o Estado não pode depender de ninguém e sem os quais o Estado não funciona. Mas isto já parece uma conversa do “Paleolítico” pois já ninguém se lembra que o Governo de Allende, no Chile, caiu pelo lock-out da camionagem (chamada greve dos “camioneros”), ou que o nosso banco emissor, símbolo de soberania, já não existe por consequência da moeda única ou do “apagão” americano (corte total de energia elétrica) que, apesar de involuntário, causou um caos indiscritível durante dia e meio.
Isto vem a propósito da fúria privatizadora que assolou o País no Governo de Passos Coelho. E bem podem dizer que foi a Troika que obrigou porque não pega, basta ver as reversões que o Governo seguinte fez com a TAP e os transportes urbanos. Não era, portanto, uma obrigatoriedade. Só que aos “jovens turcos” nada se mete pela frente e a Caixa Geral de Depósitos só escapou porque a crise financeira que varreu o Mundo meteu muito medo. Não deixaríamos escapar o último refúgio das nossas poupanças e isso foi assim entendido. É que a Caixa está imune aos colapsos que vitimaram o BPN, BES, BPP, FINIBANCO, BANIF, etc. (nata da gestão capitalista) porque a Caixa só vai á falência se o Estado for. Mas no afã de privatizar foram cometidos erros mesmo quando analisados sob o ponto de vista de quem o fez. Vejamos: privatizar ou nacionalizar são opções políticas que, sendo discutíveis, não deixam de ser opções legítimas dos Governos que as tomam. Não se trata, pois, de contestar, aqui, as privatizações mas antes a forma adoptada. Ora, a direita, que põe toda a sua fé na livre concorrência não só por a entender como uma liberdade democrática mas também por ser o mecanismo de triar as empresas entre competentes e inaptas, é naturalmente adepta da privatização pois assim põe as empresas a operar num mercado regulado, só, pela livre concorrência. Ora, é aqui que bate o ponto. Não se pode privatizar uma empresa monopolista pois assim criar-se-ia uma empresa privada monopolista, portanto sem concorrência, (pedra de toque do sistema capitalista) pela simples razão de não haver empresas concorrentes. Teriam de ser tomadas medidas subsidiárias para introduzir a concorrência no sector, coisa que não foi feita, ficando a dúvida se por inépcia ou intenção. Esta “gafe procedimental”, além de outras, ocorreu, pelo menos em três casos: com a REN (Rede Eléctrica Nacional), a ANA (Aeroportos e Navegação Aérea) e os CTT tomando assim o estatuto de empresas protegidas como já se não via desde o Estado Novo. (Lembram-se que a cerveja pagava imposto para proteger o vinho, os isqueiros pagavam imposto para proteger os fósforos, a Coca-Cola não podia operar para proteger os refrigerantes Nacionais, etc). A REN é a dona exclusiva dos cabos que transportam toda a electricidade que se consome no País. Sem concorrência. Os CTT têm uma dupla exclusividade: o serviço postal e fio de cobre dos telefones fixos. O fio de cobre está para os CTT assim como os cabos elétricos estão para a REN. Qualquer chamada para telefone fixo, seja de que operadora for, passa pelo fio de cobre dos CTT. Sem concorrência. No que diz respeito ao serviço postal, toda a gente sabe que mais ninguém entrega cartas senão eles (e já nem eles). Sem concorrência. Aliás, este serviço é aquele que torna mais evidente a pressa e o desleixo com que se fez a privatização (à Ieltsin. O que é preciso é vender tudo o que é do Estado, seja de que maneira for). O atraso na entrega de correspondência, quando não o seu extravio e a não entrega de registos aliados ao fecho de balcões e aos despedimentos tornam esta privatização má de mais para ser verdade. Mas não é nada que nos surpreenda. Bastou estar atento às queixas dos Espanhóis quando da privatização dos seus Correios para ver o que, cá, se ia a passar. (Por isso é que o pessimista é um optimista com experiência). Gostaríamos de saber qual foi o caderno de encargos da privatização, aquilo a que os novos donos dos CTT se encontram obrigados por contrato. Ou será que não estão obrigados a nada?  Esta situação incomoda-nos particularmente pois não podemos mudar de operadora, simplesmente, porque não há. (ainda há de vir o tempo em que temos de por o selo e levar a carta em mão. Parabéns! a quem fez este negócio .) Mas face ao número de indignados, os partidos de Esquerda e muitos populares falam já na reversão da privatização. Não posso estar em mais desacordo. Isso é o que eles querem porque o que pretendiam com a privatização dos CTT era um banco e isso já têm. Tirar-lhe o serviço postal eles, até, agradecem. Tem de haver mecanismos que os obrigue a prestar esse serviço público com um mínimo de dignidade.
A ANA, Aeroportos e Navegação Aérea, monopolista na gestão aeroportuária, foi comprada pela Vinci Aeroports ficando esta a mandar nos aeroportos Portugueses. Sem concorrência. Desde que tomou posse dos aeroportos já aumentou os preços dos serviços uma série de vezes, o que provocou queixas de algumas companhias. E pode fazê-lo pois quem quiser voar para Portugal tem de utilizar os seus aeroportos. Não conheço o caderno de encargos da privatização mas depreende-se que a Vinci deve ter ficado com algumas responsabilidades na construção do novo aeroporto de Lisboa. Digo isto porque em 2012 classificou o actual aeroporto como estando em pré-ruptura e agora acha que está para “lavar e durar”. Claro, com o subsídio do Montijo mais as seis horas de activação do aeroporto de Lisboa, coisa que quer solicitar à Câmara. -das 0h ás 6h o aeroporto está inactivo para descanso da Cidade. Do novo aeroporto nem quer ouvir falar. E eu espero que o descanso dos Lisboetas mereça, ao Presidente da Câmara, o mesmo respeito que merecia antes da privatização. 
Os números apresentados pela Vinci, antes da privatização e agora, são, no dizer de Pires de Lima, antigo Ministro da Economia mas que não esteve ligado ao negócio, absurdamente diferentes e fica no ar a ideia que a venda foi feita com base nos números do comprador.
Quando um Governo viola escandalosamente o seu “leit-motiv” das privatizações, que são o fim das empresas monopolistas e das empresas tuteladas e que tem na livre concorrência o pano de fundo da regulação do mercado, ficámos sem saber que intenções presidiram às privatizações (como é que o CDS embarcou nisso!?). Este chorrilho de asneiras, de negócios pouco cuidados, cheios de amadorismo, onde não são acautelados nem o erário público nem os direitos dos utentes, aliado à falta de razoabilidade fazem-nos sentir a vergonha de quem é “comido de cebolada”.

