Manuel Vaz Pires

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Chega a ser preocupante

Sei que não é curial extrair conclusões, tirar ensinamentos de qualquer evento catastrófico quando ele ainda se encontra em desenvolvimento. Eu sei que é imprudente pois em qualquer altura se pode dar um “volte face” e o que hoje parecia certo pode amanhã estar perfeitamente errado. Estou a referir-me, como é óbvio, à pandemia do Covid-19 cujo desfecho não se adivinha para breve. No entanto, do rasto de destruição que ele provocou no nosso País e noutros da Europa podemos exibir alguns dados estatísticos bastante relevantes. Relembremos que no início de 2021 a Europa foi assolada por uma nova vaga. Portugal foi particularmente fustigado a ponto de termos tido mais de 16 mil casos num só dia, numa semana em que a média diária foi de 12.891. Foi um período particularmente mau e se estes números absolutos, ditos assim à bruta, não dão a noção exata da realidade, já comparados com os de outros países permitem-nos fazer uma ideia de quão grave foi a circunstância. Assim, analisando a pior semana de alguns países europeus e fazendo a relação de novos infetados por milhão de habitantes, vemos que a Alemanha na sua pior semana, teve uma média diária de 312 novos infetados por milhão de habitantes; a Itália 583; os Países Baixos 683; a Espanha 818; a Áustria 853; a França 907; a Suíça 964; o Reino Unido 989; Portugal 1.289; a Bélgica 1.478. Só, de facto, a Bélgica é que foi mais massacrada que nós. Já no que diz respeito ao número de mortes por Covid-19, verificadas até então e relacionadas a 1000 habitantes vemos que os Países Baixos verificaram até agora 1,1 mortos por 1000 habitantes; a Alemanha 1,275; a Suíça 1,29; a Áustria 1.4; Portugal 1,8; a Espanha 2; a França 2; a Itália 2,23;a Bélgica 2,3 e por último o Reino Unido registou 2,4 mortos por mil habitantes. Verificamos aqui que os países com menos taxa de mortalidade foram aqueles que menos pressão sofreram dos novos infetados. Excepção feita à Suíça que sendo das mais fustigadas pelo aparecimento de novos casos (964) apresenta uma taxa de mortalidade bastante baixa (1,29). Portugal, que sofreu uma pressão tremenda de novos infetados (só ultrapassado pela Bélgica) teve, no entanto, uma taxa de mortalidade (1,8/1000) que apenas é melhorada pelos campeões do Norte (Países Baixos, Alemanha, Suíça e Áustria). Se por outro lado fizermos o rácio das mortes por número de infetados temos que os Países Baixos registaram 7.3 mortos por 1000 infetados, a Áustria 10.6, a Suíça 10.7, o Reino Unido 14.5, Portugal 15.5, a França 15.6, a Bélgica 15.8, a Alemanha 17, a Espanha 17.6 e a Itália 26.8. Face à pressão dos novos casos, todos os países tiveram dificuldades em tratar os seus pacientes. As imagens da televisão eram aterradoras com doentes em macas porque já não havia camas, doentes que não eram socorridos por não haver ambulâncias. Faltava tudo, médicos, enfermeiros, ventiladores, bombeiros, macas, foi de facto um pandemónio. Mas quem estava preparado para uma pandemia?! Ninguém! e ainda hoje não está. E neste estado caótico houve países que se declararam impotentes e “exportaram” os seus doentes para outros países. Passo a transcrever subtítulos do título maior - “solidariedade Europeia no tratamento de doentes”:

• “7 doentes Franceses de Mulhouse, França, foram transportados por via aérea em 25 de março e estão a ser tratados no Luxemburgo”;

• “11 doentes provenientes de Itália e 3 Franceses foram tratados na Áustria”;

• “46 pacientes dos Países Baixos foram transferidos para a Alemanha”;

• “para a Itália 85 leitos de terapia intensiva foram reservados em 10 Estados Federais Alemães”;

• “130 doentes Franceses foram transferidos para a Alemanha”;

• “para a França 98 leitos de terapia intensiva foram reservados em 10 Estados Federais”;

• “23 pacientes da província de Liege, Bélgica, foram transferidos para a Alemanha”;

• “cidades e estados de toda a Alemanha trataram doentes graves de Itália, França, Países Baixos, Bélgica e República Checa”;

• “Luxembourg Air Rescue repatriou mais 6 doentes provenientes do Grand-Est, França, e que foram tratados no Grão-Ducado”.

Estas manchetes revelam bem as dificuldades que alguns Países experimentaram na prestação de cuidados de saúde aos seus pacientes. Pois bem, depois de toda esta exposição fica uma pergunta: como é que Portugal, país periférico, com fracos recursos e depois de tão fustigado pela pandemia, com dificuldades de vária ordem, com constrangimentos diversos, com situações mais que aflitivas, mas mesmo assim conseguiu tratar todos os seus pacientes em território nacional e com taxas de sucesso que deixa para trás muitos países que são autênticos faróis civilizacionais? Acho que a resposta está nos grupos de profissionais de saúde, abnegados, com espírito de sacrifício, com sentido de serviço público, coordenados e orientados por chefias profissionais mais a logística possível. Isto é o nosso Serviço Nacional de Saúde que, com todas as suas falhas e limitações, não nos deixou envergonhados nesta prestação de cotejo mundial. Nesta guerra contra a pandemia, que nos convoca a todos a envidar esforços contra o inimigo comum, há quem não se sinta bem deste lado da barricada. Vou citar três personalidades: um médico que é deputado, o Bastonário da Ordem dos Médicos e a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros. O primeiro quando chamado a pronunciar-se como médico respondia sempre como deputado. Uma vez até inventou um hospital repleto de mortos. Entende-se, mas fica-lhe mal. Quanto aos dois Bastonários sempre que se pronunciaram sobre medidas tomadas pelo Governo, pela Ministra ou pela Direção Geral de Saúde disseram sempre, mas sempre, mal de todas elas. Fossem essas medidas sugestões do Infarmed, fossem recomendações da Organização Mundial de Saúde, fossem medidas já em vigor num conjunto grande de Países, fossem orientações da Agência Europeia do Medicamento, estava sempre tudo mal e dito de forma desdenhosa, escarninha, com uma vontade indisfarçada de que tudo corresse mal. Nunca se ouviu uma palavra de ânimo aos seus profissionais, de conforto aos pacientes ou de serenidade aos ansiosos. Mesmo agora em relação à vacinação dos menores de 11 anos o Bastonário da Ordem dos Médicos disse ter muitas reservas. A Sr.ª Enfermeira, do alto da sua cátedra de Pediatria, de Imunologia, de Virologia, de Infecciologia e possivelmente outras, disse “não concordo”. Ninguém esperava outra coisa. Outra situação que me causa perplexidade é esta súbita debandada das chefias clínicas alegando falta de condições de trabalho, rejeição às horas extraordinárias e falta de pessoal médico. É verdade que o facto de mais de um milhão de Portugueses não terem médico de família aliado ao facto de sucessivos concursos públicos ficarem desertos, sobretudo quando é para colocação de médicos no interior, dão-nos a ideia de carência de médicos. Mas o Sr. Bastonário diz que não. E secundado por todos os Diretores das Faculdades de Medicina que abdicaram das 100 vagas a mais que o Ministro Heitor lhes oferecia. Foi um “tiro no pé” pois o Ministro Heitor deu-as à Universidade Católica para abrir a sua Faculdade de Medicina. Mas dando de barato que as reivindicações das chefias clínicas são justas, não deixa de ser paradoxal que, agora que a pandemia atravessa uma fase de remanso, se reivindiquem condições de trabalho quando ainda há poucos meses elas eram perfeitamente caóticas. Todos queremos melhores condições de trabalho, mas, numa fase em que tudo ficou virado do avesso e em plena pandemia, será que é a altura boa de se fazer uma restruturação serena? Ou será que a ameaça de uma nova vaga pandémica, que torna todos ansiosos e dependentes dos médicos, aliada à proximidade eleitoral, em que o Governo quer tudo menos uma guerra com os médicos, fazem um caldo de cultura óptimo para qualquer reivindicação? Sob o ponto de vista sindical a postura da Ordem é irrepreensível, já sob o ponto de vista da ética e da deontologia tenho todas as reservas. Além de ser preocupante.