A Praça do meu descontentamento

Já teve vários nomes. Praça da Cruz de S. Pedro, Praça do Seixo, Praça Almeida Garrett e actualmente Praça da Sé. Claro que só tenho memória para este último mas lembra-me de, e  já íamos nos anos 80, o Sr. Júlio Coelho exibir orgulhosamente a Praça Almeida Garrett como domicílio da sede social da sua empresa. O actual nome é um rebaptismo conseguido nos anos 30 do passado século quando o Dr. Raúl Teixeira solicitou à Câmara que procedesse à restituição do nome de Praça da Sé. Quando se chamou Praça da Sé pela primeira vez não sei mas foi antes de 1902 porque nessa altura passou a chamar-se Praça Almeida Garrett. Bom, a habitual dança de nomes que as conjunturas políticas sempre ditam.
Também já conheceu vários desenhos. Uns, fruto de concepções urbanísticas, outros, do ego do Presidente da Câmara. A Praça deve ter atingido esse estatuto quando em 1689 os Jesuítas aí colocaram o Cruzeiro. Em 1875 o Presidente da Câmara, naturalmente um fogoso liberal, mandou retirar o Cruzeiro e redesenhou a Praça colocando aí um coreto, bancos de jardim e árvores. Em 1931 um grupo de Bragançanos conseguiu convencer a Câmara a recolocar o Cruzeiro no centro da Praça dentro de uma plataforma mais ou menos elíptica elevada do chão com altura de passeio. Havia também um candeeiro de dois braços na parte de cima da Praça em frente aos ”Coelhos”. Foi esta a primeira Praça da Sé que conheci. Depois o Sr. Adriano Pires, Presidente da Câmara dos anos 60, fez alterações e deu um desenho à Praça muito parecido com o que tem hoje. Chamaram-lhe a “eira de Espinhosela” por causa das ligações que ele tinha a essa aldeia e pelas que a Praça tinha a uma eira. Mas o Sr. Adriano Pires num acto de humildade reconheceu o erro e devolveu a Praça ao anterior figurino. E foi assim que em 2000 o Procon a veio encontrar e a pôs no estado em que está. O que agora vemos não é uma Praça mas antes uma extensão da Igreja, um adro. Mesmo a circulação automóvel não se faz no sentido directo, como é usual nas Praças, mas sim no sentido dos ponteiros do relógio também chamado sentido retrógrado. Ironia.
Foi aí, numa Praça cujo desenho, em 70 anos, nunca ninguém questionou, que muitos jovens fizeram o tirocínio para adultos; foi aí que esperámos, com ansiedade, a saída das pautas de exame; foi aí que começámos a falar de futebol; foi aí que nos iniciámos na política; foi aí que experimentámos o nosso fervor Mariano, embora isto se resumisse à apreciação das do “Lar das grandes” a caminho do “Mês de Maria”; foi aí a nossa feira de vaidades; foi aí que bebemos os primeiros “finos”; foi aí que contámos histórias de caça e pesca; foi aí que, de nervosismo, esfregámos uma mão na outra à espera de uma oral; foi aí que, timidamente, abordámos algumas colegas; foi aí que sentimos o amargo de alguns insucessos; foi aí que começámos a falar de “outras coisas”; foi aí, ”onde me sento e confundo com gente de todo o Mundo…”.
Depois veio o Cruzeiro (café) e o 25 de Abril e a Praça potenciou os ritmos, os sons, as cores, a alegria transmitindo-nos uma vontade frenética de viver. E quando me lembram estes tempos assalta-me uma vontade irresistível de dar os parabéns a “nocês”. (Apanho a boleia desta “boutade” de O´neill para camuflar a imodéstia do auto elogio. Porque eu também estava lá). Claro que estamos a falar da Praça- sociológica, da Praça- centro cívico e essa Praça morreu, não existe. Quando comparada com a Praça desses anos a actual só faz lembrar a amargura do Natal de Torga. Porque esta Praça “…do que prometeu, só bonito na lembrança…”. E porque chegou a este extremo de decadência? Muita coisa há-de ter contribuído mas o arranjo urbanístico que agora patenteia não é de forma alguma alheio a isso. Repare-se que a partir do Procon a Praça desertifica, os comércios fecham e outros abrem falência. Coincidência? Não sei. Mas sei que sociologia não é para tecnocratas. E isto levanta a questão: deve ou não, haver limites à intervenção da Câmara nas zonas antigas da Cidade? Se as intervenções em “casco histórico”, feitas por particulares, estão sujeitas a regras apertadíssimas que a própria Câmara se encarrega de escrutinar porque razão não são as obras da Câmara sujeitas a qualquer tipo de controle? E “Quem julga o Juiz”? perguntariam os Kafkianos. Mas devia haver controle, sejam normas-travão, cláusulas de salvaguarda ou veredito de um painel de peritos, sobre as obras da Câmara em zona antiga esteja ela classificada ou não a fim de evitar desmandos de um que se arroga no direito de pensar que pensa melhor que todos os outros. Note-se que o Estado Português se sentiu na necessidade de reeditar o Conselho Superior das Obras Públicas (Órgão consultivo que se pronunciará sobre as grandes obras do Estado) porque tem medo que o voluntarismo, a força dos “Lobbys” ou tiques de moda possam influenciar negativamente as decisões do Governo. E se essas obras são importantes pelos montantes envolvidos, algumas obras das Câmaras, à proporção, não o são menos com a agravante de envolver diretamente pessoas e isso torna o assunto delicado porque elas são vulneráveis a ligações afectivas com as coisas do seu espaço. Num espaço urbanizado, de há já dezenas de anos, todas as pedras têm uma história, as esquinas um sussurro e até um vidro partido num caixilho empenado fala connosco sem estar lá. São estas ligações, estas raízes, ou antes, a sua ausência que os sociólogos entenderam por responsável nas angústias dos habitantes de Brasília nos anos 70. (como se sabe Brasília era na altura uma cidade nova, sem história) Diziam eles que os Brasilienses viviam, materialmente, muito bem mas angustiados, deslocados como se estivessem numa nave espacial sem qualquer ligação às coisas. “Entre eles e as coisas não havia vizinhança”. É esta vizinhança que é desfeita quando das grandes intervenções em zona antiga.
E tendo a Câmara tanta urbanização recente para dar asas ao obreirismo, à criatividade, à inovação, aos novos conceitos urbanísticos, como se entende esta atracção por intervenções em espaços há muito urbanizados? Mais parece uma pulsão irresistível de apagar o que lá estava. Resquícios medievais de não deixar pedra sobre pedra na cidade conquistada com o medo que o espírito dos anteriores habitantes, presente nas suas construções, contaminasse o espírito dos actuais? Ou como aconteceu há bem pouco tempo em Palmira que o DAESH dinamitou ícones religiosos só porque de uma religião que eles não professam (em tudo parecido com a retirada do Cruzeiro da Praça da Sé pelo Presidente da Câmara em 1875 por este ter sido posto pelos Jesuítas). O Mundo reagiu indignado e eu associei-me a essa indignação sem esquecer, no entanto, que os meus ícones estão em Bragança. Mais modestos mas, ainda assim, ícones. Há, em todos estes casos, uma repulsa pela herança quer material quer espiritual.
Praticamente todas as últimas grandes obras que se fizeram em Bragança sofrem desse mal. Um profundo desrespeito pelos cidadãos e pela herança que a cidade carrega. Mas há uma que particularmente me impressionou. A forma como foram tratados os moradores da rua de vale de Álvaro ou, como também era conhecida, a Av. da Adega Cooperativa. Essa Av. que era uma extensão da Av. João da Cruz deixou de sê-lo por corte do cordão umbilical que a ligava à Bragança antiga provocando um rombo na coesão social, uma alteração dos ritmos do quotidiano dos moradores numa despromoção social que não devia ser possível. A ligação ao “núcleo duro” da Cidade é feita agora apenas por interpostos bairros, como bairro periférico que é, com perdas de bens inegociáveis sobretudo o da consideração. Esta segregação, esta ostracização, esta pena de banimento são, no mínimo, de um iluminismo tardio e assustador.

Não sei se está certo

Sempre que há tormenta no mar com marés vivas há registos de acidentes com pessoas que passeavam paulatinamente pela praia. Que é que leva estas pessoas a escolher dias autenticamente medonhos para se passearem alegremente na areia? É um desafio à Natureza? É a necessidade de adrenalina? É a tentativa de mostrar alguma coisa a alguém? É o gozo que dá o desrespeito pelas regras que o bom senso dita? Não sei, mas a motivação deve ser a mesma que leva alguns a tentar travessias do Atlântico em barcos de 4 ou 5 metros com todo o risco que isso comporta. Há o caso daquela menor que um país (Holanda?) não deixou partir dos seus portos, mas ela partiu doutro país com total apoio dos pais; ou que faz com que pescadores desportivos se dependurem nas escarpas da ponta de Sagres onde o mar, não raras vezes, os vem sequestrar; ou aqueles que esticam a toalha de praia nas sombras exíguas das falésias não atendendo às proibições e muito menos aos avisos; ou ainda os que armados em alpinistas/montanhistas se perdem nas montanhas do Gerês não respeitando as sugestões nem as proibições nem tão pouco os requisitos mínimos; ou também aquele motorista muito popular em Bragança que quando se dirigia a Lisboa com uma carga de batatas encontrou a ponte do Sabor, em Moncorvo, vedada ao trânsito porque o Rio já passava por cima do tabuleiro. Deixou distrair os soldados da Guarda Republicana e passou.
Todas estas atitudes comportam, muitas vezes, perdas de vidas, de bens materiais e custos de resgate. Quanto custa resgatar um náufrago em operações que envolvem a Marinha, a Força Aérea, pescadores etc.? E no resgate de uma turma de caminheiros onde estão envolvidos Guardas da Natureza, Guardas Republicanos, populares, amigos etc.? E além disso a ansiedade de uns, o desespero de outros e o incómodo de todos são custos, mesmo que imateriais, não são negligenciáveis. Mesmo assim quando vemos alguém em apuros tentamos sempre valer-lhe. Assim mandam as Leis de Deus, dos Homens e o espírito solidário. Mas este espírito solidário vem às vezes manchado com tiques vingativos, de ajuste de contas. “Ele que o fez, ele que o desfaça”, “ninguém o mandou”, “ele que se desenrasque” são alguns dos comentários que se ouvem quando alguém se mete numa aventura que está a correr mal. Na verdade é desconcertante o à vontade com que uns deixam o ónus das suas aventuras para os outros como se estes fossem responsáveis pelas suas próprias bizarrias, teimosias e até rebeldias.
É tema actual a consolidação das falésias e os dinheiros que isso envolve. Portugal tem 950Km de costa tem 591Km de praias e 348 falésias. Há 150 praias com falésias em risco. Pensa-se fazer intervenções de consolidação das falésias sempre que haja construções no patamar superior da falésia. E eu pergunto: quem quis colocar a casa num sítio que a tornasse mais esbelta, mais desafogada, de vistas mais amplas, em resumo, mais invejável mas no fundo com riscos, tem o direito de esperar que seja o erário público a criar as condições de segurança que ele próprio negligenciou? Pode passar aos outros o ónus desses mesmos riscos? Tenho as minhas dúvidas.
Todos estes casos têm analogia com Pedrógão. (Pedrógão tomado aqui como título do capítulo respeitante aos incêndios florestais mas excluindo, completamente, as vítimas que circulavam na estrada). Em Pedrógão a mata é, praticamente, toda privada. E nos terrenos privados, exceptuando a canábis e a papoila, cada um semeia o que quer, como quer e sobra-lhe tempo. Assim foi em Pedrógão: cada um fez como quis e lhe apeteceu, têm a mata que querem, com os pinheiros e eucaliptos a entrarem pelas povoações adentro e o mato a ir até à porta de entrada à revelia de todas as recomendações e até da Lei. A tragédia, assim, era mais ou menos previsível. Agora que a tragédia se verificou, exigem desculpas, reparações, indemnizações, etc., como se todos tivessem culpa menos eles. Claro que isto só acontece porque a oposição, numa atitude patética para embaraçar o Governo, aconselhou, “pedagogicamente”, as vítimas dos incêndios a “ser realistas, pedindo o impossível”. Também ajudou a esta deriva reivindicativa o relatório sobre os acontecimentos de Pedrógão feito por uma equipa independente. Um relatório que se pretendia seco e objectivo contém, no entanto, trechos de literatura épica onde não falta, até, o seu “canto IX”(ainda não se sabe se se pode ler ou não). Também não foi despicienda a contribuição do Sr. Presidente da República para este estado de espírito. O Sr. Presidente cavalgou a onda da desgraça e ainda não se apeou naquele seu jeito de “gostar de ser viúva em todos os enterros”. Vai consoar a um lado e fazer o fim de ano noutro, tudo dentro da zona do sinistro como convém.
Por outro lado, a 10 de Dezembro morreu uma mulher em Marco de Canavezes vítima da queda de uma árvore que não aguentou a fúria da tempestade Ana. Só assim. Foi azar. No entanto esta mulher morreu quando fazia uso de uma infraestrutura do Estado em fase de utilização. Aqui, sim, há responsabilidade do Estado. E a tragédia desta mulher não é menor que a dos sinistrados de Pedrógão e a dor dos familiares… é a dor dos familiares.
Irrelevante politicamente – dirão os mais abespinhados de Pedrógão
Não sei se está certo. 