Cabul

Cabul é a cidade capital do Afeganistão. O Afeganistão foi invadido militarmente pelos Estados Unidos da América em 2001 numa acção punitiva que teve por justificação a não extradição de Osama bin Laden, responsável moral pela destruição das torres gémeas em Nova Iorque. Essa invasão passou a ocupação que durou até hoje. 20 anos! Agora, Joe Biden, o novo Presidente Americano, achou que a ocupação estava a custar demasiado ao País, tanto em vidas como em numerário e decidiu-se pela retirada das tropas do Afeganistão. Mal isso se soube, os Talibãs puseram-se em campo e começaram a ocupar território (em 10 dias tomaram 30 das 34 cidades do País) o que originou uma ofensiva por parte das forças governamentais no sentido de evitar essa ocupação. Que aconteceu então? As forças governamentais em vez de guerrearem os Talibãs passaram-se literalmente para o seu lado engrossando- -lhe as hostes. (Já não se via disto desde que Napoleão fugiu da prisão na ilha de Elba. Quando Luís XVIII soube da fuga, mandou o 5º Regimento capturá- -lo e remetê-lo à prisão. Quando estavam, então, em vias de se confrontarem, Napoleão fez um discurso tão convincente que o 5º Regimente se juntou a Napoleão que acabou por tomar, outra vez, o poder em França e fazer o Governo dos 100 dias.) (No 25 de Abril, Salgueiro Maia protagonizou um episódio com muitas semelhanças). Ora, enquanto os Talibãs tomavam conta do País, Cabul transformava-se num caos. Todos a querer fugir, uns com medo de represálias por colaboracionismo, outros com medo da guerra, outros pela insegurança daquele caos e as mulheres que não se sentem nada confortáveis com um governo Talibã. Foram arrepiantes as imagens que a televisão nos deu, com aquelas turbas agarradas à fuselagem dos aviões numa tentativa suicida de apanhar uma boleia. Cabul é uma lição … de escárnio. É-o porque é uma lição de matérias que teimamos em não aprender. E uma das lições é que as ocupações não duram eternamente. Mais dia menos dia o invasor tem de abandonar. Foi assim com Gengis Khan, com Alexandre, o Grande, com Napoleão, com os Otomanos, com Hitler e, já depois da 2ª Grande Guerra vimos o Vietnam, seguindo a estratégia delineada pelo General Giap, expulsar primeiro os Franceses e depois os Americanos. E mais recentemente, o Afeganistão expulsou do seu território primeiro a União Soviética e poucos anos depois os Estados Unidos. Algo há para que um país, ainda com tiques medievais, consiga humilhar e expulsar do seu território as duas maiores potências bélicas do planeta. Mas se olharmos para o nosso umbigo, a Península Ibérica, vemos que os primeiros a ocupar a Península, como extensão do seu império, foram o Cartagineses. Estes foram expulsos pelos Romanos quando Cipião derrotou Aníbal. Depois os Visigodos mandaram os Romanos para casa em consequência da “Queda do Império Romano”. A seguir vieram os Árabes que acabaram expulsos nos finais do sec. XV por Isabel, a Católica (nós, já desde Afonso III, meados do sec. XIII, que tínhamos o terreno limpo de Árabes). Resumindo: depois de todas estas alternâncias de poder, quem fiou por fim? NÓS! Os da casa. Foi sempre assim e sempre assim será. Outra lição a tirar é a que se prende com o anúncio da retirada. Ao anunciar a retirada, os militares deixam de ter qualquer justificação para serem beligerantes. Falta-lhe a razão moral de reserva que justificava, até aí, as acções bélicas. A partir daí os militares remetem-se a uma postura puramente reativa. Só entram em conflito se forem atacados porque ninguém tem autoridade para os mandar entrar em confrontos cuja motivação seria sempre coisas de deixar para trás. Sabendo isto, os opositores ganham força anímica e preponderância bélica. Sendo tudo isto um adquirido, onde é que Joe Biden falhou? Eu não sei onde falhou, mas sei que Joe Biden falhou rigorosamente onde falhou o Estado Português quando foi da descolonização. Tanto Joe Biden como o Estado Português tinham tropas de ocupação; o estado Português fez os acordos de Alvor, acordos de paz para a independência de Angola; os americanos fizeram os acordos de Doha, acordos de paz com os Talibãs; os dois tinham populações a defender; os dois mandaram retirar as tropas; um teve Cabul o outro teve Luanda. A descolonização Portuguesa foi um desastre. Aquela fuga em debandada, sem tempo nem condições, fez dos retornados duplamente vítimas do processo. E a chegada ao continente, sem teres nem haveres e perfeitamente traumatizados pela situação compôs uma circunstância de um dramatismo que não tinha precedentes em Portugal. De tudo isto fica uma pergunta: que é que se podia ter feito ou evitado de forma a eximirmo-nos dessa tragédia? Não sei, mas Joe Biden com todos os “think-tank” a debitarem conclusões mais os séquitos de assessores a produzirem conselhos, também não soube. Se calhar tem razão o provérbio: “quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita”.

O Príncipe Perfeito

Os Reis Portugueses têm todos um cognome. Acho que é assim, ou era, em todos os Países com Realeza. Cognome é a palavra síntese que caracteriza o homem ou a sua obra. Curioso não acontecer aos Presidentes das Repúblicas este escrutínio que desemboca num epíteto. Esse epíteto, esse cognome é muitas vezes revelador da estaleca de estadista que esse Rei revelou. Ter de cognome “o gordo” ou “o formoso” como aconteceu a D. Afonso II e a D. Fernando respectivamente quer dizer que como Reis não fizeram nadinha pois o que sobrou dos seus mandatos foi o seu aspeto físico, só. Não sei quem fez este baptismo, se foi o povo, os cronistas ou se foi posteriormente um painel de historiadores. De qualquer forma sei que não foi o povo que baptizou D. Sancho II de Capeto. A um Rei que deixa fugir a mulher para os braços de Portocarreiro, um nobre de Ourém, e que deixa fugir o trono para as mãos do irmão, D. Afonso III, o povo encontraria um epíteto algo menos lisonjeiro que Capeto. O mesmo com D. Afonso VI a quem chamaram “o vitorioso”. D. Afonso VI deixou que o irmão D. Pedro II lhe roubasse a mulher, D.ª Francisca de Saboia, o trono e o metesse na cadeia. O homem a quem acontecem estes três revezes não é necessariamente um vitorioso. Em contrapartida a pessoa que inflige estes infortúnios não é de forma alguma um “Pacífico”, cognome de D. Pedro II. Também o cognome de D. Sebastião, “o desejado” me parece deslocado. Então um Rei que arrasta um País para uma guerra sem medir as consequências é desejado porquê? Para voltar a fazer o mesmo? Já o cognome de D. Diniz, “Lavrador” ou “Trovador”, não está à altura do visado. Chamar-lhe “Lavrador” parece querer dizer que é um iletrado, um boçal. “Trovador” sugere um homem boémio. Ora D. Diniz compôs “cantigas de amor”, “cantigas de amigo”, musicou algumas delas, foi o primeiro Rei a assinar o nome completo e criou a Universidade de Coimbra. Além disso mandou plantar o pinhal de Leiria, o que lhe valeu o epiteto de Lavrador, quando pelos vistos não eram árvores que ele queria, mas sim madeira para as naus. Viu mais longe. Fernando Pessoa chamou-lhe “plantador de naus a haver”. Assim estaria melhor. Por último, vejamos D. João II, o “Príncipe Perfeito”. Este Rei transformou Portugal num estado moderno (à época) centralizado e hierarquizado acabando com aquele conjunto de Ducados que era o Portugal de então. Nessa postura de senhor do Reino celebrou com os Reis Católicos um Tratado (de Tordesilhas) sem a interferência Papal, coisa inédita até então (como se sabe o Tratado de Tordesilhas dividia o Mundo desconhecido para Portugal e Espanha o que levou o Rei Francês Francisco I a perguntar “qual é a clausula do testamento de Adão que me proíbe de entrar nessa divisão?). Investiu na Ciência e no Conhecimento no sentido de descobrir o caminho marítimo para a Índia. Mandou Pêro da Covilhã por terra, Bartolomeu Dias por mar, apoiado por cartógrafos capitaneados por Zacut e tendo por explorador avançado o enigmático lobo do mar Duarte Pacheco Pereira (o Aquiles Lusitano de Camões) Portugal pedia meças ao Mundo em conhecimento marítimo. A ponto de, na negociação do Tratado de Tordesilhas, os Espanhóis ficarem surpreendidos com o à vontade com que dominávamos esses dossiers. Repare-se que os dois grandes feitos marítimos Espanhóis, as descobertas dos caminhos marítimos para a América e da volta ao Mundo feitas por Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães respetivamente, foram realizados por homens da escola Portuguesa (não há dúvida que quando Portugal investe em Ciência explodimos em excelências). D. João II pôs, de facto, Portugal no centro do Mundo a ponto de quando da sua morte, Isabel, a Católica, ter desabafado: “morreu o Homem”. Mas D. João II também tem outra face. Para deter o poder absoluto perseguiu, assassinou ou executou dezenas de pessoas e outras exilaram-se em Castela. Ao Duque de Bragança prendeu-o, julgou-o e degolou-o. Ao Duque de Viseu, seu cunhado, meteu-lhe uma faca nas costelas em plena praça pública. Ao Bispo de Évora prendeu-o e envenenou-o na prisão. Bom, foi um autêntico estado de terror. Então sabendo-se isto, continuamos a chamar “Príncipe Perfeito” a D. João II? SIM! A análise dos acontecimentos históricos não pode ser feita nem com lamechice, nem do ponto de vista do bom senso, nem à luz de princípios éticos, mas sim na verificação das alterações que esses acontecimentos provocaram no percurso histórico desse país. Por exemplo: D. Afonso VI perdeu a mulher e o Reino para o seu irmão, mas a História considera isso perfeitamente irrelevante. Por outro lado, releva o facto de nenhum outro Rei ter ganho tantas batalhas a Castela e isso sim foi importante para o País. Daí lhe chamar o “Vitorioso”; D. João II matou o cunhado, envenenou o bispo, mas o País não teve qualquer sobressalto. Estes acontecimentos não passam de estórias da História, de epifenómenos de um fenómeno maior. Já a História releva a forma Perfeita como conduziu o País até ao topo da notoriedade. Estamos a falar de D. João II, mas podíamos estar a falar de Otelo Saraiva de Carvalho. Pese embora àqueles que trazem a democracia atravessada nas goelas e que portanto o elegem como o inimigo público nº 1, a História não vai perder muito tempo com os mandatos de captura em branco, com as fanfarronices, com as putativas ligações às FP 25, mas vai registar o nome do homem que foi o rosto do 25 de Abril porque este acontecimento alterou por completo o pulsar do País.