Para acabar de vez com a regionalização

A regionalização surge com os ideais liberais na rejeição ao poder absoluto e centralizado do Poder Real. E mesmo depois da nossa Monarquia passar a Constitucional a regionalização manteve a pertinência como dinamizadora das gentes no sentido de maior participação e da melhor gestão da coisa pública. Em 1836 Mouzinho da Silveira teorizou e Passos Manuel promulgou uma reforma do Código Administrativo que ainda hoje, na sua essência, mantém actualidade. Depois de vicissitudes várias, em 1914 os Republicanos fazem uma proposta de Código Administrativo onde é abandonada a ideia de descentralização. (Henrique Nogueira já tinha avisado que ser Republicano não queria dizer Regionalista.) Isso motivou reações e uma das consequências foi a realização do I Congressos Transmontano, do I Congresso Beirão e o Congresso do Municipalismo em 1922 como formas de pressão sobre o poder central a fim de lograrem a regionalização. Surge também o Mapa de Portugal de Amorim Girão, com o País dividido em Províncias, talvez a coisa mais bonita que a ideia de regionalização produziu (repare-se que uma abstracção, pois as Províncias nunca passaram de um pensamento, acaba por ser o País virtual que a todos cativou e que todos interiorizaram. Tanto orgulho há num que se diz Transmontano como noutro que se diz Alentejano apesar de não haver Trás-os-Montes nem haver Alentejo.). Também Salazar achou muita piada ao Mapa das Províncias. Promulgou-o e meteu-o na gaveta onde ficou até ao 25 de Abril. (Estava-se mesmo a ver Salazar partilhar o poder com os lideres regionais!) E se por um lado ignorou as regiões por outro passou as Câmaras a meras extensões do Poder Central, com Presidente nomeado. Com o 25 de Abril os órgãos de gestão dos Municípios passaram a ser eleitos e Sá Carneiro lançou, então, a ideia da Regionalização que passou a figurar como um objectivo constitucional. Não obstante ser um desígnio Constitucional, António Guterres, talvez o único regionalista convicto e sincero depois de Passos Manuel (digo isto porque uma coisa é querer a Regionalização como forma de obter daí algum poder outra é ter poder e querer a Regionalização como forma de o partilhar), entendeu que não havia condições para a implementar, de cima para baixo, uma vez que figuras com forte peso político como Mário Soares, Cavaco Silva e o consequente arrastamento, se manifestavam contra.”Um erro colossal” dizia Mário Soares da regionalização. Guterres submeteu a Regionalização a referendo. Aqui o PSD pela mão de Marcelo Rebelo de Sousa fez a figura de Pilatos. Era a favor da Regionalização, dizia, mas era contra o Mapa das Regiões. Ainda hoje não se sabe que Mapa defendia. A Regionalização perdeu em referendo. Eis-nos aqui.
Regionalização é a panaceia para todos os males segundo uns, fonte de muitos mais segundo outros. Não será nem uma coisa nem outra mas talvez um pouco das duas. Corresponde a uma subdivisão do território para fins administrativos e costuma ser aplicado em Países ou muito grandes, para agilizar a administração, ou multiétnicos, para respeitar as idiossincrasias das diferentes etnias. Ora, Portugal além de ser um País pequeno é também um País muito homogéneo. Mesmo naquele território, que até ao fim da Monarquia se chamava Reino dos Algarves, não se encontram marcas culturais, religiosas, linguísticas ou outras que o diferenciem do Minho ou das Beiras. Desse ponto de vista, a regionalização em Portugal seria, parafraseando O’neil , “ uma coisa em forma de assim”. Isso não obstou a que eu tivesse votado SIM à regionalização aquando do referendo. Fi-lo porque pensei que o velho chavão “para cá do Marão mandam os que cá estão” não era só fanfarronice (calou fundo o conselho do velho ditador: “se soubesses o que custa mandar, gostarias mais de obedecer”); Fi-lo porque pensei que os Transmontanos ficariam muito orgulhosos de exibir a sua “carta de alforria”, o atestado da sua maioridade cívica e política; Fi-lo porque me pareceu e parece que a distância, geográfica e de mando, entre as autarquias e o poder central é tal que justifica um elo de ligação, um poder intermédio, um interface de poder. Anteriormente esse interface de poder era preenchido pelo Governador Civil mas essa instituição foi completamente esvaziada de poderes e depois, naturalmente, extinta. Ficou aí um vazio de poder. E como não há fome que não dê em fartura não raras vezes assistimos, agora, a matérias tuteladas por várias instituições gerando crises de competências, conflitos de poderes que se sobrepõem e que são multi-distritais como as CCDR(s), as Áreas Metropolitanas, as Comunidades Inter-Municipais. Também não se entende que as regiões criadas por áreas de actividade não sejam coincidentes. As Regiões Militares não coincidem com a divisão que faz o Ministério da Saúde e esta não é igual à da Educação que por sua vez é diferente da da Agricultura. Parece mal que cada um retalhe o País a seu bel-prazer sem o mínimo respeito pelo sentir regional que nos enforma. As matérias supra municipais derivam entre o anárquico e o caótico por falta de coordenação. É esta falta de coordenação, este vazio de poder que a Regionalização iria obviar. Se bem que não é isso que a justifica porque há várias outras formas de resolução. De qualquer forma, para mim, a regionalização…já foi.
A não ser que…
Se se pensar a Regionalização não só como uma metodologia governativa mas antes como alavanca de desenvolvimento aí o caso muda de figura. Se já Trotsky falava na Regionalização como instrumento de correcção dos excessos da “concentração capitalista” também nós podemos falar da Regionalização como correctora das assimetrias regionais, que é dizer, rigorosamente, a mesma coisa. Pensar a Regionalização como uma forma de trazer o desenvolvimento ao Interior. Foi isso que Kubitschek de Oliveira, Presidente do Brasil nos anos 60, pensou quando decidiu erigir Brasília. Ele sabia que nada nem ninguém se deslocaria para o Planalto Central a mil e tantos Km do litoral sem uma motivação forte. E ele deu-lha, mudando para lá a sede do Governo. Brasília, que foi projectada para 500mil habitantes, tem hoje, com a sua cintura, 4,5milhões.
É este ensinamento que eu gostava de ver transposto para o nosso caso. Assim, se o País ficar dividido em parcelas mais ou menos iguais ás áreas de influência das CCR(s), como tudo indica, então a Capital do Norte seria, naturalmente, Bragança. (Não me venham com o argumento da falta de estruturas porque em Brasília não havia mesmo nenhuma.) Assim também a Capital das Beiras deveria ser a Guarda e a do Alentejo, Beja ou Portalegre. Só deslocalizando os Serviços para o Interior é que ele se pode desenvolver. Ora não é assim que pensam as chamadas “capitais naturais” como o Porto ou Coimbra. Esses querem a Regionalização não só para serem a Capital da Região mas também para fazerem dela o trampolim que os torne os “challengers” de Lisboa. E a Regionalização não pode servir para isso.
É evidente que a minha pretensão não tem, minimamente, pés para andar porque mal essa hipótese fosse avançada teria a oposição de toda a massa crítica, de todo o “think tank” portista (no nosso caso) e sobretudo daqueles que, parecendo uns adeptos fervorosos da Regionalização, não passavam, afinal, de uns meros candidatos a Vice-Rei do Norte.

Tirai as cabeças aos fósforos!!!