Se eu fosse Presidente da Câmara (II)

Até aqui só falei de obras-emenda, isto é, obras a emendar outras obras onde se abusou do custo e se poupou demais em pensamento. Era evitável. Azeredo Perdigão dizia que “parecer que é de capelo que não de borla, de pouco servirá”. Falemos, então, de obras de iniciativa, que não compulsivas, a propor. A primeira nem obra é, nem custos tem e que me faz correr o risco de parecer obstinado pelo número de vezes que falo nela. É a exploração da caverna sita no subsolo do Castelo. Funcionários da Câmara com uma gambiarra eram o suficiente para ver (só) se na caverna há alguma coisa fora do comum. Em caso afirmativo o IPB teria todo o gosto e interesse em participar na exploração e aferir do valor histórico e/ou arqueológico dos achados. O mais normal é não haver nada, Bragança não costuma ser muito bafejada pela sorte, mas se houver pode ser o início de uma nova vertente turística. De qualquer forma eu gostava de ver o que Bragança tem por dentro. Criaria uma área de serviço numa das ligações de Bragança à auto estrada. Uma área de serviço com todos os requisitos que a logística rodoviária exige desde o Motel à restauração. (Repare-se que só Murça é que tem condições para fazer coisa parecida). Seria também o parque de estacionamento dos camiões que hoje se vêem espalhados pelas ruas da cidade e seria sobretudo um posto avançado na captação e recepção dos turistas que entram em Portugal. Seria uma montra e uma mostra do que Portugal e sobretudo Bragança podem oferecer. Ensaiaria a formação de um sindicato de municípios do nordeste para investir em força nas albufeiras do baixo Sabor. São mais de 100km de zona ribeirinha que tem todas os requisitos turísticos, desde o simples lazer, aos desportos aquáticos, à motonáutica de competição, à pesca, etc. Todos são interessados na captação de turistas além de ser um investimento, só por si, promissor como as praias do Azibo assim o atestam. Senhora da Serra. Custa- -me a crer que o fervor religioso e a pulsão turística em relação à Senhora da Serra só dure nove dias. Há que esticar essa novena por muitos mais dias, de preferências por todos. Criar um santuário permanente, já não digo todo o ano mas numa parte do ano relativamente grande. Para isso era preciso criar estruturas para albergar romeiros, turistas e afins e sobretudo criar condições para gerar uma espécie de ERASMOS religioso que penso seria muito bem aceite pelo mundo rural. Não sei se esta ideia cabe nos direitos canónicos, se a Diocese aprova, se a comissão fabriqueira gosta. Não, não sei. Mas ficaria a saber. Avaliaria da aplicabilidade em Bragança da iniciativa de alguns autarcas Italianos conhecida por “casas por 1 euro”. As casas do município são vendidas por 1 euro a pessoas com menos de 40 anos com a condição de serem recuperadas para habitação num prazo máximo de 3 anos. Os novos proprietários têm de manter a propriedade no mínimo de 15 anos e têm de deixar uma caução de 5 mil euros para garantir o cumprimento do regulamento. É uma tentativa de recuperar o património dos centros históricos com a consequente ocupação humana. Tem sido um sucesso. Envidaria todos os esforços possíveis para extirpar os cinco “cancros” de que Bragança padece. Claro que para estes 5 problemas, a Câmara não tem mão para os resolver por si só. Mas tem magistratura de influência e um capital de negociação inestimável que a coloca, se houver vontade, no centro de qualquer solução. Aliás, tenho para mim, que para qualquer problema que surja no Município, o gestor desse gigantesco condomínio tem de ter uma palavra a dizer. Assim: 1- Adega Cooperativa. Está desativada já nem sei há quanto tempo. Está hoje rodeada de construção e o seu fim é naturalmente esse pelo que hoje é um estorvo. Mas não se pense que sou adepto do seu desaparecimento. Antes pelo contrário. E uma vez que a Adega tem capitais próprios, embora imobilizados, poderia reconvertê- -los numa outra Adega, moderna, na zona industrial ou numa aldeia, e em apoios à produção da vinha e do vinho. Hoje, com castas apropriadas, com novos processos de fabrico inclusivamente, como nas adegas da Vinha Mayor do Nabeiro, onde cada um faz vinho com a mistura de castas que entende. Deveria ser uma actividade engraçada. 2- O armazém da batata de semente. Tudo que se disse para a Adega tem aqui igual cabimento. O armazém pode ser colocado em qualquer sítio que ofereça as condições exigidas e que seja barato, podendo ser eventualmente numa aldeia, porque no lugar onde está já não tem as condições logísticas exigidas caso se retomasse a actividade. O espaço agora bloqueado e sem qualquer serventia além de inviabilizar o normal desenvolvimento da cidade deve ser o espaço mais apetecido e mais caro de Bragança. Com capitais próprios avultados, embora imobilizados, far-se-ia um novo armazém e o remanescente da venda dos terrenos seria aplicado no fomento da cultura da batata de semente, desde a doce à preta, pois a sua descontinuidade sempre me pareceu um “crime”. 3- A moagem da Avenida. Está desativada há já muito tempo. O seu destino será naturalmente a construção seja lá do que for. Claro que é de um particular com todos os direitos de propriedade. Mas a Câmara é confiável, pode fazer parcerias, até com o proprietário, pode comprar, pode negociar contrapartidas, em suma, tem mil e um requisitos negociais que, se quiser, pode tirar aquilo do impasse. 4- A moagem do Loreto. É um caso igual ao anterior só que esta ainda labora. Era preciso pensar primeiro na sua deslocalização. Nada que o poder negocial da Câmara não consiga. 5-O prédio conhecido por Torralta é um edifício datado, muito bem concebido e que deveria ser preservado e mais que isso, plenamente utilizado. Mas o que vemos é uma construção esquecida, abandonada e até vandalizada. Há que devolvê-la à sua antiga actividade ou pensar na sua reconversão que são coisas que a sociedade civil já mostrou que não sabe ou não quer fazer. Mas a Câmara não pode pactuar com este impasse indefinidamente. 5-a) Os silos. Este seria o 6º cancro mas como está em resolução não conta. A sua reconversão em Museu da Língua acho-a um erro que já expus neste jornal. As duas fiadas de 7 meias canas (aquilo que pretende vir a lembrar as lombadas de livros) que é o que fica depois de toda a demolição e que é a base do projeto, foi um espartilho à criação do projectista que deveria ter tido toda a liberdade de concepção de uma obra que se pretenderia icónica. Além disso, abdicar de uma estrutura onde se poderiam acondicionar 50 a 60 quartos de estudante, de que o município precisa como do pão para a boca, com custos bastante reduzidos não me pareceu boa opção. Não há cinema em Bragança já não sei há quanto tempo e não me parece que isso tenha incomodado minimamente os poderes municipais. O cinema deixou de dar dinheiro e os privados abandonaram a actividade. Mas cinema não é só uma actividade lúdica, de tempos livres mas antes um acto cultural. Ministrá-lo seria, pois, um serviço público. Bragança que tanto dinheiro gasta em Museus (quantos tem?) não é capaz de dispensar uns tostões na actividade cinéfila. Não que ache que os Museus não são peças de cultura mas são-no de uma cultura a jusante por outras palavras, não se pode ir a um museu como quem vai ver material exposto na feira da ladra, tem de se carregar um grau cultural que permita entender o material exposto. O cinema é uma ferramenta de aprendizagem para esse grau cultural. E se alguém disser que a cultura é cara respondo com os dizeres do cartaz da livraria Gwrizienn-“…experimentem a ignorância”. Comigo haveria cinema. De preferência com tertúlia. A forma como Bragança recebeu os estudantes do Politécnico não foi das melhores. Deixados entregues a eles mesmos é fácil formarem-se clãs, ghettos e outros microcosmos sociológicos. A prova de isso é o aparecimento de uma equipa de futebol “os Africanos”. Se se tivesse pensado a tempo na sua inserção na nossa sociedade podíamos ter hoje, talvez, uma “Académica”. Pode ser que ainda se vá a tempo. Há anos fiz uma proposta num orçamento participativo de um campo de golf no lameiro do Albergue e quinta da Trajinha. São duas áreas agrícolas, propriedade do Estado logo não deve ser difícil conseguir a concessão. Seria um campo pequeno e só seria regada a área do “green” Não seria um campo para torneios do Grand Slam mas faria uma entrada bonita em Bragança e seria uma vantagem comparativa. As atribuições formais do Presidente da Câmara são por demais conhecidas. Mas outras há que não estando vertidas no papel são para mim igualmente importantes. Tudo que são contrariedades, anseios, desconfortos dos munícipes, mesmo que a Câmara não tenha com isso relação direta, devem ser alvo da preocupação do Presidente. Posto isto, sabendo que a Câmara não tem diretamente a ver com o problema que se gerou nas Conservatórias, não posso deixar de criticar uma situação que talvez já nem se passe no Uganda. A Câmara tem de obviar esse problema pois é a última esperança dos munícipes.

Se eu fosse Presidente da Câmara (I)

Tenho para mim que não há ninguém no mundo que não tivesse sido, pelo menos uma vez, tocado pelo fascínio do poder. Quer seja o poder na sua concepção mais ancestral ou seja o poder como capacidade de construir algo, de implementar qualquer coisa quer seja o poder na sua concepção mais usual ou seja o poder como forma de impor ideias, procedimentos ou comportamentos. Este último impõe-se por via das razões económicas, políticas, sociais mas também se consegue pela sedução e pelo convencimento. Se dos primeiros é redundante dar exemplos já dos segundos basta lembrarmo-nos dos fundadores da nossa democracia, Álvaro Cunhal, Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral que, com o seu poder de sedução inebriaram claques, arrastaram multidões que depois, com as razões que cada razão conhece, se tornaram simpatizantes partidários, militantes ou simples politizados e assim se construiu o edifício político da nossa sociedade. É o “poder da palavra” de que fala Adriano Moreira tão enfaticamente. E não há dúvida que esta é uma forma de poder inegavelmente bonita. Mas não é de poderes mais ou menos abstratos que quero falar mas sim de poderes concretos, efetivos como o poder do patrão, do chefe, do diretor, do presidente e sobretudo do presidente da Câmara que é um poder suficientemente próximo para lhe sentimos os efeitos e ao mesmo tempo distante quanto baste para não se sentir a personalização desse poder. É este poder, misto de abstrato e de concreto, que faz com que praticamente todos, em sonhos, desejos ou simples exercício académico, nos questionássemos sobre a sua aplicação caso o detivéssemos. Já as razões de pretender esse poder são as mais díspares uns acham-se melhores que os que lá estão; outros pelo elevador social que a Câmara empresta; poucos acham que ser autarca é um dever cívico a que se sentem obrigados; outros ainda porque pensam ter o “Santo Grall” para o município; alguns porque pensam concretizar uma vingançazinha; ainda aqueles que querem fugir ao emprego que têm; também os há que pensam nos negócios que o estatuto pode facilitar; e outros há. Tenho, como todos os munícipes, uma ideia sobre o que faz falta, o que é supérfluo, o que é prioritário e o que não se deve fazer. Claro que esta opinião será diferente da do vizinho e haverá até tantas quantos os vizinhos mas isso, longe de ser mau, é óptimo. Sendo assim direi que se fosse cometido dos amplos e discricionários poderes de Presidente da Câmara investiria, até ao limite do razoável, na proteção e bem estar dos idosos, porque somos uma terra de velhos. Concomitantemente tudo faria no sentido da criação de mecanismos e ferramentas que promovessem a formação holística das crianças, porque somos uma terra de velhos (estes dois itens aqui enunciados de forma muito genérica, a sua concretização não cabe neste artigo, marcam a forma absolutamente prioritária que o autor lhes atribui). Falando agora de coisas mais prosaicas direi que promoveria uma guerra sem tréguas e sem quartel aos mecos e ao rachão. Mecos são aqueles pequenos postes colocados na beira dos passeios que não têm outra serventia senão amolgar as portas dos carros quando as abrimos inadvertidamente. Criam, além disso, constrangimentos ao trânsito quando, por exemplo, uma ambulância tem de recolher um acamado. Criam dificuldades de manobra aos carros dos bombeiros como foi patente no incendio da casa da Dr.ª Aurora (ninguém aprendeu nada com a Rua do Carmo). Fazem lembrar as baias usadas para fazer circular os animais num trajeto previamente definido. É, antes de tudo e além de tudo, um atestado de menoridade cívica a todos os cidadãos. Só de vê-los somos acometidos de um sentimento de rejeição, o mesmo que levou o poeta a dizer: ”…só sei que não vou por aí”. Já agora conto uma história para uma pergunta jocosa: Eça de Queiroz foi embaixador em Havana. Detestava a cidade pelas temperaturas, as humidades e talvez mais ainda por aquela forma de vestir “négligé” e pelo informalismo característico dos climas tropicais. Numa carta a um amigo dava-lhe conta do seu desconforto e descrevia Havana, entre outros mimos, como “…este charco de suor, este depósito de tabaco, este paliteiro de palmeiras…”. A pergunta é: que diria Eça de Queiroz de Bragança se visse este acervo de palitos? (sem contar com este reforço que acaba de chegar à rotunda Norte) Rachão. Pavimento feito com pedra irregular com o mesmo nome que foi colocado na zona do antigo mercado e que há quase 20 anos somos obrigados a assumir ou como forma de martírio ou como perversidade do projetista. O rachão é uma pedra sem forma definida com dimensões aprox 20 cm e cuja face que oferece ao pisoteio não é plana mas ligeiramente convexa, o que dá imenso jeito para torcer os pés e fazer adornar os carrinhos de bébé de forma agressiva. A Câmara, que fez passeios novos em S. Lourenço, onde não passa ninguém até porque não há, podia ter dado mais atenção à nossa “miglia d`oro”. Claro que a nossa milha de ouro só tem 50m mas mesmo assim merece mais que os tropeções com que a brindamos. (será que a intenção era por Bragança “on the rocks”?) Mas ali mesmo, na capital do rachão em Portugal, duas obras urgem: uma é um novo acesso ao parque de estacionamento para os carros que chegam à Praça da Sé vindos da parte oriental da cidade. Seria, naturalmente, feita pela viela do Novais. É uma obra que está na ordem do dia porque contribuiria para a redução das emissões de CO2, ainda por cima em Cidade, pois retiraria da circulação carros que vagueiam, poluindo, atrapalhando o trânsito e cujo único objetivo é entrar no parque de estacionamento que não encontram; outra é a requalificação daquele terreiro imenso, que era a praça do mercado, hoje sem qualquer serventia e onde aquele ressalto, lembrando uma gigantesca pedra tumular, parece querer dizer-aqui jaz o que outrora teve vida, cor e alegria. Talvez um concurso de ideias, pois a ideia em curso manifestamente não serve. Um aspeto que mereceria a minha atenção é a singularidade da orgânica do terminal rodoviário. Tirar o bilhete de um lado para ir embarcar longe dali muitas vezes com chuva e malas pesadas não tem absolutamente jeito nenhum. Além disso, com todo aquele espaço envolvente e não há onde por um carro!? Retirar, da utilização humana, espaços com elevado potencial de utilização para esse fim e entregá-los para a exuberância de mato atípico não parece curial em ambiente citadino. As consequências vêem-se quando da espera de passageiros: os carros todos amontoados na ponta dos terminais ou em alternativa a parasitar o parque do Lidl. O parque de campismo foi um erro. E por várias razões. Passo a historiar: quando eu era jovem, Bragança tinha dois sítios balneares. Um era o Rebôlo e o outro era a Elevatória. Para o Rebolo íamos a pé donde regressávamos com as cuecas molhadas que para secarem eram esticadas por dois paus colocados em cruz ou em alternativa colocadas na cabeça em jeito de barrete. Não havia calção de banho. A Elevatória era mais elitista porque era longe e tínhamos de arranjar boleia. Além disso era quase obrigatório o uso de calção, por pudor, pois havia gente mais velha. A presa do Rebolo foi derrubada, não sei porque motivos, e na Elevatória foi feito um parque de campismo. Resumindo: Bragança que já era pobre em matéria balnear, passou a zero. Salvam-se as piscinas. E em matéria de campismo pouco ganhou. A zona não tem requisitos mínimos para fazer um parque para passar férias. O rio não ajuda, é ir vê-lo agora às poças e cheio de mosquitos, as margens são muito estreitas e o resto é encosta. Acresce que a partir do desastre de Andorra é desaconselhado fazer campismo no leito de cheia. Não tendo equipamentos mínimos para passar férias o parque é frequentado por turistas de passagem, o que não deixa de ser um mercado interessante. Chegam, dormem e no dia seguinte demandam outras paragens. Mas para este turista, Bragança devia ter um parque em Bragança. Era uma maneira de lhe mostrar Bragança de o obrigar a “gastar” Bragança e de o tentar cativar de forma a prolongar a estadia. De qualquer forma a zona ribeirinha seria devolvida à fruição das gentes de Bragança que sempre passearam ali bem. (já noutros sítios ponho as minhas reticências. Tenho como verdade sociológica que ninguém passeia quando o “mandam passear”.) O campismo de uns não pode impedir um direito quase ancestral de outros. Além disso o que está feito é ilegal. Quanto ao Rebôlo diria que comigo a reconstrução seria uma certeza não só pelo custo ridículo que a obra implicaria mas sobretudo pela alegria que iria gerar em centenas de concidadãos. 

Para acabar de vez com o dinheiro do Fundo de Recuperação e Resiliência

Aqui há uns anos, ainda não havia o Euromilhões, um amigo meu comprava habitualmente um bilhete inteiro da lotaria do Natal. Num ano, no dia em que andava a roda, ao fazer o trajeto para Bragança, pôs-se a especular sobre como gastar o dinheiro caso lhe saísse a sorte grande. Depois confessou- -me: “Olha! Hoje, ao vir para Bragança, pus-me a pensar nas compras que faria se me saísse a taluda. E tu não queres saber que ao chegar cá já estava teso!” Não fui capaz de lhe perguntar pela lista das hipotéticas compras porque sabia de antemão que, além de coisas necessárias e de outras até imprescindíveis, estariam muitas absolutamente hilariantes.