Muito antes do Verão vi um cartaz de uma máquina de lavar a roupa que lançava uma língua de fogo pela porta onde é suposto meter a roupa. Achei criativa a ideia da coexistência surreal da água e do fogo e isso sugeriu-me uma explicação para o cartaz. Uma explicação demasiado Bragançana mas ainda assim uma explicação. Seria, então, a materialização, a tradução plástica pós-modernista de um grito de alarme tão nosso conhecido, “ fujam! que arde a fonte de Moredo”. Não imaginava, na altura, que o cartaz podia ser tão premonitório. Vivemos um Verão sob o signo do fogo e com índices de sinistralidade nunca imaginados. E os danos colaterais caíram, por inteiro, no regaço do Governo que de repente se tornou o rosto do nosso desconforto e em parte por culpa própria. Se o Governo fez bem em esperar pelas conclusões da Comissão Técnica para decidir sobre as medidas de fundo, nada justificava que as medidas de curtíssimo prazo ou urgentes tivessem tido o mesmo tratamento. Além disso evitavam o rótulo da inação. Mas quando já estava marcado o Conselho de Ministros para tomar medidas sobre as conclusões da Comissão Técnica eis que o País se incendeia de novo. Aí, o Presidente da República, em frenesim juvenil, sai a terreiro e declara “urbi et orbi” que tinha de ser feito aquilo que… que já estava combinado ser feito. Nesta vertigem induzida todos quiseram mostrar serviço. Houve moção de censura, pedidos de demissão, exigência de pedido de desculpas, a obrigatoriedade dos pagamentos de indeminização já, manifestações contra os incêndios (como se do outro lado estivessem os que são a favor dos incêndios). Tudo isto acompanhado pelas carpideiras de serviço que são as televisões. Então o PAN propôs 14 medidas, o CDS mais de 40 (quarenta! Imagine-se. A Drª Cristas só se esqueceu de mandar tirar as cabeças aos fósforos) tudo isto numa escalada que me incomodou porque acho que mesmo a demagogia tem de ter limites. Até porque o nível de responsabilização do Estado perante as vítimas não é igual para todos os casos. Os que morreram na estrada morreram na utilização de uma infraestrutura do Estado que estava em serviço. Assim o Estado é completamente responsável pela segurança dos utentes e terá de os ressarcir do seu infortúnio. Em relação aos outros, cada caso será um caso mas nas situações de casa envolvida por floresta e com mato até à entrada, tenho dúvidas que haja responsabilidade do Estado, porque há lei que obriga ao desmatamento em perímetro urbano, logo os proprietários seriam os primeiros responsáveis. Uma fábrica de milhões de Euros, encravada na mata e sem qualquer sistema de segurança contra incêndios é um risco que o proprietário assumiu. E aqui há um pormenor curioso: quando se quis inscrever na lei a obrigatoriedade da desmatação em perímetro urbano sob pena de expropriação, o CDS todo se encristou (passe a redundância porque o CDS sob a liderança da Drª Cristas anda sempre encristado) dizendo que era um atentado à propriedade privada. Há aqui qualquer coisa que não bate certo. Mas há mais. Acusam a mata de não estar ordenada, de não ter aceiros, de não estar desmatada e que assim além de vulnerável aos incêndios ainda os potencia mas foi assim que os privados a criaram. Segundo números amplamente divulgados, o Estado só tem 3% da floresta. Como lhe pode ser imputada responsabilidade de 100%?         
Foi neste ambiente que o Governo foi obrigado a tomar medidas de imediato. E se as de curto prazo são mais ou menos consensuais, as de longo prazo são mais controversas logo deviam ser mais trabalhadas, mais amadurecidas até porque agora devemos ter algum tempo de defeso. E, de acordo com as conclusões da Comissão, o Governo vai privilegiar a prevenção em detrimento do combate aos incêndios. Isso já provocou uma reacção intempestiva, desbocada e malcriada do Presidente da Liga dos Bombeiros.(Um Governo tem de estar muito fragilizado para suportar a arrogância malcriada de um “qualquer” em ameaças ao Primeiro Ministro sem consequências imediatas.) Mas apesar das vozes discordantes, de quem defende alguma coisa para si, eu também sou pela prevenção porque ninguém apaga incêndios na mata. E não digo isto para apoucar os bombeiros Portugueses mas como conclusão das imagens que a televisão nos deu dos incêndios da Austrália, do Canadá mas sobretudo da Califórnia. Aí, bombeiros equipadíssimos e cheios de Know-how deixaram arder a mata tal como nós em Pedrógão. Não, o combate não pode ser por aí. Sou, pois, pela prevenção se isso significa: o patrulhamento pelo Exército das zonas mais sensíveis; a vigilância aérea feita pela Força Aérea Portuguesa; a desflorestação e desmatação das bermas das estradas; a limpeza efectiva dos perímetros urbanos; a utilização do radar meteorológico na deteção das plumas de fumo; o reforço das equipas de vigilantes; a compartimentação da floresta por aceiros generosos perfeitamente desmatados e com cortinas de árvores de folha caduca para que o fogo esmoreça e se torne combatível; ainda a compartimentação, condição necessária para se poderem fazer contra-fogos e que nunca vi reivindicada pelos bombeiros; e ainda uma alteração procedimental para dar algum alento à prevenção que era haver julgamentos sumários para os suspeitos de atearem incêndios apanhados em flagrante delito. Sei que os julgamentos sumários para crimes graves foram declarados inconstitucionais mas também sei que os legisladores, se for caso disso, saberão expurgar a Lei dessas inconstitucionalidades. Era psicologicamente importante a vários níveis: aos Guardas transmitia a sensação de dever cumprido versus a frustração de ver os suspeitos, muitas vezes, a aguardar o julgamento em liberdade; para os incendiários seria inibidor uma vez que seria mais clara a associação do castigo ao crime; às populações transmitiria a sensação de segurança e a confiança que a visibilidade dos actos da Justiça dão. Também aqui sou pela prevenção.
Já não sou pela prevenção se ela tiver de passar, como alguns defendem, pelo repovoamento do interior e o regresso às práticas ancestrais da agricultura.(Remeto essas opiniões para o domínio da poesia.) Também não sou pela prevenção se ela passar pela desmatação da floresta. É um despesismo que além de não tornar a floresta incólume (veja-se o pinhal de Leiria) a tornará inevitavelmente anti-económica. Mas a insistência pressionante com que se fala de desmatação faz-me pensar estar em embrião o lobby da desmatação.
Outro? Deus nos livre.

Afinal quem chora por Chora?

A Auto Europa pretende produzir 190.000 VW t-Rock/ano na sua fábrica de Palmela. Para conseguir isso tem de criar 18 turnos/semana, o que quer dizer que tem de laborar ao sábado. Para laborarem ao sábado a Auto Europa fez, aos trabalhadores, uma proposta com contrapartidas para compensar o “incómodo” de perderem 5 em cada 6 sábados. Essa proposta, que teve a anuência (pré-acordo) da comissão de trabalhadores, foi liminarmente chumbada no plenário de trabalhadores. Bom, resumindo: um conflito laboral que parecia igual a tantos outros. Mas o que este conflito laboral tem de diferente dos outros não é pelo conflito em si mas sim pelas reacções que suscitou. A profusão de artigos de opinião foi desproporcionada e tinham uma particularidade curiosa. Não falavam mal, como é costume nestes casos, nem da proposta da Auto Europa nem da reação dos trabalhadores. Mas nesta pretensa neutralidade lá iam dizendo que a Auto Europa gera 1% do PIB, que é responsável por 4% das exportações, que emprega três mil e tal trabalhadores, que com o António Chora isto não teria acontecido, que podem deslocalizar a empresa, que o que estava a acontecer era uma manobra do PCP (chamaram-lhe o “assalto ao Castelo”, lembrando que o PCP não tinha mão na Comissão de trabalhadores e quer ter) e até o inenarrável Sousa Tavares (o turbo-comentador que um dia disse que os Professores eram os “absentistas mais bem pagos deste País”) lembrou que há trabalhadores que até ao domingo trabalham, caso da hotelaria, da saúde, das forças da ordem etc. (que esquecimento o nosso !!!).  Nem um só dos artigos que li analisava a proposta e/ou a reação a ela. Tudo visões periféricas embora com intenção evidente como quem diz “resolvam lá isso pelo melhor que a Auto Europa é muito grande, por todos não custa nada e não vá o Diabo tecê-las de forma a que ainda sobre alguma coisa para mim”.
Mas vamos aos factos. Se a Auto Europa precisa do Sábado podia pagá-lo em horas extraordinárias. Argumenta, para não o fazer, que as horas extraordinárias têm sempre uma componente de voluntariado e que portanto não garante a efectividade do grupo. Embora aceitando o argumento não se entende por que é que o vencimento proposto para o novo horário de trabalho não é calculado tomando as horas de Sábado como trabalho extra. Propuseram em contrapartida uma gratificação mensal. É essa gratificação que é o pomo da discórdia pois, dizem os trabalhadores, esse montante seria praticamente atingido com um só Sábado de trabalho extraordinário quando o novo horário de trabalho prevê aproximadamente 3,3 Sábados /mês. Além disso as horas de Sábado não são horas extraordinárias quaisquer, elas obrigam a toda uma reformulação das actividades no quadro familiar e a uma recalendarização de todas as outras, lúdicas ou não, com perdas mais que evidentes. Não bastou à empresa um ganho de produtividade na ordem dos 20% no investimento em fábrica (é mais um dia em cada 5) que ainda tinha que fazer saldos no salário dos trabalhadores. E se alguém pensar que o litígio possa ter ocorrido pela ganância dos trabalhadores eu lembro que, não há muito tempo, estes trabalhadores aceitaram uma série de condições gravosas, numa altura de aflição da empresa, afim de manterem os postos de trabalho mas que concomitantemente também mantinham a empresa para o patrão. Era na altura Presidente da Comissão de Trabalhadores António Chora o tal que agora, na reforma, é tido como o “D. Sebastião” da concertação. É-lhe atribuída a paternidade da fórmula que se por um lado manteve os postos de trabalho, embora em condições penosas, por outro resgatou a empresa para o patrão. Ainda estou para saber se conseguiu do patrão um bom acordo para os trabalhadores se conseguiu a anuência dos trabalhadores a um bom acordo para o patrão. E acresce a isto um pormenor curioso. António Chora não negociava sozinho. O seu interlocutor era o Diretor da empresa António Melo Pires que, possivelmente, é o elemento que falta nesta negociação. Miguel Sanches o actual director será, possivelmente, o elemento que sobra.
Tenho esperança que os trabalhadores dirimam esta contenda a seu contento. Se assim acontecer têm o meu aplauso. Se optarem pela cedência terão a minha solidariedade e a minha compreensão. Solidariedade porque sei que tiveram de “engolir um sapo”. Compreensão porque sei que constrangimentos vários, sobretudo familiares, impedem os trabalhadores, quando acantonados entre a espada e a parede, de optarem pela espada.
E se fosse consigo?

O que eu não ouvi

Assisti, com alguma curiosidade, ao debate dos candidatos à presidência da Câmara de Bragança. Curiosidade porque não é todos os dias que ouvimos um escol como este (em tese, as pessoas que melhor pensam Bragança na actualidade a ponto de os Partidos delegarem neles competências para a gestão da “Res Municipalis”) teorizar sobre o futuro de Bragança. Mas em vão. Não descortinei qualquer proposta que ultrapassasse a gestão corrente. Fiquei sem saber se a ideia que têm da governação é a da “navegação à vista” ou se, ao jeito de D. Duarte, guardam para ulterior momento a sua “Lei Mental”. Gostava, no entanto, de ter ouvido propostas novas e gostava ainda mais de ouvir a sua discussão. Mas nem o facto de terem à disposição um fórum privilegiado os motivou a apresentarem o caderno de encargos de uma eventual futura governação. Não havendo respostas ficam, pois, as perguntas, ciente, no entanto, que no decorrer da campanha eleitoral algumas serão respondidas.
- Que diriam os candidatos à hipótese de exploração arqueológica das galerias que minam a zona da Cidadela? Se calhar temos uma galinha dos ovos de ouro turística e não sabemos. (Só saberemos se ela puser.)
- Que diriam os candidatos à criação de um parque de estacionamento para camiões TIR com todos os apoios logísticos à camionagem? Captava-se a mais-valia de ter a camionagem à porta que doutra forma só se vê passar. Era a criação de uma Bragança B com toda a visibilidade que isso dava a Bragança. Além disso livrávamo-nos dos camiões que agora vemos estacionados pela cidade. E temos mais que uma hipótese de localização, coisa que Mirandela, Vila Real ou Zamora não têm.
- “Envidarei todos os esforços para transformar os claustros da Sé na sala de visitas de Bragança”. Supondo que esta declaração era proferida por um dos candidatos como seria a reação dos restantes?
- O negócio da castanha vale aprox. 64 milhões de Euros. Vemo-la ir levando com ela a mais-valia da transformação. (Podemos queixar-nos de ficar tudo no litoral quando aquilo que podia ficar cá para lá o mandamos?). Seria descabido que a Câmara liderasse um processo de congregação de todos os que têm a sua actividade ligada à castanha no sentido de ser feita cá a sua transformação? Aos candidatos, que comentário isto lhes mereceria?
- A Adega Cooperativa é obsoleta, já pertence à arqueologia industrial e é hoje um empecilho urbanístico. É, no entanto, um activo importante com toda aquela área de construção. Mas a única forma de a remover dali passa pela Câmara que, com o seu capital de confiança, poderá conseguir a anuência dos sócios. Resumindo: seria o dois em um. Em troca de uma área degradada uma urbanização moderna e em troca de uma adega desactivada uma adega moderna, na zona industrial, capaz de reactivar o sector vinícola. Que diriam a isto os candidatos?
- A Cooperativa da batata de semente tem há muitos anos os seus armazéns desactivados. O seu logradouro é, em termos Pantagruélicos, o lombelo das áreas urbanizáveis. Também aqui, como no caso da Adega Cooperativa, só a Câmara conseguirá a sua deslocalização para terrenos baratos. Os activos financeiros remanescentes (que deveriam ser consideráveis) deveriam ser aplicados no fomento da cultura da batata de semente que eu, francamente, acho um crime Bragança não fazer. Temos know-how, temos terrenos e temos mercado. Repare-se: no distrito, os terrenos com essa aptidão agrícola, que por questões fito-sanitárias têm que ser de cotas altas, só se encontram em Montesinho, em Nogueira e na Coroa; o mercado salda-se por 120 toneladas só em Bragança, que é o que compramos aos Holandeses. Imagine-se o Distrito! (Não podemos estar sempre à espera do subsidio.)
Não sei qual é a opinião dos candidatos mas gostava que isto sensibilizasse o candidato ganhador.
- Será que o Santuário da N. Srª da Serra só pode ser santuário permanente por dez dias? Não poderá ser alargado esse período? Não poderá ser o ano inteiro?
Qual seria a resposta dos candidatos?
- Não é a Câmara novata em matéria de turbinagem para produção de energia elétrica. Tem os empreendimentos do Alto Sabor e a mini-hídrica de Gimonde. Não poderia então ser o pivot de parcerias com privados, Juntas de Freguesia ou Comissões fabriqueiras no sentido de transformar os moinhos em produtores de energia eléctrica? Que apreciação fariam disto os Candidatos?
Não são as obras pagas a pronto aquelas que mais entusiasmam. Essas, qualquer novo-rico faz. Bonitas são aquelas pagas em prestações de solidariedade, de cumplicidade como se todos nelas estivéssemos envolvidos.
--E m Bragança há muito por fazer e não são sempre as obras megalómanas e/ou iluministas que trazem com elas mais bem-estar, postos de trabalho ou mais retorno. A título de exemplo, se me permitem a imodéstia, falarei de um projeto que candidatei ao “Orçamento Participativo”. Tratava-se de um campo de golf a instalar no lameiro do Albergue e na Quinta da Trajinha. Essas duas propriedades agrícolas estão praticamente desactivadas. Como são do Estado seria fácil à Câmara conseguir um protoloco de utilização. Além disso a manutenção seria de baixo custo pois só a zona do “green” é que seria regada. Seria uma obra barata, passou na malha do “Orçamento Participativo”, que traria alguma dignidade a uma entrada de Bragança e permitiria aos Bragançanos jogarem o golf possível.
Não é brandindo Rankings, que colocam Bragança nos Tops em várias apreciações, que convencemos alguém ou nos tiram as dúvidas. Que maravilha de Cidade é esta que não consegue atrair ninguém e nem os seus consegue segurar?