Veio-me da memória esta lembrança, hoje muito em linha com as pretensões, as reivindicações ou as exigências que cada um faz no sentido de gastar o quinhão que lhe toca da chamada “bazuca”. E as propostas são muitas das vezes resultado de visões paroquiais, sem sentido das prioridades e alheias ao interesse nacional. Parecemos volvidos aos tempos do Maio de 68 em que os jovens anarquistas aconselhavam “Sêde realistas! Pedi o impossível”. A não ser assim como enquadrar a reivindicação de uma estrada de Macedo de Cavaleiros à Gudiña passando por Vinhais? E que é que iriam os de Macedo fazer à Gudiña? A Gudiña é uma aldeia! Dir-me-ão que a Gudiña representa a ligação à autoestrada das Rias Baixas. Mas a mobilidade das pessoas e mercadorias de Macedo e Vinhais não se processa no sentido de Vigo ou Benavente. Resumindo: esta petição só surge porque parece que sentimos que há dinheiro para tudo. Mas é esse mesmo espírito que preside à sugestão, como solução ferroviária para a nossa zona, da ligação de Bragança a Vila Franca das Naves na linha da Beira Alta (isto é que é um pensamento regionalista?!). Esta solução já tinha sido avançada, no final do sec XIX, pelo Eng. Militar João Crisóstomo quando ainda se pensava que Portugal era Lisboa e o resto paisagem. Também foi levantada essa hipótese para expedir o minério de Moncorvo para o Seixal. Ora, Bragança não é propriamente ferro para altos fornos e a ideia de João Crisóstomo foi prontamente abandonada pois não havia razão para privilegiar a ligação a Lisboa se Bragança tinha um intercambio cultural, social e mercantil muito mais forte com o Porto que com Lisboa. E assim permanece apesar do mundo ser mais global. O entusiasta da solução da ligação à Beira Alta, que começa por dizer ser incompreensível que Bragança e Vila Real sejam as duas únicas capitais de distrito sem serventia ferroviária, propõe uma solução que só contempla uma. (A solidariedade segue dentro de momentos). Aliás, sobre solidariedade e ferrovia queria fazer um parêntesis para dizer o seguinte: a construção da barragem do Tua provocou o encerramento definitivo da linha do Tua. Foi, então, criado um fundo de forma a criar contrapartidas no sentido de ressarcir, da perda de mobilidade, os concelhos lesados. Ora, os ditos concelhos são, segundo o entendimento de quem criou o fundo, Mirandela, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Murça e Alijó. Estes dois últimos, situados na margem direita do Rio Tua enquanto a linha está na margem esquerda, nunca tiveram nem estação nem apeadeiro na linha do Tua. Como dizer que perderam mobilidade. Mais. Mesmo Vila Flor e Carrazeda tinham só meia dúzia de apeadeiros, a maior parte distantes, até, das povoações a que davam serventia. Portanto a perda de mobilidade desses Concelhos foi reduzidíssima. Mas, mais que estes argumentos cheios de sofisma, o que incomoda sobremaneira é não haver, da parte desses cinco magníficos, uma palavra solidária para quem perdeu mais e há mais tempo, como Macedo e Bragança. E não se perdia nada que o Fundo além de incluir estes sete já nomeados lhes somasse mais dois, Vinhais e Vimioso, que nunca tiveram as benesses da ferrovia. Isto sim, seria solidariedade, seria fazer alguma coisa pela coesão territorial e não tratar os temas que são comuns a todos com o espirito mesquinho, na lógica do “xico esperto,” sempre privilegiando o desenrasca. E os outros? Os outros…paciência.

Mas não foi só nesta questão que se manifestou a falta de espírito solidário dos Municípios do Distrito. O facto de deixarem passar em claro a não inclusão da melhoria dos acessos a Vimioso é disso exemplo flagrante. Seria a correção de uma injustiça quase congénita e também a forma de acabar com a vergonha de parasitar a estrada espanhola. Não nos esqueçamos que as gentes de Miranda, que usariam a estrada de Vimioso para a deslocação a Bragança, preferem fazer a viagem por Espanha. Haverá alguma explicação razoável para entender que a melhor ligação entre duas cidades portuguesas seja uma estrada espanhola?)

Li, também, como boa aplicação do dinheiro da “basuca” o aumento do comprimento da pista do aeródromo, condição necessária para a elevação à categoria de aeródromo regional. Não estou de acordo porque me parece um despesismo gratuito, fruto duma visão paroquial do assunto. Repare-se no seguinte: se imaginarmos um polígono cujos vértices fossem Porto, Guarda, Salamanca, Valladolid e Leon veríamos Bragança mais ou menos no centro desse polígono. Bragança dista mais ou menos 200km dessas outras cidades. Assim a área de influência de Bragança é a área de um círculo com centro em Bragança e com raio de 100km. Atendendo a que as cidades maiores têm maior área de influência o que faria cair Vila Real na órbita do Porto e Zamora na de Valladolid que é que ficaria para Bragança? Sete mil e tal km2 de território perfeitamente desertificado. Onde está a gente? Onde está a mercadoria? Acresce ainda que o actual aeródromo permite a utilização a naves como aquela, que Bragança viu aterrar, da ligação aérea a França. Atendendo a que a ligação aérea a França, com uma nave de 50 lugares, fechou por falta de passageiros e que a vez que transportou mais foi no dia da inauguração e só vinha a meio, pergunto: De que aviões estamos à espera?

Não devemos ter medo de gastar dinheiro quando a coisa se justifica. Mas não é gastar dinheiro para criar “elefantes brancos”. E é o que acontece se a um investimento caríssimo somarmos uma manutenção deficitária. Ora a manutenção comboio de Bragança já era deficitária no tempo em que era monopolista (lembremo-nos que não havia camionagem a competir com os comboios. Se de Bragança se quisesse ir para Macedo, Mirandela, Porto etc tinha que se ir obrigatoriamente de comboio. Só depois do 25 de Abril é que passou a haver camionagem nesses trajetos). Resumindo: Bragança não tem de ter comboio. Tem de ter boa mobilidade. E tem. A autoestrada dá-lhe boa mobilidade. Se me disserem que viajar de autocarro não é igual a viajar de comboio, concordo. Então, como contrapartida de não termos comboio, exijamos autocarros com requisitos das carruagens do comboio.

Os dinheiros do Fundo de Recuperação e Resiliência têm por objetivo reparar os danos económico e sociais provocados pela pandemia e aproveitando este ensejo tornar os países mais ecológicos, mais digitais e mais resilientes. Ora, um dos fatores que aumenta substancialmente a resiliência é a melhoria dos serviços de saúde e dos apoios à 3ªidade, com a criação de lares e com fiscalização exigente dos já existentes. As condições dos idosos em alguns lares, que a pandemia veio a revelar, enchem-nos de vergonha. Também o caso do idoso com alta hospitalar a ocupar a cama do hospital por não ter quem o receba, dá que pensar. Aí não podemos ter medo de gastar o que for necessário. Isto é um imperativo de carater geral com que toda a gente concordará. Assim como também será um imperativo a electrificação de todas as linhas de caminho de ferro por compromisso que Portugal assumiu pela descarbonização. Mas não chega. Tem de criar plataformas logísticas de forma a retirar das estradas os camiões de longo curso que transportam materiais pesados. Isto é: definir zonas de influência que teriam um parque para depósito de materiais pesados como combustíveis, de ferro, de adubos, de cimento etc que chegariam ali em comboio elétrico obrigatoriamente. Isto são medidas de carater geral como será a digitalização, fator determinante no crescimento económico futuro. Mas neste contexto que poderá fazer Bragança, particularmente, que possa contribuir para o bom desempenho do Plano de Recuperação e Resiliência? Em que sector ou sectores Bragança deve apostar com mais assertividade? Acho que tudo aponta para o sector da agricultura e eventualmente o turismo a ela associado. Digo isto pela conjugação de vários fatores: 1º foi a agricultura o sector que melhor tem resistido às dificuldades criadas pela pandemia, não só em Bragança mas em Portugal ou no Mundo; 2º este indicador associado ao plano Porter (o plano Porter ou relatório Porter foi um estudo encomendado pelo Ministro Mira Amaral nos anos 90 e cuja conclusão foi mais ou menos “lapalissiana” isto é, que Portugal devia fazer o que sabe fazer, por outras palavras, Portugal devia apostar nos sectores tradicionais. 25 anos depois fez-se uma avaliação desse Plano e a conclusão é que os sectores que maior desenvolvimento e competitividade evidenciaram foram os do calçado, têxtil, vestuário, vinhos e mobiliário. Foram, de facto, os sectores tradicionais) que, se dirigido a Bragança, diria: façam agricultura. Mas Porter também fala num problema endémico em Portugal que é a falta de escala. E a agricultura em Bragança tem esse óbice bastante acentuado. Posto isto, concluo: Bragança tem de fazer, já, o cadastro digital das propriedades agrícolas (transformação digital); tem de transformar todos os baldios em parcelas com tamanho quanto baste para criar entusiasmo nos empresários agrícolas; tem de criar imperiosamente industria agroalimentar( o fantasma do Cachão persegue- -nos); tem de fomentar a criação de empresas de prestação de serviços agrícolas à semelhança das que já existem para a floresta; tem de cortar os matos e investir nas “pastagens semeadas biodiversas” que é sequestrador de carbono(aliás subsidiado por isso), fixador biológico do azoto e fonte de proteína que tanto peso tem nas importações. Além disso ajudaria a dar corpo à última utopia de Gonçalo Ribeiro Telles: “que Portugal fosse o grande jardim da Gulbenkian”.

P.S. Não resisto a uma provocação. Porque será, que estando nós geograficamente situados nas faldas de três serras, Montesinho, Nogueira e Coroa e sofrendo forte influência de uma quarta, a serra da Sanábria(2170m), que não temos um queijo? Será culpa das serras?

O Estado falhou!

Todos estamos ainda lembrados dos incêndios de junho de 2017 em Pedrógão. Também temos presente que nesse mesmo ano em 15 de Outubro, numa altura em que já ninguém contava com incêndios, a zona centro entrou em auto ignição. Num só dia atearam-se 500 incêndios. E num País que não costuma registar mortos vítimas de incêndio, só nessas duas datas registaram-se mais de 100. Foi uma verdadeira catástrofe. E tudo se conjugou para correr mal. Se por um lado os matos chegavam às portas das casas por outro o incêndio teve características tais que o investigador, encarregado de fazer o relatório sobre o acontecimento, disse não ser este incendio enquadrável pois a violência e a raridade são tais que não existe literatura cientifica que o tipifique. Além disso o gigantismo do fenómeno provocou erros e falhas em cadeia uma vez que ninguém tem preparação para acontecimentos não conhecidos. Não obstante o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa proclamou “urbi et orbi” “o Estado falhou.” Há pouco tempo um emigrante Ucraniano que pretendia trabalhar em Portugal viu a sua pretensão recusada pelos Serviços de Estrageiros e Fronteiras, vulgo SEF. Indignado, reagiu mal e em consequência foi brutalmente agredido pelos agentes do SEF. Morreu vítima das agressões. Marcelo Rebelo de Sousa repetiu “o Estado falhou”. Quando, a propósito do surto epidémico ocorrido em Odemira na comunidade imigrante, vieram a terreiro as condições infra-humanas em que vive essa mesma comunidade, fruto da negligência de uns e da ganância de outros. Marcelo sentenciou “o Estado falhou”. Na celebração da vitória do Sporting no campeonato onde foram infringidas várias regras de segurança sanitária, fruto da incorreção de uns e do excesso de confiança de outros, Marcelo exclamou “o Estado falhou”. Ouvir “o Estado falhou” vindo da 1ª figura do Estado faz parecer um acto de humildade, um acto de contrição, um “mea culpa”, a fazer lembrar o filósofo Karl Jaspers quando declarou indignado “a culpa do Nazismo é de todos nós”. (Jaspers, casado com uma judia e vítima do Nazismo, sentia culpa e remorso por ver, tarde demais, que as minorias activistas e organizadas conseguem manobrar as maiorias silenciosas.) Mas não. “o Estado Falhou” parecia a “trompeta Castelhana”, “ingente, fera, horrenda e tormentosa”. Era uma declaração de guerra. Acho bem que se faça guerra às falhas do Estado. Por isso não entendo bem que o nosso Presidente não tenha sido mais assertivo, mais acutilante e mais presente quando da morte dos dois instruendos dos Comandos vítimas duma exigência física que, além de manifestamente exagerada, teve tiques de sadismo. Nem ele nem a classe política em geral. Aquele coro de indignação que se ouviu pela morte do Ucraniano, que teve pedidos de demissão e que obrigou a uma restruturação dos serviços, não teve presença na morte dos dois militares. Será que aqui o Estado não falhou? Ninguém disse. É que as causas das mortes nos dois casos são rigorosamente as mesmas: um exercício de violência gratuita levada ao extremo que, aceito, não tivesse a morte por objectivo mas que a teve por consequência. Porque uma morte traz muitos aborrecimentos, como se verifica. Um pouco menos de violência e o Ucraniano estaria agora na Ucrania a lamber as feridas e o SEF registaria esse dia como de absoluta normalidade. Mas a banalização da violência em alguns sectores leva a um crescendo sem limite, inebriados que ficam do seu próprio sadismo. E se a causa das mortes foi a mesma nos dois casos, já não foi semelhante o tratamento posterior. Se não repare-se: os julgamentos estão agora no fim mas enquanto que o caso do Ucraniano esperou um ano, o dos militares esperou cinco; a indeminização atribuída à família do Ucraniano foi de setecentos e tal mil euros e foi decidida antes da sentença transitar em julgado mas as indeminizações às famílias dos militares esperam pela sentença e estariam a propor à volta de quatrocentos mil euros para os dois; além disso, e sem querer branquear qualquer comportamento violento, o Ucraniano rebelou-se contra as regras de um Estado soberano ao passo que os os rapazes só queriam ser militares do Exercito Português. Houve uma clara diferenciação nos procedimentos fruto do clamor das oposições e do mediatismo que lhe foi associado. É este mediatismo que marca a agenda das coisas, que lhes dá ou tira valor, que faz pressão num sentido ou noutro, que seduz figuras públicas, em suma, que distorce muitos procedimentos. É esta perversidade do mediatismo que me sugeriu uma pergunta para a qual não tenho resposta. Vejamos o seguinte raciocínio: estes dois casos de morte foram investigados, debaixo da alçada do Ministério Público, pela Polícia Judiciária no caso do Ucraniano e pela Polícia Judiciária Militar no caso dos militares. No caso da investigação feita pela PJM, a Procuradora Cândida Almeida teceu rasgados elogios ao Major Vasco Brazão que liderou a investigação. Mas quando aconteceu o roubo das armas em Tancos a Procuradora Geral da República, Marques Vidal, não aceitou que as investigações fossem feitas pela PJM, no que foi acompanhada por Marcelo Rebelo de Sousa. E a pergunta é: porque é que o Major Brazão serve para investigar um caso sensível com duas mortes e não serve para investigar um roubo de armas obsoletas que é um caso de pilha galinhas versus tropa fandanga? De um lado havia Ministros e outras figuras públicas do outro eram só dois rapazes. Eram só dois rapazes…

O que os números não dizem.