Caramba!

Depois de ter passado mais de um mês sobre o desastre de Pedrógão fomos ver o que de substantivo foi feito para que calamidades deste calibre não tornem a acontecer. E o que vimos é pouco menos que deprimente. Assim:
o jornalismo, no seu jeito vampiresco de só estar confortável se houver “sangue”, pergunta insistentemente se “não rolam cabeças”, se a culpa vai morrer solteira, se não se extraem responsabilidades políticas, de quem é a culpa do SIRESP funcionar mal, etc;
por outro lado a oposição inventa suicídios e faz ultimatos com base numa contabilidade macabra que francamente não deu para entender.
É demasiado despudorado envolver vidas humanas numa análise fria dos números. Mas serem 64 ou 65 o número das vítimas de Pedrógão parecia ser, para a oposição, o único tema político, possivelmente esperançada em que o renascer das cinzas talvez não fosse um exclusivo da Fénix. (Não fora a parte trágica deste episódio anedótico e poderíamos colocá-lo ao lado daquele discurso de Américo Thomas onde dizia “... as barragens que sendo 13 passaram a ser 12 e por isso peço desculpa de ter pedido desculpa ao Eng. Machado Vaz...”);
mesmo o Governo que apesar de ter legislado sobre matérias interessantes, naquilo que chamou de Reforma Florestal, fê-lo de forma inócua e não tendo por preocupação principal o incêndio. Parece que se orientou por Lampedusa e optou por “mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma”. Isto porque o Cadastro, uma das peças da Reforma Florestal, sendo instrumento imprescindível num Estado moderno e que anda para ser feito já não sei há quanto tempo, não tem, no entanto, muito a ver com incêndios. As matas ardem com cadastro ou sem ele. Também a legislação para a redução da área de eucalipto foi feita para calar incautos. Porque o eucalipto não é pinheiro. O pinhal depois do corte ou se torna a plantar ou o pinhal desaparece. O eucalipto tem regeneração vegetativa, isto é, depois do corte crescem novas árvores a partir das raízes como o castanheiro ou o carvalho. Quer isto dizer que a área de eucalipto é sempre a mesma a não ser que arranquem as raízes. E quem o faz?
Resumindo: depois do incêndio cada um derivou para a sua “sardinha” sem a mínima preocupação com as consequências ou com a reincidência. E a Mata? A resposta vem-nos numa deixa dum filme de António Pedro Vasconcelos que trata matéria similar: “a mata que se foda”. Também a mim me apetece vociferar o titulo do artigo mas na sua versão mais hard.
Pelo que vemos o incêndio foi o pretexto, o expediente tactico de que se socorreram uns para acusar, outros para reivindicar, outros para legislar, outros para protagonizar, etc. E dou por mim a pensar que se calhar o incêndio faz falta. Uma espécie de abono de família de alguns sectores sócio-profissionais e de singulares ávidos de notoriedade. Por estas razões, aliadas a uma mata que se põe a jeito, tenho por adquirido que o incêndio faz parte do nosso quotidiano. Temos, pois, que saber viver com ele. E isso pressupõe criar mecanismos de controlo de forma a que só arda aquilo que deixarmos arder. São esses mecanismos que urge criar. Sem eles só nos resta rezar.

Foi em Pedrógão. Grande de morrer.

O  fogo é um fenómeno tão natural nos países mediterrâneos que algumas espécies, na sua evolução ao longo dos tempos, criaram mecanismos de defesa para fazer face a essa ocorrência cíclica. É o caso do sobreiro que apresenta uma casca com protecção térmica, a cortiça. E a maior mancha do mundo de sobreiro é em Portugal.

Portugal é, manifestamente, um país de incêndios. Temos de saber lidar com eles minimizando-lhes as consequências. Não podemos, de forma alguma, é deixar que um fenómeno natural passe a ter estatuto de catástrofe nacional. O que se passou em Pedrógão foi mau demais.

Muito se tem escrito sobre incêndios nestes últimos dias. Desde a forma de os evitar até à maneira de os não deixar propagar, passando pelas espécies florestais, pelo ordenamento, pelos aceiros, pelas cargas térmicas, pelos meios de combate, etc deixam o tema verdadeiramente escalpelizado. Mas, salvo algumas excepções, não me parecem artigos intelectualmente honestos. Quase todos fazem um tratamento do tema de forma interesseira, puxando a “brasa à sardinha”, egocentrista quando não corporativa. E a Floresta que se lixe.