A última disputa para a Presidência da República foi uma sensaboria. Foi a crónica de uma eleição anunciada. Sem competidores à altura, não me refiro ao perfil dos candidatos mas à fragilidade dos seus apoios, fizeram de Marcelo Rebelo de Sousa, um candidato perfeitamente imbatível. Se da primeira vez tinha conseguido 52%, agora com o apoio dos mesmos Partidos mais o capital político adquirido ao longo do mandato, que me pareceu bastante conseguido, mais o apoio declarado do líder do maior partido fizeram com que a corrida eleitoral, para Marcelo, fosse um passeio matinal. Teve, de facto, muitos votos talvez demais. Que não lhe aconteça como aconteceu aquela revista cujo nome já me não recorda (“trampas del olvido” Mega F.) mas que era frequentemente lembrada por Sartre como o caso “mais paradoxal do capitalismo”. Faliu por excesso de tiragem. Passando em revista os candidatos direi que João Ferreira teve uma péssima prestação. Só conseguiu segurar os votos do anterior candidato comunista, um tal Edgar Silva, que parecia não ter, ainda, saído de Peniche. Marisa Matias não é eternamente jovem. A mesma cara de há cinco anos com o mesmo discurso também de há cinco anos fizeram um “dejá vu” que não impressionou favoravelmente os “bloquistas”. Devia ter seguido o conselho da sabedoria popular: “nunca se volta onde já se foi feliz”. “Tino de Rans” veio, mais uma vez fazer prova de vida. Terra a terra como sempre, o que o torna simpático, já tem, de onde em onde, assomos de elevação discursiva o que o coloca muitas vezes “entre o forno e o micro-ondas”. Teve votos de simpatia. Ana Gomes surpreendeu pela forma como se candidatou. Considerada “esquerdista” dentro do PS é, no entanto, Francisco Assis, um dos mais conservadores socialistas, que propôs e alavancou a sua candidatura. Assis que nada tem a ver nem com a forma nem com o conteúdo desta candidatura, usou-a como arma de arremesso contra Costa e Ana Gomes deixou-se instrumentalizar. Ficou-se pelos 12%. Se descontar os mais ou menos 4% que “roubou” a Marisa Matias ficam 8% que são votos socialistas contra Costa. Não sei se fez bem. Tiago Mayan foi o candidato apoiado pelo partido Liberal. Este partido, novo no panorama político do País parece estar a captar alguma adesão. Partido herdeiro político dos Fisiocratas de sec. XVIII que deixaram para a posteridade o jargão “laisser faire laisser passé, que le monde va de lui mème” cuja tradução para os tempos de hoje diz que o Estado não pode ter qualquer intervenção no mundo económico, porque “o mundo vai por si só”. Confiam na “mão invisível” que compõe o mundo que é o mesmo que dizer, hoje, que os mercados se auto regulam. Mas a crise do Lemon Brothers em 2008 veio provar que os mercados não se regulam por si mesmos. Por outro lado, a crise pandémica veio mostrar-nos um partido Liberal todo reivindicativo no sentido de exigir do Estado ajudas, moratórias, isenções, subsídios, enfim, a intervenção do Estado sob várias formas. Em que ficamos? O Estado intervem ou não? Ou só quando dá jeito. André Ventura foi candidato apoiado pelo Chega, partido novo que está a conseguir óptimos resultados. De André Ventura não sabia nada e a curiosidade levou-me a ver uma entrevista com Sousa Tavares e o debate com Marcelo Rebelo de Sousa. Sousa Tavares, entre o regozijo e a curiosidade, entrou a matar e questionou-o sobre as declarações em entrevista na qual anunciava o corte radical do número de funcionários públicos caso fosse eleito Presidente da República. Sousa Tavares perguntou, então, se o corte seria feito com base nos despedimentos. (claro que sim, mas em campanha eleitoral isso não se pode dizer) Ventura disse que não e que os supranumerários seriam alocados a outros serviços. Sousa Tavares desiludido retorquiu: assim ficam os mesmos! (note-se que neste tema da função pública Sousa Tavares e André Ventura não são muito diferentes.) No debate com Marcelo, Ventura apontando todos os males de Portugal ao sistema político questionava, até, porque tinha de ser assim, semi presidencialista. Marcelo, professoral e até porque é corresponsável pela Constituição, lá explicou que a experiência Portuguesa desaconselha o Parlamentarismo pelos péssimos resultados que experimentamos na 1ª República com o triste record de 45 governos em 16 anos; e que Presidencialismo, depois de 48 anos de ditadura, era sistema do qual ninguém queria ouvir falar. Bom, foram demasiadas gafes em tão pouco tempo. Há quem só fale bem quando está sozinho. André Ventura, sem ideologia definida, faz de temas fracturantes o expediente táctico para captação de simpatizantes. Diz-se contra o sistema duma forma tão abrangente que ainda ninguém percebeu bem o que quer dizer mas todos ficamos perplexos com a sua “performance” parlamentar ao votar, numa tarde, o mesmo diploma três vezes cada vez de sua forma: a favor, contra e abstenção. Além disso também não se percebe muito bem que esteja contra o sistema e abrace logo a primeira oportunidade de estar junto do poder como fez nos Açores. Se isto é estar contra o sistema…? É contra o aborto e a eutanásia invocando o argumento estafado da inviolabilidade da vida humana. Mas é a favor da pena de morte. É contra os imigrantes esquecendo-se que somos um país de emigrantes e esquecendo-se também que foi com a emigração que se fizeram países como a França e a Alemanha. É contra o Rendimento Social de Inserção. Sei que alguns destinatários deste rendimento se põem a jeito às críticas mas não é por aí que se pode derrotar todo um projeto social cheio de espírito solidário num contexto de dignidade humana. Mas não é com estes valores que quero convencer André Ventura. Para ele os argumentos têm de ser pragmáticos. Assim: partindo do princípio que hoje ninguém tem “estomago” para deixar morrer à fome um vizinho a parir daí tanto me dá que seja a Caritas a resolver o problema como a Cruz Vermelha ou a Isabel Jonet ou o Padre Miguel ou NÓS, individualmente, com os nossos cêntimos ao arrumador ou à pobre que pede à porta da Sé. Somos sempre nós porque quer a Caritas ou a Cruz Vermelha etc funcionam com donativos particulares (somos nós) mais dinheiro do Estado (somos nós). Somos sempre nós de forma individual ou institucional. Eu prefiro a forma institucional porque a esmola é sempre uma vergonha para os dois. É pela castração dos pedófilos o que não é inédito. Com efeito houve um Rei português, D.Pedro I (o justiceiro, vejam só) que protagonizou aquele romance com Inês de Castro e outro com Afonso Madeira. Mas Afonso Madeira tomou- -se de amores por uma Senhora casada e então “mais por ciúme que por justiça”, diz Fernão Lopes, o cronista,” D. Pedro mandou-lhe cortar aquele membro que os homens têm em maior apreço”. Foi talvez aqui que se inspirou André Ventura mas, francamente, esta história só tem 700 anos. Logo a matriz desse novíssimo Código Penal, que será porventura a sua Lei Mental, deve ser o Código de Hamurabi de 1750 AC no qual as penas eram proporcionais ao dano causado. Era o princípio de Talião que ficou conhecido sumariamente e para a posteridade por “olho por olho, dente por dente”. No caso em apreço dir-se-ía… não digo. Esta fúria justicialista, que tomou conta de André Ventura, não contempla as mulheres violadas nem me parece que alguma vez esse tema lhe mereça atenção. Vou contar uma história que ilustra esta minha convicção. É assim: em 7/7/2016 nas festas de S. Fermin em Pamplona, cinco indivíduos espanhois de um grupo conhecido por “La Manada” violaram repetidamente uma jovem de 18 anos. Orgulhosos com o feito filmaram e colocaram nas redes sociais. Foram julgados e condenados. Fernando Serrano, líder do Vox na Andaluzia (como se sabe o Vox é o partido Espanhol congénere do Chega), quando soube das condenações reagiu indignado e teve o seguinte desabafo: “doravante o único sexo seguro é o da prostituição porque o barato sai caro.” Não há dúvida que eles são do tempo em que o orgasmo feminino era um luxo biológico. Hoje é a coroa de glória da nova masculinidade.

Não me ocorrera, então.

A festa fez-se. Com ordem, com calma e na escrupulosa observância das exigências que as autoridades sanitárias impuseram. Uma organização cuidada, aliada ao sentido cívico dos participantes permitiram que a festa o fosse e fosse, posteriormente, elogiada por muitos insuspeitos. Mas não teve paz. Invejada por todos que não conseguem uma réplica, foi agora invocada a pandemia para bloquear a sua realização. Já lhe tinham pegado com a ASAE, com as finanças, com as putativas ajudas das Câmaras comunistas, do “imperialismo soviético” e agora surgem as questões de saúde como razão quanto baste para o seu impedimento. Claro que a razão é outra e é incontornável. Ninguém em Portugal consegue fazer uma festa idêntica porque ninguém conta com o trabalho voluntário de milhares de simpatizantes. E isso dói. Daí vermos, desde o “investigador social” até à sopeira do Seixal, brandir o fantasma da pandemia como último reduto para a não realização. E com esta base argumentativa foram muitas as iniciativas: desde as centenas de artigos de opinião, abaixos-assinados, petições, tentativa de forçar a Assembleia da República a discutir o tema, automóveis em marcha lenta, encerramento do comércio, ameaça de abandono da zona enquanto durasse a festa, tudo foram razões para mostrar que os comunistas não deviam exibir o seu “coxo” no Seixal. Era ganhar na secretaria. E no entanto nem uma palavra sobre Fátima ou os desportos motorizados no Algarve. Bom. A festa correu bastante bem e isso não me surpreendeu. Os comunistas são rigorosos na organização e têm ascendente sobre aquele público. Já fiquei surpreendido por ter corrido mal em Fátima. Tem de ter havido ou desleixo ou inépcia da organização. Porque aquele público de fieis e peregrinos são receptivos às solicitações, recomendações ou exigências que a organização fizer porque a organização tem ascendente sobre eles. Deveria ter corrido bem. No Algarve, não. A organização não tem qualquer ascendente sobre o público, não há qualquer laço de afectividade entre eles logo o público tem pouco respeito pelas directrizes da organização. Tinha tudo para correr mal. Falo deste assunto com algum à vontade porque não tendo sido contra a festa achei que a não deviam ter feito por solidariedade com aqueles que a não puderam ter. Não me ocorrera, então, que a realização da festa pudesse ter uma leitura pedagógica da própria pandemia, leitura essa que não pode ser explicada “à priori” mas sim pelas consequências. Partindo do principio que não se vence uma pandemia, excepto com vacina, porque por mais confinamentos que haja, que moderam a propagação (achata a curva, como diz o outro), o desconfinamento é fatal. É desta fatalidade que o Governo é acusado em uníssono e porventura com razão. Talvez tivesse sido tudo mal feito. Se calhar não devia ter havido confinamento total como se calhar não devia ter havido aquele desconfinamento. Se calhar! Mas o que é um facto é que todos aceitàmos o confinamento como uma inevitabilidade assim como todos ficàmos contentes e aliviados com o desconfinamento. Mais. Se repararmos, vemos que toda a Europa fez basicamente como nós, afinando só a dureza das medidas pela agressividade com que a pandemia se apresentava. Hoje é fácil criticar as medidas tomadas, apontar erros, falar de omissões. Mas quem é que na altura contestou os procedimentos e alertou para o erro? Ninguém. (só temos treinadores de bancada a começar pelos comentadores profissionais) Ora, como não podemos estar sempre em confinamento porque aí o País passava a ser um “pandemónio”, então temos de aprender a viver com a pandemia. Se a não podemos vencer aliamo-nos a ela. É aí que a realização da festa do Avante pode contribuir para dar pistas de como se deve encarar a pandemia. Todos os sectores a funcionar, da restauração à cultura passando pela música ou as feiras. Tudo com limitações, constrangimentos, é certo, mas a funcionar. E é assim que tem de ser em sociedade como, aliás, está a ser o pensamento dominante.(repare-se na tentativa desesperada de manter as aulas presenciais em funcionamento). É, pois, na gestão desse ponto de equilíbrio entre o não confinamento e o evitar o colapso do sistema de saúde que está a grande dificuldade. E este equilíbrio faz-se um pouco a sentimento, “ad hoc”, de “navegação à vista” porque planificação de uma coisa desconhecida só em conversa de comentador. Hoje toda a gente se rebela contra as limitações à mobilidade, as reduções da actividade e tudo quanto restrinja os direitos cívicos. Atente-se na revolta dos homens da restauração quando se viram confrontados com a limitação da sua actividade aos fins de semana nos concelhos onde há maior incidência viral. Possivelmente, até, a Srª cozinheira do Seixal, que encabeçou a luta pelo encerramento das actividades económicas no Seixal enquanto durasse a festa do Avante, estará hoje a liderar uma luta contra o encerramento do seu restaurante sábado e domingo depois das 13 h, alegando ter todas as garantias sanitárias para poder servir qualquer um.(excepto, possivelmente, comunistas com peçonha) Passe a ironia, que pode muito bem ser verdadeira, o que é um facto é que aqueles que mais sofreram com o 1º confinamento não vêm com bom grado este 2º castigo uma vez que do 1º não se viram grandes ganhos e dão como perdido esse esforço. Entendo a frustração e a desilusão que lhe vai na alma. Mais do mesmo nunca rimou muito com pedagogia. E alguma pedagogia faltou. Somos bombardeados com números de infectados, de mortos, de recuperados, de lares, de hospitais em ruptura e numa tal profusão que se abeira do massacre e claro com o consequente fenómeno de rejeição. Já nem queremos ouvir falar. Jogou-se na pedagogia do medo ao invés de apostar na pedagogia da sedução. (ninguém veja isto como uma critica ao Governo ou seja lá a quem for. Aliás neste particular subscrevo inteiramente as palavras de Rui Rio quando se negou a fazer críticas ao Governo sobre o tema pandemia dizendo que de pandemia ninguém sabia nada e que era fácil e covarde falar no fim.) Mas a pedagogia da sedução seria uma acção que envolveria todos, os que já estão institucionalmente afectados mais partidos políticos, sindicatos, organizações da sociedade civil, comentadores políticos, autarcas, no sentido de criar uma dinâmica tendente a criar em nós o polícia de nós próprios. Acho que foi esse o ensaio do PCP no Avante. Porque com esse estado de espirito mais máscara, mais desinfectante, mais distanciamento, mais medo e com muito sentido cívico acho que podemos viver com a pandemia. Até porque “quando um homem enfrenta o impossível, o impossível recua”. P.S. Ainda não acabou a saga contra o PCP. Nem acabará. Agora é por causa do Congresso que se realizará em Loures. Claro que depois da “performance” dos comunistas na festa do Avante, os detractores ficaram sem margem de manobra para usar os argumentos sanitários como razão para o impedimento do Congresso. Agora falam de ética, de bom senso, de privilégio, de favor do Governo para a aprovação do orçamento (como se não fosse um direito constitucional) e outras bacoradas. Houve um comentador que sugeriu, até, que o Primeiro-Ministro devia pedir a Jerónimo de Sousa para adiar o Congresso. Mas, onde é que isto se viu!!!!? Já não sei o que é o bom senso. Por sua vez o Sr. Presidente da Republica fez um ataque ao PCP usando um artifício. (fez como o Pêra ao Padre Miguel) Não atacou o PCP mas elogiou a Igreja pela sua contenção na realização de eventos. Fez mal o Sr Presidente pois não foi grande exemplo. Quando o 13 de Agosto foi celebrado em Fátima foi o que se viu. Pastor não controlou o Rebanho. Por sua vez as críticas dos deputados foram confrangedoras. Se se vissem ao espelho verificariam que todos os dias eles fazem um Congresso com230 participantes com uma logística que não é nem de longe nem de perto como a do PCP. Espero que não aduzam como complemento argumentativo o facto do seu elevado absentismo permitir um muito maior distanciamento.