Por exemplo: – os ecologistas e Sousa Tavares aproveitaram a oportunidade para diabolizar o eucalipto. Que tem uma elevada carga térmica, que seca os aquíferos subterrâneos, que as grandes manchas diminuem a biodiversidade são algumas das acusações. Como é que nunca se lembraram que as manchas de pinheiro eram desfavoráveis à biodiversidade é que não se entende, assim como não se entende o pouco incómodo que as cargas térmicas do pinheiro ou até dos matos autóctones lhes provocam. Quanto aos aquíferos gostava de saber se alguma vez foram monitorizados para conhecer o grau de quebra do aquífero por efeito do plantio de eucalipto. E há mais de 40 anos que falam disto!

Jerónimo de Sousa achou que a desmatação seria a panaceia para este mal e que além disso criava emprego. Fica-lhe bem esta tentativa de criação de postos de trabalho, mas as imagens “pedagógicas” que as televisões nos deram mostram que a desmatação não resolve nada em termos de controlo do incêndio. Vimos as línguas de fogo saltar de copa em copa fazendo ignições a dezenas de metros sem precisar da contribuição do mato rasteiro. Além disso a desmatação tornaria a mata um negócio ruinoso pois as receitas da mata não chegariam para pagar a desmatação.

Jaime Marta Soares, o eterno bombeiro, aponta como solução para o flagelo, o reforço de meios humanos e materiais, que é o mesmo que dizer reforço de verbas. Fica mal vindo de quem vem. Todos estamos fartos de ver incêndios em matas de países ricos onde os meios clássicos de combate (haverá outros?) não surtem qualquer efeito. Talvez que o exemplo mais emblemático disso sejam os incêndios em Beverly Hills, na Califórnia Americana, onde todos os anos as mansões multimilionárias ardem tão bem como os palheiros de Pedrógão perante a impotência dos diversos corpos de bombeiros. E não é por falta de meios sejam eles materiais ou humanos. O que se percebe é que o ataque não passa por aí.

Torres Pereira, homem ligado à autarquia de Sousel e à caça, aponta o acto venatório como um precioso ajudante no combate aos incêndios. Diz até:” por mais bombeiros que combatam esporadicamente os incêndios, eles nunca substituirão as pessoas que mantêm com a floresta e com a natureza uma relação próxima e permanente e, no caso das pessoas que caçam, baseada no respeito cúmplice e num legitimo interesse reciproco”.

Pois bem enganado andava eu. Ou não é verdade que os caçadores ao verem os seus congéneres das Associativas caçar dentro e fora das Associativas enquanto eles só podiam caçar fora delas, isso lhes causava tensões, crispações, invejas, cujo desabafo esteve muitas vezes numa caixa de fósforos? E quantas vezes, caçadores confrontados com um silvedo inexpugnável, onde o cão não entra e o coelho não sai, não fizeram da caixa de fósforos o furão da circunstância?

Outros que já não sei precisar entendem que sem o cadastro do território não é possível ter bons resultados no combate aos incêndios.

Outros ainda acusam a floresta de criar o seu próprio problema. Assim: a floresta cria a desertificação e esta por sua vez traz a falta de limpeza, de vigilância, de controlo. Parece-me que a desertificação não terá muito a ver com a floresta pois Bragança não precisou dela para se desertificar.

Passos Coelho, Marques Mendes e outros usam os incêndios como arma de arremesso político contra os seus adversários. Marques Mendes fez, até, um paradoxo irresistível. Diz não querer uma caça às bruxas mas não entende como não há demissões. (mais explicito não podia ser). Passos Coelho advertiu para não se usar a catástrofe de Pedrógão de forma “politiqueira” e de repente surge com uns suicídios na manga. Nunca se tinha visto e nem é bom lembrar. Estava na altura muito bem assessorado pela Dr.ª Teresa Morais fazendo lembrar a dupla Donald Trump e Kellyane Conway quando esta, apanhada em vergonhosa mentira, reagiu dizendo que não era mentira mas sim “factos alternativos”.

Os autarcas questionam agora a distribuição das verbas destinadas a ressarcir as vítimas do incêndio. E perante isto tudo pergunta-se: onde fica a mata? Por este andar Pedrógão é em qualquer sítio. E isso não pode voltar a acontecer.

A fileira florestal portuguesa oferece muito posto de trabalho e muitos milhares de milhões de euros. Talvez não seja a floresta ideal mas agora é imperioso defendê-la. (não me digam que a alternativa ao pinheiro e ao eucalipto é a carvalheira da Serra de Nogueira que há 60 anos só lhe vejo dar “bulharacos”).

Ora o fogo na mata com vento favorável é praticamente inatacável e arde enquanto ele quer. Por outro lado a limpeza da mata tem custos incomportáveis além de não garantir imunidade ao fogo. Assim, penso que uma forma de minimizar as consequências do incêndio será compartimentá-lo. Áreas de mata separadas umas das outras por aceiros de dimensão estudada, bordejadas por barreiras de árvores de folha caduca e estas num chão limpo de matos rasteiros. Assim se dificultaria a propagação quer pelas copas quer pelo chão. As árvores verdes não ardem bem e um chão limpo arde com pouca carga térmica. Criava-se assim uma faixa onde o fogo esmoreceria e se tornaria combatível. O que importa é conseguir estancá-lo dentro dos limites pré-estabelecidos. E na zona de mata, todas as estradas com alguma importância rodoviária teriam o tratamento de aceiros. Ladeadas por uma banda desmatada e as primeiras árvores a ver-se seriam obrigatoriamente de folha caduca de forma a nunca por em risco o trânsito e tornar quase impossível a passagem do fogo para o outro lado da estrada. (Hoje quaisquer dois garotos do DAESH com uma caixa de fósforos podem imobilizar o país por bloqueamento da A1). Apostar forte na detecção precoce do incêndio na perspectiva de o atacar em tempo útil. Depois é aplicar a técnica australiana. Deixá-lo arder.

Em relação aos perímetros urbanos fomos mais relapsos do que é admissível. Que é que aprendemos com o incêndio do Funchal? Nada. E parecia relativamente simples retirar a mata de dentro dos povoados, fazer a desmatação de todos os incultos dentro do perímetro urbano e se necessário colocar um sistema de rega periférico. Que não seja ainda tarde.

 

P.S. O incendio de Pedrógão teve dois epifenómenos que me deixaram perplexo.

O 1.º foi ver Judite de Sousa ao lado de um cadáver queimado como se de um troféu de caça se tratasse. E para ela foi. Custa a entender mas eu nego-me a perceber.

O 2.º foi ver o Chefe dos Bombeiros Marta Soares questionar a tese avançada pela Policia Judiciária de que o incêndio teria tido origem num raio. É evidente que a Judiciária avançou com essa explicação com o objetivo de aliviar a tensão, de esvaziar sentimentos de vingança, não porque acreditasse nela. Tanto morto junto cria um estado de crispação tal que uma palavra mal medida pode levar a um linchamento sumário. Foi isso que a Judiciária quis e conseguiu. Sem prejuízo da investigação. Marta Soares ao dizer que havia ali mão assassina, que pretendeu? Acirrar os ânimos?