Beirute

L íbano é um País do médio oriente. Pertence, portanto, a esse interface cultural, económico, religioso, berço de civilizações, de religiões mas que é ao mesmo tempo placa giratória de interesses económicos, militares, geoestratégicos e políticos, zona em permanente tensão, sempre com disputas, conflitos e até guerras. Além disso, o Líbano teve também uma guerra civil de 15 anos que deixou o país completamente devastado. Beirute, cidade capital do Líbano, outrora conhecida como a “Paris do médio Oriente”, alternava a reconstrução com a ruína. Nos últimos anos tem experimentado alguma paz, tensa, que o Governo, um triunvirato religioso, não deixa ninguém descansado. Pois, agora que tinha alguma paz foi subitamente sacudida por uma explosão gigantesca. 200 mortos, 5000 feridos e 300 desaparecidos foram os números avançados pelos serviços oficiais. Foi de tal ordem o grau de destruição que Marwan Abboud, governador de Beirute, homem temperado naquele “caldo de cultura de violência”, que já sofreu dores de todo o tipo, não conseguiu evitar o choro quando viu o cenário de destruição. A princípio pensou-se que era a abertura de novas hostilidades, mas não. O responsável por esta deflagração tinha sido um carregamento de 2750 toneladas de nitrato de amónia. O nitrato de amónia é um fertilizante muito comum e também é explosivo, aliás muito usado por ser barato e não ter controle. Esse nitrato de amónia tinha sido confiscado a um carregueiro Moldavo e permanecia em armazém há 6 anos. Ficamos perplexos. O que é que leva a que não sejam suficientes 6 anos para decidir do futuro do material confiscado? Há de facto um “pauzinho na engrenagem”. A burocracia estourou com Beirute. Beirute está em todo lado. Também, nós, conhecemos essa burocracia que protela tudo até ao esquecimento. Ora falta uma certidão ora uma assinatura senão falta um despacho ou o requerimento não está de acordo com o modelo prescrito depois passou o prazo, em suma, desesperante. Tornou-se, a burocracia, uma máquina pesada, com inércias quase insuperáveis culpa de uma evolução perversa dos seus pressupostos. Assim: as normas e regulamentos passaram a ser absolutos e prioritários, quer dizer, de meios passaram paulatinamente a objectivos; a necessidade de documentar e formalizar todas as comunicações levou a excessos de formalismo com as consequentes demoras insuportáveis; os funcionários por força da repetição dos procedimentos tornam- -se executantes de rotinas e portanto encaram qualquer novidade como uma ameaça à sua segurança profissional; a despersonalização no relacionamento, que era uma pedra de toque da burocracia enquanto concepção pois encarava o utente sem atender ao estatuto social, passou a exibir tiques de autoridade criando assim dificuldades de atendimento ao público. O “manga de alpaca” tornou-se, assim, um homem temível porque, mesmo sem querer, é o rosto do nosso desconforto perante a máquina burocrática. Mas não era para ser assim quando três (claro que há mais mas estes serão os mais importantes) pensadores do séc. XIX, Karl Marx, Max Weber e Emile Durkheim, especulando sobre o positivismo de August Conte estabeleceram as bases de uma nova ciência, a Sociologia. Um deles, Max Weber, calvinista, que via o capitalismo como um ideal, depois de estudar as relações sociais e interacção social entre elementos de grandes grupos, como os empregados de grandes empresas, o Exército e depois o País, sugeriu a noção da administração como ciência, única forma capaz de promover o crescimento desse mesmo capitalismo. No fundo era organizar empresas que cresciam em tamanho e complexidade. A esse edifício organizativo a que chamou burocracia era no fundo o somatório de relações mecânicas entre gabinetes (bureaux, daí burocracia- o poder dos gabinetes) e tinha por objectivo a eficiência, a eficácia, garantindo rapidez, racionalidade, homogeneidade na interpretação das normas e padronização (decisões iguais para situações iguais). Ora, o que sobra, hoje, de tudo isto? Possivelmente muito pouco. É que Max Weber esqueceu- -se de uma coisa importante: o factor humano (como disse Brecht ao General: o carro de combate tem um homem). De qualquer forma é o que temos e vamos ter por muito tempo pois não há País que dispense a burocracia. Não pode! Mesmo aqueles que dizem que querem acabar com ela mais não querem dizer que corrigir vícios, desmandos, disfunções já seria óptimo. Retirar o mais possível a “mão humana” dos procedimentos o que aliás vem sendo feito por via da digitalização. Cumpre aqui homenagear dois “desburocratizadores”: Almeida Santos com a sua “guerra ao papel selado” e Maria Manuel Leitão Marques com o seu “simplex”. Toda esta conversa sobre burocracia vem a propósito dos milhões que Portugal vai receber da Europa. Se os projectos forem sujeitos aos procedimentos burocráticos normais evitamos a corrupção (nem toda) mas não fazemos nada em tempo útil. Se se agilizarem procedimentos, se forem dispensados alguns mecanismos de controle fazemos obra mas deixamos entrar a corrupção. Este é o dilema com que o governo se depara. Que fazer então? Achar um ponto de equilíbrio entre a obra necessária com corrupção mínima? (isto até parece uma negociação com a Mafia) Ou, numa política de responsabilização, confiar em homens providenciais aos quais dariam “carta branca”? Temos exemplos dos dois casos. O Plano de Povoamento Florestal foi uma obra burocratizada que correu bem. Pode discordar-se do Plano mas o que foi concebido foi bem realizado e nos prazos. Assim como a Expo ou o Europeu de Futebol que correram bastante do ponto de vista da execução. No caso de homens com “carta branca” para fazer, temos desde o Marquês de Pombal ao Fontes Pereira de Melo ao Duarte Pacheco e mais recentemente o Eng. Camilo de Mendonça. Já sei que o Eng. Camilo deixou as contas um bocado baralhadas mas na concepção e realização foi bastante bem sucedido. O descalabro financeiro podia ter sido evitado se tivesse sido monitorizado. Para um Luis XIV tem que haver um Colbert (podemos aprender com os erros, não?). Claro que chamar estes iluminados é correr riscos: 1º podem sair corruptos; 2º podem morrer a meio (Duarte Pacheco morreu e a obra ficou por ali, coisa que não acontece com a burocracia); 3º os iluminados podem não o ser, ou melhor, podem ser “iluminados não por Deus mas pela luz eléctrica” (O. Salazar).